Muitas vezes, al�m das medica��es prescritas pelo m�dico, os pacientes acabam tomando outras que s�o indicadas por parentes, vizinhos e amigos
� medida que envelhecemos, acontecem mudan�as no nosso corpo. Algumas doen�as ficam mais frequentes e, consequentemente, passamos a fazer uso de medicamentos para control�-las. O uso de quatro ou mais medica��es diferentes, h�bito conhecido como polifarm�cia, pode causar v�rios problemas, mesmo se corretamente indicados.
Desde a fase adulta, Nelzita apresentava, em alguns momentos, quadros depressivos. Quando acontecia, ela tratava, melhorava e a depress�o passava. “A manuten��o era feita com terapia, mas sempre, depois de determinadas ocorr�ncias, o quadro depressivo voltava. Isso perdurou por muitos anos, inclusive com a morte do meu pai.” Nessas fases, ela tomava uma grande quantidade de medica��es com o intuito de se recuperar, ficar tranquila e ajudar a desenvolver a vida, trabalhar, cuidar dos filhos e dos pais dela. “Tudo se ajeitava e ela mesma conseguia se manter de forma independente”, comenta Anne Moreira Pinto, sua filha.
"H� um cuidado especial quando a prescri��o � feita para um idoso"
Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra
Simone de Paula Pessoa Lima, geriatra
Nelzita foi para casa de Anne e, depois de muitos exames, foi diagnosticada uma dem�ncia. “A partir da�, comecei a juntar todos os seus medicamentos e entender o que ela tomava. Eu sabia quais eram os medicamentos, mas n�o acompanhava de perto e ela acabava fazendo o uso de tudo sozinha.”
ALOPATAS
Foi a� que eles ficaram chocados com a quantidade de medicamentos alopatas prescritos por m�dicos e v�rios outros rem�dios que ela comprava em farm�cias homeop�ticas, tais como florais, ervas, ch�s, vitaminas. “O neurologista que cuidava da minha m�e se assustou e pediu que fiz�ssemos uma ‘limpa’, porque a intera��o dessa quantidade de medicamentos poderia estar afetando a parte comportamental dela”, ressalta.
Segundo a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, da empresa especializada em home care Sa�de no Lar, � importante ressaltar que a prescri��o de uma medica��o deve ser feita por um profissional m�dico. “� ele quem vai avaliar a necessidade, escolher a subst�ncia, a dose, baseado nas caracter�sticas do paciente e n�o s� na doen�a. H� um cuidado especial quando a prescri��o � feita para um idoso.”
A subst�ncia prescrita pode sofrer altera��o na sua absor��o, no transporte pelo sangue, na quantidade da dose, na metaboliza��o (etapa para a��o ou elimina��o) e elimina��o.
Isso acaba deixando o medicamento mais ou menos tempo no organismo, a depender da altera��o que acontece. “Assim, os efeitos esperados podem demorar mais ou os efeitos colaterais ficarem mais frequentes e intensos.”
Esses problemas acabam fazendo o paciente tomar nova medica��o, e quanto mais medica��o, maior a chance de ele cair em uma cascata de prescri��o: passar uma nova medica��o para tratar um sintoma de um efeito colateral da primeira medica��o.
Al�m das medica��es prescritas pelo m�dico, os pacientes, de acordo com a geriatra, acabam tomando outras que s�o indicadas por parentes, vizinhos, amigos.
“Mesmo na melhor das inten��es, elas aumentam muitas vezes o perigo de polifarm�cia. E temos tamb�m aqueles rem�dios que se compram sem receita para febre, diarreia, press�o alta, tosse. Afinal, quem n�o tem uma caixinha de rem�dio em casa para eventualidades?”
A polifarm�cia tamb�m aumenta a chance de erro na hora de o paciente tomar os medicamentos. �s vezes, pode n�o conseguir tomar todos, porque s�o muitos, tomar com intervalos de hor�rio maior que o indicado e n�o fazer o devido efeito, tomar com intervalos menores e ter intoxica��o por dose elevada ou at� tomar duas medica��es com nomes comerciais diferentes, mas que t�m a mesma subst�ncia.
Al�m disso, o paciente pode se confundir, ou ter receio de tomar todos os rem�dios juntos. “Ele acaba, por conta pr�pria, tomando um a cada hora do dia, o que dificulta fazer atividades e prejudica a ader�ncia ao tratamento”, pondera a especialista.
Quando os medicamentos da receita n�o conseguem ser adequadamente usados, o paciente apresenta um risco quatro vezes maior de complica��es da doen�a em tratamento, principalmente quando s�o doen�as cardiovasculares.
