Sala de cirurgia e médicos em procedimento de transplante

Entre janeiro e julho de 2023, 480 pacientes de Minas receberam uma nova c�rnea, 40 escleras, 169 medula �ssea, 330 receberam rins de doadores falecidos, 77 receberam rins de doadores vivos, 43 cora��o, 4 de f�gado/rim (como se chama a doa��o conjunta, no caso do paciente que precisa ao mesmo tempo de mais de um �rg�o), 102 f�gado, nove rim p�ncreas (tamb�m doa��o conjunta) e cinco p�ncreas

C�mara dos Deputados/Divulga��o

A interna��o do apresentador Faust�o, que na semana passada ingressou na fila de transplantes pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS), novamente trouxe � tona a discuss�o sobre a doa��o de �rg�os no Brasil e a ang�stia dos pacientes que aguardam por um �rg�o. Em Minas Gerais, segundo o MG Transplantes, um levantamento de janeiro a julho deste ano mostra que 5.949 pessoas est�o � espera de um �rg�o no estado, sendo: 22 para o cora��o, 2.986 para c�rnea, 2.794 para rim, 97 para f�gado, 44 rim/p�ncreas e seis para p�ncreas. 

Paralelamente aos dados de 2022, at� dezembro do ano passado, a lista de espera em Minas era de 32 pessoas aguardando um cora��o, 2.863 c�rnea, 87 f�gado, 10 p�ncreas, 2.861 rim, 49 rim/p�ncreas, em um total de 5.902 pessoas na fila no estado. Importante considerar ainda que uma mesma pessoa pode figurar na lista em 2022 e estar na mesma condi��o atualmente.

Faustão

Faust�o � um dos 386 pacientes � espera de um novo cora��o no Brasil

Reprodu��o

Em rela��o ao n�mero de transplantes, o levantamento mostra que, entre janeiro e julho de 2023, 480 pacientes receberam uma nova c�rnea, 40 escleras, 169 medula �ssea, 330 receberam rins de doadores falecidos, 77 receberam rins de doadores vivos, 43 cora��o, 4 de f�gado/rim (como se chama a doa��o conjunta, no caso do paciente que precisa ao mesmo tempo de mais de um �rg�o), 102 f�gado, nove rim p�ncreas (tamb�m doa��o conjunta) e  cinco p�ncreas. Comparando o n�mero de pessoas na fila de espera com as doa��es feitas, constata-se que o cen�rio mais cr�tico � para quem precisa de um novo rim. 

O MG Transplantes explica que a lista � din�mica - os dados podem mudar de um dia para o outro.
 

O cirurgi�o cardiovascular e tor�cico do Hcor, Paulo Pego Fernandes, explica que a fila de espera por �rg�os respeita a ordem cronol�gica, mas � feito um cruzamento com uma lista de prioridades. No caso de problemas card�acos, como acontece com Faust�o, pacientes internados, com suporte para o cora��o e outros �rg�os s�o priorizados e podem tomar a dianteira da fila.

A gravidade do caso, o tipo sangu�neo e o tamanho corporal (altura e peso) influenciam no tempo de espera pelo �rg�o. "Em casos menos graves, a espera por um transplante card�aco pode ser de 12 a 18 meses, em m�dia. Em casos mais graves, esse per�odo pode ser reduzido para de dois a tr�s meses", esclarece o especialista.

"Muitas vezes, enquanto aguarda o transplante card�aco, o paciente tem uma piora importante, fazendo com que seja necess�ria a interna��o, geralmente, em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), recebendo medica��es que ajudam o sangue a circular no organismo", destaca.

Disponibilidade do �rg�o � desafio

Para Agnaldo Soares Lima, diretor acad�mico da Associa��o M�dica de Minas Gerais (AMMG) e coordenador de transplante de f�gado da Santa Casa de BH, hoje a maior dificuldade para o paciente na fila de transplante � a disponibilidade do �rg�o necessitado. Segundo o Minist�rio da Sa�de, mais de 65 mil pessoas est�o na fila de transplante de �rg�os no Brasil. "Isso se deve, principalmente, ao baixo n�mero de doa��es de �rg�os no pa�s, gerado pela falta de conscientiza��o diante da import�ncia da a��o que pode salvar vidas", comenta.  

