Nos �ltimos meses, as pol�ticas de preven��o coletivas viraram sugest�es e orienta��es individuais
No dia 11 de mar�o de 2020, o bi�logo et�ope Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), fez um discurso que entraria para a hist�ria.
Num momento em que haviam sido registrados 118 mil casos e 4,2 mil mortes por covid-19 em 114 pa�ses, ele anunciou que est�vamos, de fato, em uma pandemia.
"Essa � a primeira pandemia causada por um coronav�rus. [...] N�s estamos soando o alarme em alto e bom som", declarou.
Tr�s anos, 676,5 milh�es de casos e 6,8 milh�es de mortes depois, o mundo se encontra num momento completamente distinto da crise sanit�ria.
Com o desenvolvimento de vacinas, testes e rem�dios em tempo recorde, o coronav�rus deixou de representar uma amea�a mortal para a maioria das pessoas — apesar de ainda ser um problema grave e preocupante para os grupos mais vulner�veis, como idosos e indiv�duos com o sistema imunol�gico comprometido.
Nesse per�odo, a letalidade caiu de 2,9% para 0,7%.
Mas como chegamos at� aqui? E o que esperar da covid-19 para os pr�ximos anos? A BBC News Brasil ouviu pesquisadores para entender as perspectivas futuras desta doen�a e o que precisa ser feito para diminuir ainda mais o impacto dela na sociedade.
Casos, hospitaliza��es e mortes: al�vio nos n�meros, mas acompanhamento � primordial
At� o momento, 2021 foi o pior ano da pandemia no Brasil. No auge, o pa�s chegou a registrar um total de 21 mil mortes por covid em uma �nica semana.
Desde ent�o, as estat�sticas nunca mais chegaram a patamares t�o elevados — apesar do crescimento em interna��es e mortes registrado no in�cio de 2022, relacionado ao espalhamento da variante �micron.
Se os dados continuarem na tend�ncia atual, o pa�s deve fechar o ano de 2023 com menos da metade das mortes que foram notificadas em 2022 — que, por sua vez, j� havia registrado 84% menos �bitos em compara��o com 2021.

O Brasil chegou a ter 21 mil mortes por covid-19 em uma �nica semana de abril de 2021
Getty ImagesO al�vio no cen�rio epidemiol�gico, inclusive, levou a mudan�as importantes na forma como as estat�sticas s�o apresentadas.
Recentemente, o Minist�rio da Sa�de e o pr�prio Conass deixaram de publicar boletins di�rios sobre os n�meros da pandemia e passaram a divulgar relat�rios semanais.
O estat�stico Leonardo Bastos, pesquisador da Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz), v� a mudan�a com bons olhos.
"Os boletins di�rios s�o por vezes um tanto ruidosos, j� que eles podem trazer dados incompletos de acordo com o dia e a disponibilidade de profissionais para atualizar os sistemas", avalia.
"Quando os dados est�o consolidados por semana, fica mais f�cil fazer as an�lises e entender as tend�ncias de casos, hospitaliza��es e mortes", complementa.
Mesmo diante desse maior espa�amento das estat�sticas, o especialista entende que � vital manter ativa a vigil�ncia sobre o coronav�rus — assim como ocorre para v�rios outros pat�genos, como os causadores de gripe ou dengue.
"Nossos sistemas s�o bons para detectar os casos mais graves de infec��es respirat�rias, que exigem hospitaliza��es. Mas precisamos desenvolver recursos capazes de flagrar os quadros mais leves, que sinalizam o in�cio de uma potencial nova onda", diz Bastos, que tamb�m integra o Observat�rio Covid-19 BR.
O pesquisador ainda destaca uma �ltima tend�ncia que deve se confirmar nos pr�ximos anos: a sazonalidade do coronav�rus, ou os per�odos do ano em que o n�mero de infec��es e �bitos tende a subir.
"Os tr�s primeiros anos da pandemia foram um tanto conturbados. Mas com a situa��o relativamente mais controlada, ser� poss�vel observar esse comportamento sazonal do pat�geno", acredita Bastos.
"Assim como acontece com outros v�rus respirat�rios, a tend�ncia � que os casos de covid aumentem nos per�odos mais frios do ano, conforme nos aproximamos do inverno. Por�m, isso � algo que ainda precisa ser confirmado", completa.
Vacina��o: doses atualizadas para alguns, refor�o urgente para os demais
Entre os especialistas, n�o h� d�vidas de que o momento mais favor�vel da pandemia que vivemos agora est� relacionado a dois fatores principais: a vacina��o e o grande n�mero de infectados pelo coronav�rus.
Esses dois eventos permitiram criar um bom n�vel de imunidade — com isso, mesmo que o v�rus consiga invadir o organismo, as c�lulas de defesa s�o capazes de conter o problema antes que ele se transforme em algo mais s�rio na maioria das vezes.
Segundo os dados compilados pelo portal CoronavirusBra1, mais de 183 milh�es de brasileiros (ou 86% da popula��o) tomaram pelo menos uma dose do imunizante que protege contra o coronav�rus.
