Maioria dos Estados do sul dos EUA imp�s no �ltimo ano restri��es totais ou severas � interrup��o da gravidez, depois que a Suprema Corte americana derrubou prote��o constitucional do direito ao aborto
O mapa de acesso ao aborto nos Estados Unidos mudou drasticamente no �ltimo ano.
Dos 50 estados que comp�em o pa�s, 14 pro�bem completamente o aborto, segundo o Abortion Finder, um diret�rio de servi�os de sa�de sexual e reprodutiva nos Estados Unidos.
Em oito deles, a proibi��o absoluta ou severa permanece bloqueada por decis�es de ju�zes federais.
Cinco estados aplicam restri��es leves, enquanto em 20 estados, al�m de Porto Rico e Washington DC — respectivamente, um territ�rio americano e a capital federal dos EUA —, o aborto � legal mesmo em est�gios avan�ados de gravidez ou sem limites de semanas de gesta��o.
Um direito de meio s�culo
Em 24 de junho de 2022, a Suprema Corte dos EUA derrubou a prote��o constitucional do direito ao aborto, apoiada por uma decis�o hist�rica de 1973 conhecida como Roe contra Wade.
Depois de proteger esse direito por quase 50 anos, o tribunal superior emitiu sua decis�o no caso Dobbs contra a organiza��o de sa�de da mulher Jackson, delegando a tribunais e autoridades estaduais o poder de restringir ou proteger o acesso � interrup��o da gravidez, numa decis�o que afeta aproximadamente 36 milh�es de mulheres em idade reprodutiva nos EUA.
A medida trouxe tr�s mudan�as fundamentais: primeiro, o sul do pa�s tornou-se um vasto campo de restri��es ao aborto, o que impede que as mulheres residentes nesses Estados se submetam legalmente ao procedimento.
Em segundo lugar, gerou disputas legais entre governadores que aprovaram leis restritivas e ju�zes que bloquearam essas decis�es nas cortes supremas estaduais e suspenderam as novas proibi��es, em alguns casos temporariamente e em outros indefinidamente.
Por fim, motivou Estados que preservam o direito ao aborto a promover cl�usulas de prote��o mais amplas, como forma de contrariar a tend�ncia restritiva em outras localidades.

Ativistas a favor e contra o aborto se manifestam em frente � Suprema Corte em Washington D.C.
EPASemanas de gravidez e exce��es
Do ponto de vista legal, as restri��es ao aborto s�o aplicadas de acordo com dois par�metros: a semana limite da gravidez em que pode ser realizado e as exce��es, que autorizam o procedimento em casos de estupro, incesto, risco de vida para a m�e e sua sa�de, ou se a sobreviv�ncia do feto for invi�vel.
"Nenhuma restri��o baseada no n�mero de semanas responde a crit�rios m�dicos", diz a epidemiologista Liza Fuentes, diretora de pesquisa para equidade no acesso � sa�de do Centro M�dico de Boston.
Dependendo do Estado, as restri��es atuais ocorrem a partir das semanas 6, 12, 15, 18, 20, 22, 24, 26, 27 e 28 de gesta��o.
O aborto se tornou um dos debates mais polarizados entre democratas e republicanos, com vis�es opostas sobre princ�pios como o direito � vida e os direitos reprodutivos das mulheres.
Por conta disso, espera-se uma discuss�o acalorada na corrida eleitoral � presid�ncia dos Estados Unidos em 2024.
A seguir, analisamos as mudan�as mais importantes que ocorreram no acesso ao aborto nos EUA.
Voc� pode clicar nos mapas para exibir as informa��es de cada Estado.
O deserto vermelho
Entre os Estados que mais imp�em restri��es ao aborto, 14 pro�bem o procedimento em todos os casos ou com poucas exce��es. S�o estes: Alabama, Arkansas, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Idaho, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Missouri, Oklahoma, Tennessee, Texas, West Virginia e Wisconsin.
A maioria deles est� no sul dos Estados Unidos.
Wisconsin � o caso mais extremo. Naquele Estado, todos os servi�os de aborto foram suspensos devido a uma antiga lei que pro�be de maneira absoluta a interrup��o da gravidez.
A Dakota do Norte, por exemplo, permite exce��es para estupro e incesto, mas apenas at� a sexta semana de gravidez.
