Isabel de Souza, mãe de Kala, de 3 anos

Isabel de Souza, m�e de Kala, de 3 anos, foi diagnosticada com depress�o p�s-parto em mar�o de 2020, exatamente quando foi decretado o isolamento social

Arquivo pessoal


A espera de um filho costuma ser um dos momentos de maior alegria e empolga��o na vida de uma mulher. O sonho da maternidade perfeita come�a ainda na gesta��o, com a idealiza��o de sonhos e expectativas que vir�o com o nascimento do beb�. No entanto, a vida real pode se mostrar um pouco diferente do que foi planejado: as obriga��es e as responsabilidades sobre a m�e redobram, sem contar na gangorra de transforma��es hormonais que o processo demanda. E essas mudan�as repentinas podem trazer consequ�ncias emocionais – estima-se que entre 20% a 25% das mulheres ter�o depress�o p�s-parto e cerca de 80% experimentar�o os sintomas do chamado baby blues. Mas, afinal, qual a diferen�a entre eles?

O baby blues � um conjunto de sentimentos que praticamente toda mulher que tem um filho vai conhecer. Ele � multifatorial e causa sintomas que num primeiro momento podem ser confundidos com a depress�o – como choro constante, tristeza, excesso de sensibilidade, irritabilidade e ansiedade. Mas s�o sentimentos transit�rios e insuficientes para causar preju�zo � mulher, j� que costumam se manifestar logo em seguida do parto e tendem a desaparecer espontaneamente em at� 21 dias.
 
 
“A gente diz que o baby blues ï¿½ um momento de adapta��o da mulher � nova realidade. Nessa perspectiva temos que considerar as mudan�as hormonais bruscas que ocorrem com o fim da gesta��o e podem gerar algum conflito afetivo-emocional. O baby blues se manifesta de v�rias maneiras e geralmente vem com a priva��o de sono, com o desgaste f�sico, com a dificuldade de amamenta��o, com o medo, a culpa, a inseguran�a e a falta de controle. Mas � um fen�meno totalmente passageiro e a recupera��o, na maioria das vezes, � completa e sem a necessidade de tratamento farmacol�gico”, explicou a psic�loga Damiana Angrimani, especialista em psicologia perinatal e parental.

Segundo a psic�loga, o baby blues faz a mulher ter picos emocionais que intercalam entre o desespero (como pensar que � incapaz de cuidar de uma crian�a, por exemplo) e o encantamento com o beb�.  Al�m disso, explica, ainda pode ter o impacto da press�o materna social, em que muitas mulheres vivem o tabu da maternidade perfeita. 

“A sociedade imp�e que a m�e de um beb� n�o pode se sentir triste, n�o pode chorar, n�o pode ficar chateada, afinal, ela agora � m�e de uma crian�a. Tudo isso fica muito confuso porque a rotina nova � muito catastr�fica. E ter que viver a maternidade de acordo com os julgamentos e cobran�as da sociedade acaba sendo um dos disparadores do baby blues”, avalia Angrimani.
 
Tratamento
 
A depress�o p�s-parto, ao contr�rio, � um pouco mais complexa porque requer cuidados especiais. A doen�a causa preju�zos � sa�de da mulher, que precisar� de um acompanhamento m�dico especializado, prolongado e, muito provavelmente, associar a psicoterapia com o uso de medica��es.

Os casos de depress�o p�s-parto s�o mais comuns em mulheres que na sua pr�pria hist�ria pessoal j� tiveram algum transtorno psiqui�trico, como quadros de ansiedade, de transtorno do p�nico, de depress�o ou de ansiedade, por exemplo. Fatores de risco psicossociais tamb�m podem interferir, como n�o ter planejado a gravidez; ficar gr�vida na adolesc�ncia; ter um relacionamento inst�vel com o pai do beb�; ter problemas no emprego (ou estar desempregada); ter problemas nas rela��es familiares, entre outros.
Fernanda Bassette/Ag�ncia Einstein)
 
A maioria dos casos de depress�o p�s-parto se intensifica ap�s a sexta semana do nascimento, embora os sintomas possam aparecer logo nos primeiros dias depois do parto e durar meses. Os sintomas incluem tristeza profunda, falta de interesse por atividades di�rias, ins�nia, cansa�o extremo, ansiedade, perda de interesse sexual, perda ou ganho excessivo de peso, sentimento de incompet�ncia, baixa autoestima, isolamento social e, em casos mais graves, at� idea��o suicida.

