Grupos virtuais masculinos s�o tema de epis�dio que abre segunda temporada do podcast Brasil Partido
Essas mudan�as foram bem vistas por boa parte da sociedade. Mas, para um grupo de homens, as transforma��es os prejudicaram e geraram distor��es.
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Esse � o tema do epis�dio que abre a segunda temporada de Brasil Partido, um podcast da BBC News Brasil, que ser� veiculado nesta sexta-feira (12/05) no site da BBC e em plataformas de �udio como Spotify, Apple Podcasts e Deezer.
Apresentado pelo rep�rter Jo�o Fellet, o podcast tratou, na primeira temporada, de conflitos que o Brasil viveu no ano eleitoral. Agora, na segunda, ser�o abordadas disputas que v�m surgindo ou ganhando f�lego ap�s a troca no governo.
Os epis�dios ser�o lan�ados sempre �s sextas.
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A p�lula vermelha de Matrix

Em grupos da machosfera, s�o comuns as cr�ticas a leis criadas para coibir a viol�ncia de g�nero
Getty ImagesHomens recorreram a uma met�fora do filme Matrix (1999) para batizar uma das principais correntes da machosfera: a "red pill" (p�lula vermelha, em ingl�s).
O personagem principal de Matrix � o hacker Neo, que � convidado a entrar num movimento. O l�der do movimento oferece a Neo duas p�lulas, uma azul e uma vermelha. Ele diz que, se Neo tomasse a azul, continuaria a viver na ilus�o. Mas, se escolhesse a vermelha, o hacker teria acesso � verdade.
Neo engole a p�lula vermelha e descobre que a humanidade foi escravizada por m�quinas, e que as pessoas est�o todas presas num programa de computador que simula a realidade.
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A ideia por tr�s da "red pill" da machosfera � que, tomando essa p�lula — o que os homens fariam simbolicamente ao frequentar esses f�runs e absorver seus ensinamentos —, eles conseguiriam sair do mundo das ilus�es e veriam a realidade como ela �. Uma realidade que, segundo eles, � hostil aos homens.

Alegoria da p�lula vermelha do filme Matrix foi apropriada por movimentos de direita
Getty ImagesPara T�o, codinome virtual de um homem carioca que frequenta grupos da machosfera h� v�rios anos e pediu para n�o ser identificado, a "red pill" n�o � um movimento, mas sim um espa�o em que homens trocam experi�ncias e orienta��es sobre relacionamentos.
"N�s passamos para o outro, para o incauto, para aquele que n�o tem experi�ncia, como � que essa situa��o se desenvolve e qual a consequ�ncia que essa situa��o em que aquele indiv�duo vai se envolver, o quanto ele pode estar se colocando em perigo. Ent�o se trata de autopreserva��o", ele diz em entrevista ao podcast Brasil Partido.
T�o diz ter se casado duas vezes, mas que nenhum matrim�nio durou mais do que seis meses. "Infelizmente, as pessoas com quem eu me casei n�o eram as pessoas com quem eu namorei."
Ele diz que as experi�ncias negativas o fizeram mergulhar numa outra filosofia que conheceu nos grupos virtuais masculinos: o MGTOW (sigla para a express�o em ingl�s "Men Going their Own Way", ou homens seguindo seu pr�prio caminho).
H� v�rias converg�ncias entre o MGTOW e a "red pill". Mas, enquanto nos f�runs da "red pill" alguns homens s� est�o interessados em trocar dicas sobre muscula��o ou sobre como seduzir mulheres, T�o diz que o principal foco do MGTOW � adequar o homem ao mundo que se transforma.

