Em experimento sueco, idoso com demência aprende a mexer em um tablet: curiosidade despertada resultou em novo hobby

Em experimento sueco, idoso com dem�ncia aprende a mexer em um tablet: curiosidade despertada resultou em novo hobby

(Imagem cedida)

Ter uma pol�tica ou um plano nacional para apoiar pacientes com dem�ncia e seus familiares � realidade em 25% dos pa�ses. A taxa, considerada baixa pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), n�o condiz com a quantidade de pacientes: cerca de 55 milh�es, estima a ag�ncia das Na��es Unidas. Na tentativa de melhorar esse cen�rio e pressionados por proje��es que indicam aumentos significativos dos casos de Alzheimer e de outras doen�as do tipo, cientistas procuram identificar fatores de risco, maneiras de diminuir a incid�ncia e tamb�m de desmistificar pensamentos sobre a condi��o.

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Apesar de a dem�ncia afetar a mem�ria e uma s�rie de outras fun��es cognitivas, como a habilidade de realizar tarefas comuns, o diagn�stico n�o significa o fim da capacidade de aprender coisas novas. � o que mostra um estudo da Universidade de Link�ping, na Su�cia, divulgado neste m�s. O trabalho, produzido por Elias Ingebrand, doutor pela institui��o, permitiu que 10 pacientes, incluindo oito que viviam em casas de cuidados, experimentassem, pela primeira vez, um tablet.

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A �nica instru��o fornecida aos participantes foi que usassem o dispositivo como quisessem. Segundo os pesquisadores, em pouco tempo, o aparelho despertou a curiosidade dos idosos.O estudo durou entre quatro e seis semanas. Apesar de os participantes serem acometidos por um grave decl�nio de mem�ria, eles conseguiram aprender a usar o aparelho de forma mais independente.

Segundo Ingebrand, isso acontece porque o corpo se lembra dos movimentos necess�rios para manusear um objeto, embora a capacidade de falar sobre tenha sido comprometida pela doen�a. O cientista enfatiza que, geralmente, a dem�ncia � associada a perdas cognitiva e social, recebendo descri��es estereotipadas, como "um retorno � inf�ncia". "Como tanto a mem�ria quanto a aprendizagem s�o dom�nios cognitivos comumente afetados por v�rios subtipos de dem�ncia, h� uma forte cren�a, entre o p�blico em geral, de que aprender algo novo � imposs�vel."

N�o foi, por�m, o que os cientistas suecos observaram. O artigo descreve que uma mulher que costumava praticar orienta��o — esporte em que o atleta deve percorrer uma determinada dist�ncia em terreno desconhecido — come�ou a usar o tablet de forma espont�nea para verificar os resultados das competi��es. Um homem que apresentava comportamento inquieto e agressivo aprendeu a navegar pelo arquivo aberto da emissora p�blica de televis�o da Su�cia. Depois de um tempo, se sentava e assistia,de maneira calma e concentrada, a programa��o por longos per�odos.

Denise Fran�a, neurologista e membro da Academia Brasileira de Neurologia, explica que o aprendizado para pessoas com dem�ncia n�o acontece da mesma forma que para outros indiv�duos. "Pela menor reserva de neur�nios, h� maior dificuldade em aprender. Entretanto, � importante ressaltar que cada pessoa pode responder de maneira diferente. Algumas estrat�gias de aprendizado adaptadas e suporte adequado podem ajudar a pessoa com dem�ncia a adquirir novos conhecimentos e manter qualidade de vida", detalha.

Ingebrand refor�a que as experi�ncias de aprendizagem promovem a inclus�o social e est�o relacionadas a um aumento do bem-estar. "Olhar para al�m das perdas associadas � dem�ncia e destacar como esses pacientes utilizam suas habilidades remanescentes para lidar com os desafios cotidianos � importante porque reconhece a capacidade e a identidade da pessoa. Ou seja, a dem�ncia � apresentada como algo mais do que apenas uma perda irrevers�vel."

Conv�vio social

Outras atividades podem colaborar com o progn�stico e at� mesmo na preven��o da dem�ncia. Manter um bom conv�vio social � uma dessas a��es. Segundo uma pesquisa da Universidade de Leipzig e do Instituto Max Planck de Ci�ncias Cognitivas e Neuroci�ncia Humana, ambos na Alemanha, a pr�tica pode ajudar a preservar a fun��o cerebral em idades mais avan�adas.

Os resultados do estudo, publicados em junho, na revista eLife, sugerem que a falta de contato social de qualidade pode desencadear a diminui��o do volume do hipocampo — regi�o do c�rebro respons�vel pela forma��o e pela recupera��o de mem�rias — e piorar o desempenho cognitivo.

Em contrapartida, o artigo tamb�m mostra que o conv�vio frequente com amigos ou membros da fam�lia que fornecem apoio � capaz de ajudar a preservar a estrutura cerebral. Dessa maneira, estrat�gias criadas de forma personalizada para aumentar o contato social de pessoas que vivem, ou correm risco de viver, em um isolamento social podem ajudar a prevenir o surgimento da dem�ncia, avaliam os cientistas.

Segundo Veronica Witte, autora s�nior do estudo, do ponto de vista da sa�de p�blica, os efeitos negativos do isolamento social podem causar um �nus significativo � sociedade, n�o apenas em termos de doen�as cerebrais. "Portanto, medidas que promovam valores como solidariedade e comunidade provavelmente reduzir�o os custos e aumentar�o a qualidade de vida para muitos."