Em Idaho, um juiz federal bloqueou parte da lei que pro�be o aborto, autorizando m�dicos a realizar o procedimento em emerg�ncias para proteger a vida da paciente.
Al�m disso, profissionais de sa�de processaram o procurador-geral do Estado em abril, depois que ele escreveu uma opini�o legal pedindo que m�dicos de Idaho sejam proibidos de encaminhar pacientes para outros Estados que oferecem servi�os de aborto.
No caso do Texas, n�o apenas a equipe m�dica que realiza abortos pode ser processada, mas tamb�m familiares, amigos ou qualquer pessoa que ajude a paciente a realizar o procedimento.
Um juiz federal do Texas deu um passo adiante na estrat�gia de eliminar o acesso ao aborto, suspendendo a aprova��o da Food and Drug Administration (FDA, ag�ncia federal de sa�de dos EUA) da mifepristona, uma das p�lulas abortivas mais usadas nos Estados Unidos junto ao misoprostol.
No entanto, a Suprema Corte decidiu a favor do uso da p�lula e suspendeu a restri��o, pelo menos temporariamente, depois que o governo Joe Biden entrou com uma peti��o de emerg�ncia no mais alto tribunal para impedir a proibi��o.
A iniciativa do Texas foi um ensaio que se aproxima de um dos objetivos dos grupos antiaborto nos EUA: conseguir a aprova��o de uma lei federal que pro�ba a interrup��o de gravidez em todo o pa�s.
Marjorie Dannenfelser, presidente da maior organiza��o antiaborto dos EUA, a Susan B. Anthony Pro-Life America, disse que seu grupo espera obter o compromisso dos candidatos presidenciais republicanos a uma legisla��o federal que pro�ba o aborto, pelo menos a partir da 15ª semana de gesta��o.

Protestos contra a revoga��o de Roe contra Wade se espalharam por todo o pa�s
Getty ImagesO Estado da Ge�rgia, tamb�m no sul do pa�s, pro�be o aborto ap�s a sexta semana, enquanto o Nebraska o condena ap�s a 12ª semana e a Fl�rida, ap�s a 15ª.
O governador da Fl�rida, Ron DeSantis, assinou uma nova lei em abril proibindo o aborto ap�s a sexta semana, uma medida que especialistas veem como uma restri��o quase absoluta, j� que muitas mulheres ainda n�o sabem que est�o gr�vidas at� esta data.
A medida ainda n�o entrou em vigor e est� sendo avaliada pela Suprema Corte da Fl�rida.
Al�m disso, DeSantis assinou o controverso Heartbeat Protection Act (Lei de Prote��o do Batimento Card�aco, em tradu��o livre), que pro�be abortos se um batimento card�aco puder ser detectado no feto.
"O mapa que vemos atualmente nos Estados Unidos significa que muitas pessoas n�o t�m poder para decidir sobre a gravidez. H� pessoas obrigadas a continuar mesmo que n�o queiram ou n�o possam enfrentar", diz a epidemiologista Liza Fuentes.
Ela adverte que as estat�sticas indicam que um ter�o das mulheres nos Estados Unidos far� um aborto antes dos 45 anos. Portanto, na sua opini�o, o acesso � interrup��o da gravidez constitui um servi�o b�sico de sa�de.

Liza Fuentes pesquisa desigualdades no acesso � sa�de nos EUA no Centro M�dico de Boston
Arquivo pessoalCom base em sua pesquisa, Fuentes afirma que a falta de acesso a m�dicos e cl�nicas que oferecem aborto no sul dos Estados Unidos aprofunda a desigualdade e penaliza principalmente mulheres negras, latinas e indocumentadas (imigrantes sem os devidos documentos para viver no pa�s), por serem mais vulner�veis e terem menos recursos econ�micos e apoio social para enfrentar a busca por um procedimento em outro Estado.
"O custo do aborto � uma das maiores barreiras de acesso. Essa situa��o obriga a pessoa a pedir licen�a para se ausentar do trabalho e viajar para outros Estados, pagar hot�is e bab�s que ficam com os filhos mais velhos", explica. "� uma log�stica que muitas n�o podem assumir."