Surgimento da 'red pill' � associado � 'alt-right', a direita alternativa que ganhou os holofotes ap�s a vit�ria de Donald Trump nos EUA
Getty ImagesTanto o MGTOW quanto a "red pill" s�o associados � alt-right — a direita alternativa que esteve nos holofotes depois da vit�ria de Donald Trump na elei��o presidencial dos Estados Unidos, em 2016. Mas os grupos se expandiram e hoje est�o presentes em v�rios pa�ses, inclusive no Brasil.
O Southern Poverty Law Center — uma organiza��o americana que � refer�ncia no monitoramento de movimentos extremistas — define o MGTOW e a "red pill" como grupos de supremacia masculina que querem subjugar as mulheres.
O MGTOW � descrito ainda como um grupo de homens separatistas que decidiram se isolar completamente da influ�ncia das mulheres. Mas T�o contesta essa defini��o. "Essa hist�ria de que o MGTOW, ele marginaliza a mulher... N�o, n�o, n�o � bem assim."
"Ele n�o aceita se condicionar a determinadas, entre aspas, valida��es que a mulher quer. Ele n�o se submete ao shaming", diz.
Shaming � o ato de criticar algu�m em p�blico, principalmente na internet. T�o diz que evitar se expor � uma das principais diretrizes do MGTOW.
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De certa forma, essa posi��o � uma resposta a movimentos feministas como o MeToo — que estimulam mulheres a usar a internet para denunciar viol�ncias que elas sofreram e a expor seus abusadores.
O feminismo, ali�s, � alvo de v�rias cr�ticas de T�o. Ele diz que, apesar do discurso das feministas em prol da igualdade entre homens e mulheres, o movimento n�o quer abrir m�o do que ele chama de "benesses".
"Tudo que o feminismo, a mulher moderna e modernete t�xica n�o quer � perder as benesses: o homem que paga, o homem que � cavalheiro, o homem que � protetor, aquela coisa toda. O homem agora n�o quer mais saber de mais nada disso."
Mercado virtual
Mas ficou para tr�s o tempo em que a machosfera era formada apenas por grupos e f�runs virtuais. Hoje esse universo virou tamb�m uma fonte de dinheiro para quem oferece cursos sobre como seduzir mulheres ou sobre como os homens devem se portar no mundo.
"A testosterona, sem controle, ela � selvagem. Homem que � homem, saud�vel, ele � perigoso. Porque masculinidade, por ess�ncia, tem que ser perigosa", diz um coach de masculinidade popular nas redes sociais.
S�o comuns nesse universo discursos com um suposto vi�s biol�gico e que valorizam caracter�sticas masculinas associadas a um passado remoto, quando os homens ca�avam, guerreavam e protegiam a prole.
"O masculino foi feito para liderar. Ou voc� � l�der, ou voc� � liderado. Ou voc� � dominante, ou voc� � submisso", diz outro influencer.

Logo do podcast Brasil Partido
BBCPara Bruna Camilo, ativista feminista e doutora em Ci�ncias Sociais pela PUC (Pontif�cia Universidade Cat�lica) de Minas Gerais, o mercado da machosfera promove uma "monetiza��o da misoginia".
Bruna pesquisa g�nero, extrema direita e masculinismo — que � a ideologia que defende os direitos dos homens.
Ela diz que, ao contr�rio do que prega essa ideologia, o feminismo n�o quer que os homens sigam pagando as contas. "O feminismo � um movimento que busca a igualdade entre todas as pessoas e fazer com que todos n�s consigamos ter igualdade salarial, igualdade de acesso � pol�tica, igualdade de poder andar na rua e n�o ter medo de ser violentada", ela diz.
Em mar�o, Bruna defendeu uma tese de doutorado sobre o masculinismo. Para fazer a pesquisa, ela se infiltrou em grupos virtuais desses movimentos.
Bruna conta que eram comuns nesses grupos queixas sobre leis voltadas � prote��o das mulheres — como a opini�o de que essas leis prejudicam os homens e s� levam em conta a palavra das v�timas.

Em grupos masculinistas, s�o frequentes as queixas sobre pap�is que homens s�o cobrados a desempenhar na sociedade
Getty ImagesEla afirma, no entanto, que as cr�ticas n�o s�o respaldadas pela realidade — e que muitas mulheres se valem dessas leis para se proteger. "Infelizmente, mulheres t�m morrido muito pelas m�os de seus ditos companheiros", afirma.
Mas Bruna concorda com um tipo de queixa que alguns homens compartilham nesses espa�os: a de que, na nossa sociedade, os homens s�o cobrados a serem m�sculos, viris, racionais, provedores, assertivos e bem sucedidos.
Para Bruna, essas cobran�as s�o reais e causam um grande dano aos homens — mas ela diz que os masculinistas erram o alvo ao atribuir essas cobran�as ao feminismo.
"Isso � o machismo, � a misoginia, � o patriarcado", diz. "Enquanto feminista, eu te digo que o feminismo luta inclusive para a gente desconstruir essa masculinidade hegem�nica."
"Ent�o, eu acho leg�tima a cr�tica a esses padr�es, os homens s�o v�timas. S� que, ao inv�s dessa cr�tica se tornar algum debate saud�vel, para os masculinistas, se tornam viol�ncia. Eles se veem no direito de serem agentes da viol�ncia para conseguir quebrar essa l�gica."
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