O problema est� na continuidade da campanha. Apenas 175 milh�es (82% do total) completaram o esquema inicial de duas doses.
Para piorar, s� 125 milh�es (59%) voltaram aos postos de sa�de para tomar o refor�o (ou a terceira dose), t�o necess�rio para diminuir o risco de pegar a variante �micron.
"� natural que, com o passar do tempo, a prote��o conferida pela vacina diminua. Por isso, � essencial estar com o esquema de doses atualizado para garantir uma boa imunidade", explica a pediatra Isabella Ballalai, da Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm).
A m�dica conta que as doses de refor�o funcionam como uma esp�cie de "lembrete", para fazer com que o sistema imunol�gico siga com uma boa capacidade de combater o coronavirus.

Apenas 59% dos brasileiros tomaram a dose de refor�o, essencial para resguardar contra a variante �micron
Getty ImagesDiante desse cen�rio de baixas coberturas, o Minist�rio da Sa�de lan�ou recentemente uma nova campanha para melhorar as estat�sticas da vacina��o contra a covid.
E h� dois objetivos principais nesse esfor�o. Primeiro, garantir que toda a popula��o atualize a caderneta de vacina��o e tome a segunda, a terceira ou a quarta dose atrasadas. Nesses casos, s�o aplicadas as vacinas monovalentes, usadas desde o in�cio da campanha.
A segunda parte da iniciativa envolve os imunizantes bivalentes, que trazem uma prote��o ampliada contra as variantes mais recentes do coronav�rus, como a �micron.
Por ora, essas doses atualizadas est�o dispon�veis apenas para grupos mais vulner�veis, como idosos, indiv�duos que moram em institui��es de longa perman�ncia, pacientes com o sistema imunol�gico comprometido, ind�genas, ribeirinhos, quilombolas, gestantes, pu�rperas (mulheres que tiveram um filho nos �ltimos 45 dias), trabalhadores da sa�de, pessoas com defici�ncia, popula��o privada de liberdade e funcion�rios do sistema prisional.
"A vacina bivalente � uma conquista muito grande e mostra que somos capazes de atualizar a formula��o dos imunizantes de acordo com o surgimento das novas variantes", considera Ballalai.
Ainda que a chegada das vacinas bivalentes sinalize o primeiro passo sobre o futuro das campanhas de imuniza��o contra a covid, a estrat�gia para os pr�ximos anos ainda n�o est� clara.
N�o se sabe, por exemplo, se todos — ou alguns grupos em espec�fico — precisar�o tomar um refor�o a cada ano, ou se a prote��o conferida pelas doses dispon�veis hoje ser� suficiente por um tempo extra.
S� a observa��o da realidade e as pesquisas que est�o em andamento poder�o determinar a periodicidade das campanhas — e quem ser� contemplado nelas.
"A tend�ncia � que tenhamos uma vacina��o anual, ou eventualmente at� duas vezes ao ano, para alguns p�blicos. Mas isso � algo que ainda precisa ser definido", completa Ballalai.
Preven��o: a transi��o do esfor�o coletivo para a iniciativa individual
Outro fen�meno que marcou os meses mais recentes da pandemia foi a mudan�a nas pol�ticas p�blicas que tentam conter as cadeias de transmiss�o do coronav�rus.
Num per�odo em que as vacinas ou os rem�dios n�o estavam dispon�veis e a taxa de mortalidade permanecia em alta, a �nica alternativa de governos e institui��es de sa�de era determinar o lockdown e pedir que as pessoas permanecessem em casa.
As m�scaras, obrigat�rias a todos em qualquer local p�blico, eram uma maneira de se proteger — ou diminuir o risco de espalhamento do pat�geno pelos indiv�duos que estavam infectados.
Com o passar do tempo, a realidade se modificou. "Foi a partir da� que as recomenda��es de preven��o deixaram de ser coletivas para ganharem um aspecto mais individualizado", comenta a infectologista Sylvia Lemos Hinrichsen, professora do Departamento de Medicina Tropical da Universidade Federal de Pernambuco.
Isso, claro, tem a ver com o t�pico anterior: a cria��o de um bom n�vel de imunidade por meio da vacina��o (e do n�mero de indiv�duos infectados) permitiu com que as exig�ncias da lei fossem substitu�das por sugest�es e orienta��es de sa�de p�blica.

Nos piores momentos da pandemia, o lockdown era a �nica sa�da para enfrentar a subida de casos, hospitaliza��es e mortes
Getty ImagesAtualmente, o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos preconiza que a preven��o da covid-19 deva estar de acordo com o n�vel de transmiss�o do coronav�rus em cada regi�o e o risco individual de desenvolver as formas mais graves da doen�a.
O �rg�o at� disponibiliza gratuitamente um arquivo em ingl�s e espanhol para o "planejamento pessoal da covid-19", que cada um pode preencher com informa��es de acordo com as necessidades pr�prias.
Nesse mesmo manual, o primeiro passo das estrat�gias preventivas � "conversar com o profissional de sa�de para saber se voc� tem um alto risco de ficar gravemente doente".
