Indígena Guarani recebe vacina CoronaVac da enfermeira Rosane das Neves durante campanha de vacinação contra Covid-19 na Aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka'Aguy Ovy Porã) em 20 de janeiro de 2021 em Marica, Brasil.

Menos da metade dos ind�genas t�m o esquema vacinal completo, aponta estudo

Buda Mendes/Equipa/Getty Images

A pandemia de COVID-19 impactou desproporcionalmente grupos populacionais socialmente desfavorecidos no Brasil, incluindo os povos ind�genas.


Um estudo feito por cientistas da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outras institui��es, estima que, entre a popula��o ind�gena, s� 48,7% t�m o esquema vacinal completo, bem menos do que entre os n�o-ind�genas (74,8%).


Os �ndices foram melhores na regi�o Nordeste, e foram semelhantes nas regi�es Norte, Sul e Sudeste, apesar de as duas �ltimas terem a maior rede de aten��o � sa�de do pa�s.

 

A baixa cobertura na regi�o Norte (40,3%) � vista como particularmente preocupante pelos especialistas, j� que concentra a maior propor��o de popula��o ind�gena.

 


Os pesquisadores Julia Pescarini e Andrey Cardoso, envolvidos na an�lise, explicam que o interesse em analisar a cobertura vacinal e a efic�cia da vacina em povos origin�rios brasileiros se deu por o grupo apresentar historicamente maior risco de doen�as infecciosas em compara��o com a popula��o em geral, incluindo infec��es respirat�rias agudas.


O risco � amplamente atribu�do a saneamento b�sico prec�rio, desnutri��o e acesso limitado a cuidados de sa�de.

No Brasil, os autores apontaram no artigo que isso � agravado pela longa hist�ria de exposi��o � discrimina��o, viol�ncia, degrada��o ambiental e restri��o territorial, que perpetuam a infec��o respirat�ria como um importante problema de sa�de para as popula��es ind�genas.


O menino indígena brasileiro Davi Xavante - a primeira criança no Brasil a ser vacinado contra a covid-19 - recebe a primeira dose da vacina Pfizer-BioNTech no hospital Clinicas em São Paulo, Brasil, em 14 de janeiro de 2022.

O menino Davi Xavante foi a primeira crian�a no Brasil a ser vacinada contra covid-19.

NELSON ALMEIDA/AFP via Getty Images

Embora muitas das comunidades ind�genas estejam longe dos centros urbanos, isso n�o impediu que o v�rus se espalhasse nelas.

No primeiro trimestre da pandemia, houve um r�pido aumento no risco de transmiss�o sustentada de covid-19 em �reas com presen�a ind�gena.

Duas pesquisas nacionais que investigaram anticorpos contra a doen�a na popula��o de 133 cidades mostraram uma preval�ncia 87% maior entre ind�genas em compara��o com brancos.

Al�m disso, no primeiro da pandemia, a mortalidade entre os ind�genas foi 16,7% maior do que a observada na popula��o brasileira em geral.

Apesar desses fatores de risco, Pescari lembra que os povos origin�rios n�o foram considerados inicialmente um grupo priorit�rio para a aplica��o de doses pelo Minist�rio da Sa�de.

"Profissionais envolvidos no PNI [Programa Nacional de Imuniza��o] e sobretudo organiza��es dos pr�prios povos ind�genas intercederam pela inclus�o desse grupo na fase priorit�ria, que inicialmente era destinada apenas a profissionais da sa�de, idosos e pessoas com comorbidade", explica Pescari, que � pesquisadora do Centro de Integra��o de Dados e Conhecimentos para Sa�de (Cidacs), instituto de pesquisa vinculado � Fiocruz, e da London School of Hygiene and Tropical Medicine.

Al�m da import�ncia inata de preservar a sa�de de cada pessoa e o direito constitucional ao acesso � sa�de, Cardoso refor�a que, no caso dos ind�genas, proteg�-los � tamb�m salvar sabedorias e culturas ancestrais.

"Quem det�m muito do conhecimento, no caso dos povos origin�rios, s�o os anci�es, pessoas idosas, que estavam naturalmente em maior risco de serem afetados pela covid-19."

Por que as popula��es ind�genas foram menos vacinadas contra a covid-19?


Indígena Guarani recebe vacina CoronaVac da enfermeira Rosane das Neves durante campanha de vacinação contra Covid-19 na Aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka'Aguy Ovy Porã) em 20 de janeiro de 2021 em Marica (RJ), Brasil.

� princ�pio, ind�genas n�o eram um grupo priorit�rio, mas mobiliza��o mudou isso

Buda Mendes/Equipa/Getty Images

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam alguns motivos que levaram a esse quadro.

Dificuldade de acesso

A localiza��o de determinados territ�rios, como os dos povos yanomami, no meio da selva, � um dos principais desafios para a vacina��o de ind�genas.

As equipes de sa�de demoram dias para chegar, e materiais e medicamentos s�o escassos. No caso de vacinas, a depender da marca, corre-se o risco de as doses estragarem por falta de refrigera��o correta.

