medicações

Muitas vezes, al�m das medica��es prescritas pelo m�dico, os pacientes acabam tomando outras que s�o indicadas por parentes, vizinhos e amigos

Cotton Studio/Pexels
 

 

� medida que envelhecemos, acontecem mudan�as no nosso corpo. Algumas doen�as ficam mais frequentes e, consequentemente, passamos a fazer uso de medicamentos para control�-las. O uso de quatro ou mais medica��es diferentes, h�bito conhecido como polifarm�cia, pode causar v�rios problemas, mesmo se corretamente indicados.


Foi o caso de Nelzita, de 75 anos. Ela � aposentada e sempre foi considerada muito inteligente. Estudou a vida toda, tem dois cursos superiores e trabalhou em �rg�o p�blico em uma posi��o relevante. Era casada, independente, tem tr�s filhos e ficou vi�va em 2014.


Desde a fase adulta, Nelzita apresentava, em alguns momentos, quadros depressivos. Quando acontecia, ela tratava, melhorava e a depress�o passava. “A manuten��o era feita com terapia, mas sempre, depois de determinadas ocorr�ncias, o quadro depressivo voltava. Isso perdurou por muitos anos, inclusive com a morte do meu pai.” Nessas fases, ela tomava uma grande quantidade de medica��es com o intuito de se recuperar, ficar tranquila e ajudar a desenvolver a vida, trabalhar, cuidar dos filhos e dos pais dela. “Tudo se ajeitava e ela mesma conseguia se manter de forma independente”, comenta Anne Moreira Pinto, sua filha.

 

"H� um cuidado especial quando a prescri��o � feita para um idoso"

Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra

 

 

Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra

Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra

Jordana Nesio/Divulga��o
Em 2018, ela, juntamente com os irm�os, decidiu que seria melhor cuidar da m�e mais de perto por perceber que seu comportamento geral havia alterado, tais como a inibi��o e o gosto alimentar, por exemplo.


Nelzita foi para casa de Anne e, depois de muitos exames, foi diagnosticada uma dem�ncia. “A partir da�, comecei a juntar todos os seus medicamentos e entender o que ela tomava. Eu sabia quais eram os medicamentos, mas n�o acompanhava de perto e ela acabava fazendo o uso de tudo sozinha.”

ALOPATAS

Foi a� que eles ficaram chocados com a quantidade de medicamentos alopatas prescritos por m�dicos e v�rios outros rem�dios que ela comprava em farm�cias homeop�ticas, tais como florais, ervas, ch�s, vitaminas. “O neurologista que cuidava da minha m�e se assustou e pediu que fiz�ssemos uma ‘limpa’, porque a intera��o dessa quantidade de medicamentos poderia estar afetando a parte comportamental dela”, ressalta.


Segundo a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, da empresa especializada em home care Sa�de no Lar, � importante ressaltar que a prescri��o de uma medica��o deve ser feita por um profissional m�dico. “� ele quem vai avaliar a necessidade, escolher a subst�ncia, a dose, baseado nas caracter�sticas do paciente e n�o s� na doen�a. H� um cuidado especial quando a prescri��o � feita para um idoso.”


A subst�ncia prescrita pode sofrer altera��o na sua absor��o, no transporte pelo sangue, na quantidade da dose, na metaboliza��o (etapa para a��o ou elimina��o) e elimina��o.

Isso acaba deixando o medicamento mais ou menos tempo no organismo, a depender da altera��o que acontece. “Assim, os efeitos esperados podem demorar mais ou os efeitos colaterais ficarem mais frequentes e intensos.”


Esses problemas acabam fazendo o paciente tomar nova medica��o, e quanto mais medica��o, maior a chance de ele cair em uma cascata de prescri��o: passar uma nova medica��o para tratar um sintoma de um efeito colateral da primeira medica��o.


Al�m das medica��es prescritas pelo m�dico, os pacientes, de acordo com a geriatra, acabam tomando outras que s�o indicadas por parentes, vizinhos, amigos.

“Mesmo na melhor das inten��es, elas aumentam muitas vezes o perigo de polifarm�cia. E temos tamb�m aqueles rem�dios que se compram sem receita para febre, diarreia, press�o alta, tosse. Afinal, quem n�o tem uma caixinha de rem�dio em casa para eventualidades?”


A polifarm�cia tamb�m aumenta a chance de erro na hora de o paciente tomar os medicamentos. �s vezes, pode n�o conseguir tomar todos, porque s�o muitos, tomar com intervalos de hor�rio maior que o indicado e n�o fazer o devido efeito, tomar com intervalos menores e ter intoxica��o por dose elevada ou at� tomar duas medica��es com nomes comerciais diferentes, mas que t�m a mesma subst�ncia.