A partir dessa informa��o, � poss�vel desenvolver as a��es necess�rias para cada caso. Um indiv�duo com alto risco pode, por exemplo, sempre usar m�scaras em locais fechados e cheios de gente, ou suspeitar dos sintomas assim que aparecerem. A partir da�, ele pode buscar um servi�o de sa�de, fazer o diagn�stico e iniciar o tratamento — o que diminui o risco de hospitaliza��o e morte.
Al�m desses cuidados individualizados, as entidades nacionais e internacionais de sa�de seguem recomendando outras medidas b�sicas, como lavar as m�os com regularidade, ventilar bem os ambientes fechados e preferir reuni�es em lugares abertos.
Esses cuidados, ali�s, n�o protegem apenas contra o causador da covid-19, mas tamb�m s�o efetivas contra v�rios outros pat�genos que provocam infec��es, como o influenza e o v�rus sincicial respirat�rio.
"Al�m de manter as regras b�sicas de higiene e etiqueta respirat�ria, � importante que as pessoas continuem a observar os sintomas t�picos da doen�a [febre, coriza, tosse, espirros, dor no corpo…] e busquem o diagn�stico", acrescenta Hinrichsen.
"Se o exame confirmar a covid, vale evitar o contato com outros indiv�duos e fazer o isolamento para n�o transmitir os v�rus adiante", complementa.
Variantes: na fronteira entre a calmaria e a vigil�ncia
Nos �ltimos tr�s anos, o coronav�rus passou por uma s�rie de mudan�as em sua estrutura.
Essas muta��es gen�ticas, que aumentaram o potencial do pat�geno de se transmitir ou driblar a imunidade, levaram ao surgimento das variantes de preocupa��o (VOC, na sigla em ingl�s).
At� o momento, cinco linhagens do agente infeccioso foram classificadas como VOC: a alfa, a beta, a gama, a delta e a �micron.
Cada uma delas provocou uma nova onda de casos, hospitaliza��es e mortes em alguns pa�ses ou no mundo inteiro.
A gama, por exemplo, surgiu no Estado do Amazonas e foi co-respons�vel por um dos piores momentos da pandemia registrados at� o momento no Brasil e na Am�rica do Sul (embora n�o tenha sido t�o impactante em outras partes do globo).
A �micron foi a �ltima linhagem do coronav�rus a ser classificada como uma 'variante de preocupa��o'
A �ltima vers�o do v�rus a ser classificada como VOC foi a �micron, em novembro de 2021.
De l� para c�, nenhuma outra linhagem causou uma preocupa��o t�o grande na comunidade cient�fica.
Mas isso n�o quer dizer que a �micron tenha permanecido intocada nesses �ltimos tempos.
"Quase todas as variantes que circulam desde o final de 2021 s�o descendentes da linhagem B.1.1.529, a �micron ancestral", explica o virologista Anderson Brito, pesquisador do Instituto Todos Pela Sa�de.
"No Brasil, tivemos surtos causados pela �micron BA.1 no in�cio de 2022. Em maio do ano passado, vimos uma nova subida das infec��es causada por BA.2, BA.4 e BA.5", exemplifica.
"Em outubro, passamos por surtos da BQ.1, que descende da BA.5. E agora enfrentamos a XBB, uma variante derivada da BA.2", completa.
Essa sopa de letras e n�meros refor�a um aspecto importante: o estudo e a vigil�ncia das muta��es que aparecem no coronav�rus � essencial para detectar linhagens perigosas antes que elas se espalhem demais.
"Investimentos em pessoal, treinamento, equipamentos e principalmente na coordena��o das a��es s�o essenciais para que o Brasil seja capaz de realizar uma vigil�ncia gen�mica ampla, representativa e em tempo oportuno, n�o s� das variantes do coronav�rus, como tamb�m de v�rios pat�genos, como os v�rus de dengue, zika e outros que geram grandes impactos � sa�de p�blica, mas s�o negligenciados", diz Brito.
Mas ser� que existe o risco de novas VOCs aparecerem daqui em diante?
"Quanto mais o v�rus infecta seus hospedeiros, mais chances ele tem de adquirir novas muta��es vantajosas para a dissemina��o dele", responde o virologista.
"Em popula��es com imunidade, seja por vacinas ou infec��es pr�vias, o coronav�rus tem enfrentado barreiras para se disseminar. Com isso, devido ao seu poder de adapta��o via muta��es, ele s� tem conseguido se manter em circula��o sob a forma de variantes com maior transmissibilidade e/ou maior capacidade de evadir parte de nossas defesas imune", continua.
E a melhor ferramenta para evitar um cen�rio pessimista, em que novas VOCs provocam ondas de casos e mortes por covid, est�, mais uma vez, na vacina��o.
"As vacinas representam uma vit�ria contra o coronav�rus, e dificilmente viveremos cen�rios tristes como o de abril e maio de 2021, quando a variante gama ceifou milhares de vidas todos os dias no Brasil", conclui o pesquisador.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cql78kyj3k3o
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