A dificuldade de acesso �, no entanto, considerada contorn�vel com esfor�os e investimento. Ainda assim, mesmo em locais onde o acesso � mais f�cil, h� desafios.

"Em alguns casos, um posto de sa�de atende tr�s ou quatro comunidades ind�genas, ent�o, n�o fica t�o perto de todas. Para idosos ou pessoas com dificuldade de locomo��o por qualquer motivo, esse acesso � dificultado e requer um esfor�o maior", avalia Julia Pescarini.

Fake news

As not�cias falsas sobre a vacina��o contra a covid-19 tamb�m chegaram nas aldeias, no boca a boca ou por aplicativos de mensagem e redes sociais.

Uma reportagem da BBC News Brasil com o comunicador e empreendedor ind�gena An�pu�ka Tupinamb� trouxe relatos de ind�genas afetados pelas fake news.

"Vi parentes falarem que viram que mais de 900 ind�genas no Xingu teriam morrido por conta da vacina. Uma senhora com mais de 90 anos me disse que n�o iria se vacinar por causa disso", afirma.

"Nenhuma regi�o do pa�s est� a salvo (das not�cias falsas), nem em �reas isoladas como Amaz�nia e Par�."

Andrey Cardoso, que faz parte da Escola Nacional de Sa�de P�blica da Fiocruz - Rio de Janeiro (ENSP) e trabalha com sa�de ind�gena h� 25 anos, diz que a circula��o de informa��es equivocadas espalhou medo.

"Fizemos um esfor�o muito grande para trazer informa��es t�cnicas e cient�ficas e mostrar a eles a import�ncia da vacina para que eles tivessem confian�a de tomar", diz.

Influ�ncia de profissionais de sa�de negacionistas

Em reuni�es com pesquisadores que trabalhavam na �rea do Xingu, Cardoso conta ter tomado conhecimento do impacto do padr�o de comportamento das equipes de sa�de que tamb�m foram afetados por fake news e teorias da conspira��o.

"Quando as equipes n�o incentivavam a aplica��o do imunizante e compartilhavam teorias falsas, o impacto negativo foi visto por consequ�ncia da n�o aceita��o da vacina e inclusive na mortalidade dos ind�genas no territ�rio", afirma.

"Isso afeta todas as etapas do atendimento, seja na vacina��o, tratamento ou at� na testagem, por exemplo."

Falta de investimentos

Pescarini aponta que o Sistema �nico de Sa�de (SUS) sofre com amea�as constantes de colapso por falta de recursos, o que torna o acesso de popula��es mais vulner�veis ainda mais prec�rio.

"A aten��o � sa�de ind�gena est� ainda mais sucateada. A partir dos dados que levantamos, pretendemos deixar a li��o de que, quanto mais complexos os atendimentos s�o, mais investimentos voc� precisa para que voc� n�o deixe aquela popula��o desassistida", diz.

"� parecido com popula��es vivendo em favelas ou comunidades vivendo em �reas de outras �reas remotas. No Brasil, que voc� precisa de um esfor�o extra, voc� precisa de um investimento maior para que todos sejam assistidos pelo sistema."


indígena Guarani se pinta para uma comemoração durante uma campanha de vacinação contra a Covid-19 na Aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka'Aguy Ovy Porã) em 20 de janeiro de 2021 em Marica (RJ), Brasil.

Pesquisadores apontam que aten��o � sa�de ind�gena est� 'sucateada'

Buda Mendes/Equipa/Getty Images

Como o estudo foi feito

Para encontrar a taxa de vacina��o entre ind�genas, o estudo vinculou dados nacionais sobre imuniza��o a registros de sintom�ticos e de infec��o respirat�ria aguda grave e estudou um grupo de ind�genas vacinados com mais de 5 anos entre 18 de janeiro de 2021 e 1º de mar�o de 2022 - pela data final, o estudo n�o contabilizou a terceira dose da vacina e nem a imuniza��o de crian�as menores.

Usando os dados de 389.753 ind�genas eleg�veis, as coberturas vacinais gerais foram de 65% e 48,7%, respectivamente, para vacina��o parcial ou total (duas doses).

O artigo tamb�m fez uma an�lise sobre a efic�cia das vacinas. "Receber duas doses de qualquer uma das tr�s vacinas (Coronavac, AstraZeneca ou Pfizer) foi pelo menos 50% eficaz contra casos sintom�ticos de covid-19 confirmados em laborat�rio e mais de 80% eficaz contra casos graves (ou seja, progress�o para UTI e morte)", aponta o texto.

O artigo est� em fase de em fase de preprint, o que significa que ainda n�o passou pela revis�o de pares - quando o estudo � enviado por pesquisadores n�o envolvidos no artigo para que avaliem sua qualidade e, posteriormente, o conte�do seja publicado em revista cient�fica.

� reportagem, Julia Pescarini e Andrey Cardoso explicaram que buscam agora publica��o em uma revista de grande impacto e principalmente que tenham os dados abertos ao p�blico geral, sem necessidade de pagamento pelo acesso.

"� muito importante que a informa��o chegue ao maior n�mero de pessoas poss�vel", avalia Cardoso.

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c727170wz2vo