“Existe ainda aquela velha – e real – hist�ria de medicamento que n�o pode ser usado em associa��o com outro espec�fico. Dependendo da intera��o, pode ocasionar at� uma interna��o hospitalar ou morte.”
Processo de retirada da medica��o
Anne conta que sua m�e, Nelzita, sempre tinha uma justificativa positiva para continuar usando tudo que tinha em casa. “Tudo o que as pessoas falavam que era bom para alguma coisa, ela considerava que era bom para ela, comprava e tomava.”
A retirada de sua medica��o teve de ser muito estudada e feita aos poucos, pois existia uma resist�ncia muito grande por parte dela para retirar todos os rem�dios e produtos.
“O processo de retirada e de diminuir a quantidade de tipos de rem�dio demorou muito tempo para acontecer e chegar a uma quantidade adequada. Come�amos em 2018 e estamos em 2023. Tiramos primeiro aqueles que o m�dico considerou como mais perigosos. Depois de tr�s meses, tir�vamos mais um, faz�amos um ajuste, retir�vamos outros escondidos, falando que havia acabado na farm�cia. Todo esse trabalho foi realizado at� conseguirmos chegar no ideal, que hoje est� sendo acompanhado por neurologista e geriatra”, disse.
Nelzita, felizmente, n�o chegou a passar mal e nem teve crises, mas, com certeza, conforme relata sua filha, existiram altera��es em seu organismo e em seus exames decorrentes desse excesso de rem�dios, p�lulas e vitaminas que ela tomava e que n�o podiam ser tomados.
VIG�LIA
Anne vigia a m�e at� hoje com rela��o a isso, e, atualmente, ela toma cerca de quatro medicamentos, mas todos eles prescritos conforme sua necessidade de sa�de. “Eles s�o rem�dios para a press�o, colesterol, tireoide, para o emocional e para dem�ncia”, conta.
A aposentada, segundo a filha, fala que gostaria muito de n�o ter de tomar nenhum rem�dio, mas toda a fam�lia sabe que existe uma depend�ncia em seu organismo. “Tanto � que, hoje, toda a medica��o que existe em casa, seja dela ou n�o, fica trancada. Se n�s vacilarmos e deixar aberta, isso pode ser uma oportunidade para que ela, escondida, pegue rem�dios.”
Como o controle da medica��o dela � todo feito por Anne, ela consegue monitorar o que deve ser tomado no dia a dia. “Os acompanhamentos hoje s�o feitos com neurologista, geriatra, psiquiatra e com cardiologista, e � a geriatra quem organiza essas medica��es, coloca as receitas de todos eles em um s� papel, organiza e verifica se tem a briga de algum rem�dio com outro.”
Essa revis�o das medica��es em uso, segundo Simone de Paula, deve ser feita sempre pelo m�dico, ponderando a indica��o, se ainda � necess�rio, se h� alguma intera��o medicamentosa, se o efeito est� sendo observado. “Muitos rem�dios s�o necess�rios durante um momento espec�fico e, depois, n�o s�o mais e precisam ser retirados. A hist�ria de “usar pro resto da vida” pode n�o ser bem assim; afinal, mudamos muito ao longo dela.”
Para ajudar a diminuir esses problemas, � importante ter sempre por perto a lista dos medicamentos usados (nome, dosagem e frequ�ncia), n�o tomar medica��o sem indica��o e necessidade e n�o suspender medica��o sem antes passar por uma avalia��o m�dica.
ALERTA
» A ingest�o de subst�ncias de forma inadequada pode causar rea��es como depend�ncia, intoxica��o e at� a morte
» As discuss�es em torno o tema ainda refor�am necessidade de fazer descarte adequado
dos rem�dios
» Segundo a Associa��o Brasileira das Ind�strias Farmac�uticas (Abifarma), cerca de 20 mil pessoas morrem anualmente no pa�s por causa da automedica��o
» A Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), por sua vez, ressalta a import�ncia de disseminar o uso racional de medicamentos, al�m de enfatizar a indispens�vel obriga��o de administrar adequadamente os f�rmacos, considerando as necessidades cl�nicas e individuais de
cada paciente
» Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Farm�cia (CFF), quase etade dos brasileiros se automedicam pelo menos ma vez por m�s e 25% o fazem todo dia ou pelo menos
uma vez por semana
» Ainda de acordo com o estudo, a automedica��o um h�bito comum a 7% dos brasileiros
Fontes: OMS, CRF, Abifarma
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