Gravidade, compatibilidade e prioridade

Alcan�ando quase 51 mil pessoas na fila, o sistema de transplantes leva em considera��o fatores como gravidade, compatibilidade e prioridade. O especialista explica que �rg�os como o rim priorizam a compatibilidade para ser bem sucedido, j� o cora��o considera-se a urg�ncia do caso. "Um paciente que est� em observa��o em casa e est� em uma posi��o preferencial, ele n�o pode passar na frente de um caso de imediatismo", explica Agnaldo. 

Uma preocupa��o relevante � a rejei��o. O f�gado � um dos �rg�os com menos casos de recusa. Sobre o f�gado, Agnaldo explica que engana-se quem acha que a doa��o entre vidas (quando se doa parte do �rg�o), � comum nesse caso. "Cerca de 10% dos transplantes de f�gado � dessa forma, quando o doador est� vivo. Sendo que dessa porcentagem, a maioria � de crian�as, j� que v�rios crit�rios precisam ser analisados, como a compatibilidade sangu�nea e tamanho do f�gado", informa. 

AGNALDO SOARES LIMA, DIRETOR CIENTÍFICO

Para Agnaldo Soares Lima, hoje a maior dificuldade para o paciente na fila de transplante � a disponibilidade do �rg�o necessitado

AAMG/ Reprodu��o
Ainda sobre o f�gado, Agnaldo informa que as principais causas para o transplante do �rg�o � a cirrose por bebida, seguido pela hepatite C e gordura no f�gado, ocasionado por condi��es como obesidade e diabetes. "Os transplantes gerados por hepatite C t�m diminu�do devido ao tratamento dispon�vel [com 95% de taxa de cura], enquanto a hepatite por gordura t�m aumentado devido ao crescimento dos casos de obesidade."
 
Transplantes como o de cora��o, pulm�o e f�gado, considerados mais delicados, s�o mais arriscados devido � fragilidade do paciente. Ap�s o procedimento, o especialista explica que o transplantado n�o se torna um inv�lido, impossibilitado de dar continuidade � vida - tendo inclusive qualidade de vida. "A recupera��o leva por volta de dois a tr�s meses e, ao perceber a oportunidade que ganhou, o paciente volta a seguir sonhos, a trabalhar, praticar atividades f�sicas etc. Vale ressaltar que observamos cada paciente individualmente. O resultado n�o � igual para todos; por exemplo, a faixa et�ria do transplantado � um crit�rio relevante."

O coordenador de transplantes refor�a a import�ncia de as pessoas se conscientizarem sobre as doa��es de �rg�os ou tecidos e procurarem fontes confi�veis e especializadas. "Posteriormente, � essencial informar aos familiares sobre a decis�o, al�m de conscientiz�-los tamb�m, pois ser�o os respons�veis pelo corpo ap�s a morte e somente eles poder�o autorizar a doa��o dos �rg�os de um familiar." 

� espera de um �rg�o

A designer Andrea Riane Rocha, de 59 anos, foi diagnosticada com ceratocone no olho direito, doen�a ocular que afeta a c�rnea, na adolesc�ncia. � �poca, ela foi submetida a um transplante de c�rnea. Agora, o �rg�o passa por um novo processo de desgaste e ela acaba de entrar em uma segunda fila de transplante, a n�vel nacional, pelo SUS, em que est� h� seis meses. Andrea n�o sabe precisar a causa do problema. Acredita que tenha acontecido devido a um quadro de estresse. Enquanto aguarda, faz acompanhamento com oftalmologista e diz que, apesar de ansiosa, est� confiante. Se n�o conseguir o �rg�o, pode perder a vis�o. "Se isso acontecer, gra�as a Deus tenho a outra vista", declara, otimista.