Para entender os efeitos do isolamento social no c�rebro e na cogni��o, o grupo de pesquisadores acompanhou, ao longo de seis anos, 912 indiv�duos cognitivamente saud�veis. O isolamento social foi quantificado a partir de uma s�rie de perguntas relacionadas ao tamanho da rede social dos volunt�rios, � frequ�ncia de conviv�ncia com familiares e amigos e ao suporte percebido nesses relacionamentos.

J� a estrutura cerebral e a capacidade cognitiva foram avaliadas por meio de exames de resson�ncia magn�tica de alta resolu��o. Os estudiosos descobriram que o in�cio do isolamento social, a continuidade e o aumento dessa condi��o estavam significativamente associados � perda de massa cinzenta no hipocampo — que est� envolvida no processamento de informa��es e tomada de decis�es — e a uma redu��o na espessura do c�rtex cerebral — ligado a processos cerebrais superiores, como mem�ria, aprendizado e regula��o emocional.

Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa L�cia, em Bras�lia, enfatiza que a conviv�ncia social � ben�fica mesmo ap�s o diagn�stico da dem�ncia. "Embora a doen�a possa trazer desafios e mudan�as nas habilidades cognitivas e de comunica��o, o contato social continua desempenhando um papel crucial no bem-estar emocional e na qualidade de vida das pessoas afetadas", afirma. Conforme o m�dico, h� nessas experi�ncias estimula��o cognitiva, emocional e mental, al�m de encorajamento de um estilo de vida mais saud�vel.

Cochilos evitam que o c�rebro encolha

Um outro h�bito comum que pode ajudar a preservar a massa do c�rebro � o cochilo. Tirar uma soneca durante o dia pode ter mais benef�cios que apenas o descanso, aponta um artigo da University College London, na Inglaterra, e da Universidade da Rep�blica, no Uruguai. O ensaio, descrito na revista Sleep Health , no m�s passado, sugere que cochilos diurnos ajudam a manter a sa�de cerebral, retardando a taxa de encolhimento do �rg�o com o passar do tempo.

Para o trabalho, a equipe analisou informa��es de pessoas com idade entre 40 e 69 anos e encontrou uma liga��o causal entre cochilos habituais e maior volume total do c�rebro — o que, segundo os pesquisadores, � um indicador de boa sa�de do �rg�o. "Nossas descobertas sugerem que, para algumas pessoas, cochilos curtos durante o dia podem ser uma parte do quebra-cabe�a que pode ajudar a preservar a sa�de do c�rebro � medida que envelhecemos", comenta, em nota, Victoria Garfield, cientista da University College London.

Valentina Paz, principal autora e cientista da universidade uruguaia, afirma que esse � o primeiro estudo a tentar desvendar a rela��o causal entre cochilo diurno habitual e cogni��o. Para chegar � conclus�o, a equipe analisou 97 trechos de DNA que se acredita determinar a probabilidade de um indiv�duo ter o h�bito de cochilar durante o dia. Ent�o, comparou a sa�de cerebral e a cogni��o daqueles que s�o geneticamente dispostos para uma soneca com aqueles que n�o s�o.

Toda essa avalia��o foi feita utilizando dados de 378.932 pessoas do UK Biobank — um projeto de pesquisa de grande escala no Reino Unido que busca melhorar a preven��o, o diagn�stico e o tratamento de uma ampla variedade de doen�as. A equipe descobriu que, em geral, as pessoas geneticamente predispostas a cochilar apresentam um volume total do c�rebro maior. O grupo estimou que a diferen�a m�dia nas dimens�es dos �rg�os representaria o equivalente a um envelhecimento de 2,6 anos a 6,5 anos.

Nat�lia Nasser, m�dica especialista em neurologia pela Universidade de S�o Paulo (USP), refor�a que o sono � um componente fundamental na preven��o da doen�a de Alzheimer, e que a apneia � uma condi��o considerada fator de risco para a doen�a. "Um sono de qualidade � importante para prevenir essa condi��o. Outras pr�ticas que podem reduzir o risco futuro s�o uma alimenta��o saud�vel e a atividade f�sica", indica.

Palavra de especialista

"A depress�o e o isolamento social impactam na sa�de mental e constituem fatores de risco para o desenvolvimento de dem�ncias. O n�o engajamento de portadores de dem�ncia nas atividades sociais tem como consequ�ncia imediata o afastamento, que pode resultar at� mesmo em depend�ncia. Dessa forma, o isolamento social apresenta efeitos psicol�gicos negativos, como humor diminu�do, irritabilidade, medo, ins�nia, principalmente naqueles mais vulner�veis. Recomenda-se ainda a pr�tica de exerc�cios f�sicos de qualquer modalidade, pois ela favorece o aprendizado, a mem�ria, a circula��o cerebral e tem efeito protetor contra outros problemas, como obesidade, depress�o e doen�a cerebrovascular. Aprender coisas novas e fazer coisas que estejam fora da zona de conforto, como dan�ar, estudar outro idioma, aprender a tocar um instrumento, trabalhar com habilidades manuais — pintura, cer�mica, entre outros — tamb�m ajuda. Outra conselho � ler com regularidade e escolher temas prazerosos, pois a motiva��o � o que provoca a mudan�a."

Denise Fran�a, neurologista do S�rio-Liban�s em Bras�lia e membro da Academia Brasileira de Neurologia