O Instituto Guttmacher, que pesquisa pol�ticas de sa�de e direitos sexuais e reprodutivos em todo o mundo, aponta que um aborto no primeiro trimestre da gravidez custa em m�dia US$ 550 nos EUA (pouco mais de R$ 2,6 mil), cerca de metade da renda mensal de uma pessoa que vive abaixo da linha de pobreza federal do pa�s.
Batalhas legais
Decis�es judiciais bloqueiam a proibi��o do aborto em oito estados: Arizona, Carolina do Sul, Indiana, Iowa, Montana, Ohio, Utah e Wyoming, segundo monitoramento do jornal norte-americano The New York Times.
No Arizona, por exemplo, a lei estadual permite o procedimento at� a 15ª semana de gesta��o.
No entanto, um tribunal de apela��es bloqueou uma tentativa de aplicar uma lei escrita em 1864, que pro�be o aborto em todos os casos e estabelece penas de dois a cinco anos de pris�o para o m�dico que realizar o procedimento sem a vida da mulher estar em risco.
No caso da Carolina do Sul, os legisladores estaduais aprovaram a proibi��o a partir da sexta semana de gravidez, que foi temporariamente bloqueada por um juiz. Atualmente, o aborto � permitido no estado at� a 22ª semana de gesta��o.
Uma das restri��es que se aplicam na Carolina do Sul � que p�lulas abortivas n�o podem ser entregues pelo correio ou prescritas por telemedicina, como � o caso dos estados que protegem o direito ao aborto. A �nica possibilidade � administrar a medica��o pessoalmente.

O acesso a p�lulas abortivas tamb�m foi restrito em alguns Estados
Reuters"Quando o m�dico n�o tem certeza se o procedimento � legal ou n�o, ele prefere n�o fazer porque ningu�m quer perder a licen�a m�dica", alerta Fuentes.
Nesses contextos, "os m�dicos temem que emerg�ncias durante a gravidez n�o sejam suficientes para justificar um aborto previsto em lei. � mais dif�cil definir quando a vida da paciente est� em risco e quando n�o est�."
Segundo Fuentes, a ambiguidade ou confus�o jur�dica tamb�m pode levar promotores estaduais a abrirem investiga��es contra os m�dicos.
Prote��es do direito ao aborto
Dos 25 Estados onde o aborto � legal ap�s a 22ª semana ou sem limites dependendo do est�gio da gravidez, Oregon, no noroeste do pa�s, � a localidade com maior prote��o ao direito ao aborto.
No Oregon, o procedimento pode ser realizado independentemente da semana de gravidez, os fundos estaduais do Medicaid (programa de sa�de social dos EUA para fam�lias e indiv�duos de baixa renda) cobrem a cirurgia, profissionais de sa�de qualificados, e n�o apenas m�dicos, t�m permiss�o para realizar abortos e qualquer pessoa est� protegida contra ass�dio para entrar em uma cl�nica de aborto, indica monitoramento pelo Instituto Guttmacher.
Em outros Estados, o aborto � autorizado at� que o feto esteja vi�vel, geralmente entre 24 e 26 semanas de gesta��o.
Em Nova York, o aborto foi legalizado em 1970, tr�s anos antes de Roe contra Wade. Ap�s a revoga��o da senten�a no ano passado, a interrup��o da gravidez no Estado continua sendo considerada um direito b�sico � sa�de e s�o oferecidas garantias para evitar a discrimina��o de pacientes que necessitam de atendimento m�dico.
Em resposta � decis�o de Dobbs, no final do ano passado, a Suprema Corte da Calif�rnia acrescentou novas prote��es � liberdade reprodutiva, incluindo o aborto, � Constitui��o do Estado.
No territ�rio de Porto Rico, o direito de acesso ao aborto � garantido durante o primeiro e segundo trimestres de gravidez.
Liza Fuentes explica que um efeito positivo das restri��es � que elas levaram a melhorias nos Estados comprometidos com o direito ao aborto, ao aprovar novas garantias que incluem a prote��o legal dos m�dicos.
Um caso emblem�tico � o de Minnesota, na fronteira com o Canad�, onde todas as restri��es foram revogadas por serem consideradas inconstitucionais.
Por sua vez, o governo Biden promoveu medidas para eliminar a Emenda Hyde, um regulamento federal que pro�be o uso de dinheiro p�blico para financiar abortos, exceto no caso de incesto ou estupro.
* Com a colabora��o de Camilla Costa e da equipe de Jornalismo Visual da BBC.
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