Al�m disso, o paciente pode se confundir, ou ter receio de tomar todos os rem�dios juntos. “Ele acaba, por conta pr�pria, tomando um a cada hora do dia, o que dificulta fazer atividades e prejudica a ader�ncia ao tratamento”, pondera a especialista.


Quando os medicamentos da receita n�o conseguem ser adequadamente usados, o paciente apresenta um risco quatro vezes maior de complica��es da doen�a em tratamento, principalmente quando s�o doen�as cardiovasculares.


“Existe ainda aquela velha – e real – hist�ria de medicamento que n�o pode ser usado em associa��o com outro espec�fico. Dependendo da intera��o, pode ocasionar at� uma interna��o hospitalar ou morte.”

 

 

Processo de retirada da medica��o

 

Anne conta que sua m�e, Nelzita, sempre tinha uma justificativa positiva para continuar usando tudo que tinha em casa. “Tudo o que as pessoas falavam que era bom para alguma coisa, ela considerava que era bom para ela, comprava e tomava.”


A retirada de sua medica��o teve de ser muito estudada e feita aos poucos, pois existia uma resist�ncia muito grande por parte dela para retirar todos os rem�dios e produtos.


“O processo de retirada e de diminuir a quantidade de tipos de rem�dio demorou muito tempo para acontecer e chegar a uma quantidade adequada. Come�amos em 2018 e estamos em 2023. Tiramos primeiro aqueles que o m�dico considerou como mais perigosos. Depois de tr�s meses, tir�vamos mais um, faz�amos um ajuste, retir�vamos outros escondidos, falando que havia acabado na farm�cia. Todo esse trabalho foi realizado at� conseguirmos chegar no ideal, que hoje est� sendo acompanhado por neurologista e geriatra”, disse.


Nelzita, felizmente, n�o chegou a passar mal e nem teve crises, mas, com certeza, conforme relata sua filha, existiram altera��es em seu organismo e em seus exames decorrentes desse excesso de rem�dios, p�lulas e vitaminas que ela tomava e que n�o podiam ser tomados.


VIG�LIA

Anne vigia a m�e at� hoje com rela��o a isso, e, atualmente, ela toma cerca de quatro medicamentos, mas todos eles prescritos conforme sua necessidade de sa�de. “Eles s�o rem�dios para a press�o, colesterol, tireoide, para o emocional e para dem�ncia”, conta.


A aposentada, segundo a filha, fala  que gostaria muito de n�o ter de tomar nenhum rem�dio, mas toda a fam�lia sabe que existe uma depend�ncia em seu organismo. “Tanto � que, hoje, toda a medica��o que existe em casa, seja dela ou n�o, fica trancada. Se n�s vacilarmos e deixar aberta, isso pode ser uma oportunidade para que ela, escondida, pegue rem�dios.”


Como o controle da medica��o dela � todo feito por Anne, ela consegue monitorar o que deve ser tomado no dia a dia. “Os acompanhamentos hoje s�o feitos com neurologista, geriatra, psiquiatra e com cardiologista, e � a geriatra quem organiza essas medica��es, coloca as receitas de todos eles em um s� papel, organiza e verifica se tem a briga de algum rem�dio com outro.”


Essa revis�o das medica��es em uso, segundo Simone de Paula, deve ser feita sempre pelo m�dico, ponderando a indica��o, se ainda � necess�rio, se h� alguma intera��o medicamentosa, se o efeito est� sendo observado. “Muitos rem�dios s�o necess�rios durante um momento espec�fico e, depois, n�o s�o mais e precisam ser retirados. A hist�ria de “usar pro resto da vida” pode n�o ser bem assim; afinal, mudamos muito ao longo dela.”


Para ajudar a diminuir esses problemas, � importante ter sempre por perto a lista dos medicamentos usados (nome, dosagem e frequ�ncia), n�o tomar medica��o sem indica��o e necessidade e n�o suspender medica��o sem antes passar por uma avalia��o m�dica.

 

ALERTA

» A ingest�o de subst�ncias de forma inadequada pode causar rea��es como depend�ncia, intoxica��o e at� a morte

» As discuss�es em torno o tema ainda refor�am  necessidade de fazer  descarte adequado
dos rem�dios

» Segundo a Associa��o Brasileira das Ind�strias Farmac�uticas (Abifarma), cerca de 20 mil pessoas morrem anualmente no pa�s por causa da automedica��o

» A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), por sua vez, ressalta a import�ncia de disseminar o uso racional de medicamentos, al�m de enfatizar a indispens�vel obriga��o de administrar adequadamente os f�rmacos, considerando as necessidades cl�nicas e individuais de
cada paciente

» Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farm�cia (CFF), quase etade dos brasileiros se automedicam pelo menos ma vez por m�s e 25% o fazem todo dia ou pelo menos
uma vez por semana

» Ainda de acordo com o estudo, a automedica��o  um h�bito comum a 7% dos brasileiros

Fontes: OMS, CRF, Abifarma