Al�m de permanecer por um tempo prolongado (a depress�o p�s-parto n�o desaparece sozinha como o baby blues), ela ainda tem um outro fator complicador que � a falta de conex�o da m�e com o beb�. “Muitas mulheres na depress�o p�s-parto podem estar completamente operacionais em rela��o aos cuidados com o beb�, mas sem conex�o emocional e afetiva. � como se ela agisse de forma mais mec�nica com as obriga��es com o beb�, mas com muito menos v�nculo”, explicou a psic�loga.



M�e de primeira viagem na pandemia


A redatora e escritora Isabel Machado Branco de Souza, de 31 anos, m�e de Kala, de 3, foi diagnosticada com depress�o p�s-parto em 2020 e faz tratamento m�dico e psicol�gico at� hoje. Ela conta que desde a inf�ncia queria ser m�e – o desejo de maternar era t�o intenso que ela ainda guarda a boneca que brincava quando crian�a. Quando engravidou, fez um pr�-natal cuidadoso e se preparou para o parto normal e humanizado. “Quando Kala nasceu, veio direto para o meu colo. Tive o parto que idealizei e os primeiros dias foram maravilhosos”, lembra.

Mas a adapta��o � nova rotina da maternidade na vida dela teve um por�m: Kala nasceu no dia 18 de mar�o de 2020 – exatamente na semana em que o governo do Estado (assim como o resto do pa�s) decretava quarentena e isolamento social completo em decorr�ncia da pandemia de COVID-19. At� ent�o, a ci�ncia desconhecia os perigos do coronav�rus, os servi�os n�o essenciais seriam fechados e n�o havia mais possibilidade de receber visitas na maternidade.

“Kala nasceu na madrugada do dia 18 e logo pela manh� uma enfermeira entrou no quarto avisando que as visitas estavam suspensas e que tudo estava fechado. Imagine o que foi viver o puerp�rio sendo m�e de primeira viagem e ficar trancada dentro de casa com medo de uma doen�a que ningu�m conhecia e estava matando um monte de gente. Nos primeiros 30 dias eu chorei todos os dias”, lembra a m�e.

Choro


Os sintomas da depress�o foram surgindo, mas a redatora n�o se dava conta do problema. Por ser m�e de primeira viagem e por estar no meio da pandemia, achava que faziam parte do momento. Al�m do choro di�rio e constante, ela sofria com priva��o de sono, cansa�o extremo, irritabilidade, ang�stia, medo e tristeza. Ainda assim, n�o procurou ajuda de imediato porque relutava em aceitar que poderia estar deprimida, afinal, ela sempre quis ser m�e e tinha um beb� saud�vel nos bra�os.

Com o passar do tempo, os sintomas pioraram. Vieram as crises de choro mais intensas, a vontade de morrer e a sensa��o de desconex�o com a filha, como se fosse uma rejei��o, uma sensa��o de incapacidade de cuidar. “Come�ou a ficar punk. Eu dizia para o meu marido que eu n�o conseguia mais cuidar da nossa filha, que era para ele fazer isso. Ele ficou desesperado, disse que eu precisava procurar ajuda”, lembra.

A redatora foi ao psiquiatra e recebeu o diagn�stico de depress�o p�s-parto e a prescri��o de uma medica��o. Tamb�m procurou ajuda em um grupo de mulheres que estavam no puerp�rio e iniciou a psicoterapia. Os dois processos, conta, foram essenciais para a sua recupera��o. “Em oito meses de tratamento eu acho que alcancei uma melhora significativa. E passei a entender que cada mulher tem o seu tempo, o seu corpo, a sua hist�ria. Algumas se recuperam mais r�pido, outras n�o. Minha filha est� com tr�s anos e s� agora me sinto mulher e esposa novamente”, diz.

Psicol�gico


� importante destacar que a depress�o p�s-parto � uma doen�a que pode ser prevenida e tratada, desde que haja o acompanhamento adequado. A abordagem das gestantes no pr�-natal deve incluir uma boa entrevista sobre a hist�ria cl�nica pessoal com transtornos mentais e dos familiares para que as poss�veis interven��es possam ser feitas precocemente.

 

“Muitas mulheres sentem esse descompasso porque a maternidade � uma mudan�a gigante na vida. � um grande marco de mudan�a na vida da mulher – f�sica, ps�quica, emocional. A vida de antes, n�o existe mais. No momento que o beb� sai da barriga muda tudo. Mas � poss�vel prevenir e tratar”, completou a psic�loga. (Fernanda Bassette/Ag�ncia Einstein)