Quando tinha 4 anos, a m�e da advogada Gisela Fani teve uma preocupa��o com a menina, que urinou sangue. Ela foi levada ao atendimento com um nefrologista para crian�as, mas os exames n�o conclu�ram o que estava se passando. Gisela se manteve em um tratamento conservador, at� que, aos 18 anos, come�ou a perder hem�cias ao urinar. Entre 2012 e 2013, teve dois quadros de resfriados severos, inclusive um que evoluiu para pneumonia, o que foi o gatilho para ocasionar tamb�m perda de prote�na pela urina.

Gisela conta que nunca soube o que era, at� que, em 2017, a doen�a se agravou e a perda de prote�na foi galopante. Nessa ocasi�o, uma segunda bi�psia finalmente indicou nefrite cr�nica autoimune, para o que Gisela foi indicada a tentar um transplante de rins - o tratamento de controle com imunossupressores, que vinha realizando, n�o seria mais eficaz.

De volta � fila

Gisela Fani

Em 2017 Gisele Fania recebeu o diagn�stico de nefrite cr�nica autoimune, para o que Gisela foi indicada a tentar um transplante de rins

Arquivo Pessoal
Em 2019, recebeu o �rg�o de sua madrasta, que foi compat�vel. Mas, em 2021, foi detectado um v�rus no �rg�o recebido e, em setembro de 2022, ela voltou � fila de transplante. Conseguiu o rim, mais uma vez, em fevereiro deste ano. Para Gisela, hoje com 41 anos, uma hist�ria que lhe ensinou sobre esperan�a. "Todos pensam que v�o morrer com a doen�a. Mas n�o � o fim. Sempre tive uma vida normal. A doen�a � um processo de aprendizado", diz.

Paulo Fernandes explica que quando um �rg�o compat�vel � encontrado, a cirurgia de transplante � realizada. "A grande vantagem � que o paciente passa a ter uma qualidade de vida normal, dependendo apenas de imunossupressores e controle cl�nico rigoroso", aponta.

O Brasil tem o maior sistema p�blico de transplantes de �rg�os do mundo. A estrutura, gerenciada pelo Minist�rio da Sa�de, assegura que 90% das cirurgias atendam � rede p�blica. No primeiro semestre de 2023, foram realizados 206 transplantes de cora��o no pa�s, aumento de 16% em rela��o ao mesmo per�odo do ano passado. Os pacientes, por meio do SUS, recebem assist�ncia integral, equ�nime, universal e gratuita, incluindo exames preparat�rios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos p�s-transplante.

A doa��o de �rg�os � um processo complexo, que envolve diferentes institui��es e requer agilidade para ser bem-sucedido. Cada �rg�o tem um per�odo m�ximo de perman�ncia fora do corpo humano, ao longo do qual o transplante � vi�vel, o chamado de tempo de isquemia. Para o cora��o, o tempo de isquemia � de apenas 4 horas, o que torna o transplante do �rg�o ainda mais complexo.

As doen�as do cora��o s�o as mais incidentes entre os brasileiros e tamb�m a principal causa de morte no pa�s, chegando a 30% do total de �bitos, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Entre as enfermidades mais prevalentes, est�o as arritmias, doen�a coron�ria (entupimento dos vasos do cora��o) e a insufici�ncia card�aca.

"A insufici�ncia card�aca � caracterizada pela incapacidade do cora��o de funcionar adequadamente, deixando de bombear sangue para outros �rg�os e tecidos, o que compromete a sa�de do organismo e a qualidade de vida do paciente. As causas s�o extremamente variadas e, de maneira geral, a insufici�ncia card�aca � a consequ�ncia final de muitas condi��es que afetam o cora��o, como infarto, hipertens�o e doen�as nas v�lvulas do �rg�o", explica a nefrologista especialista em medicina interna pela Irmandade da Santa Casa de Miseric�rdia de S�o Paulo e em Nefrologia pelo Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo, Caroline Reigada.

* Estagi�ria sob supervis�o da editora Ellen Cristie.