Nobel de Medicina em 2019, Wiliam Kaelin diz que o caminho para cuidar de alguns casos da doen�a � a combina��o de diferentes medicamentos inteligentes e imunoterapia adaptada ao tipo espec�fico de c�ncer
Considerada uma abordagem revolucion�ria no tratamento do c�ncer, a imunoterapia, baseada no fortalecimento do sistema imunol�gico do paciente, poder� n�o funcionar contra todos os tumores, diz William Kaelin, um dos vencedores do Nobel de Medicina de 2019. Na avalia��o do tamb�m professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nesse cen�rio, o caminho para cuidar de alguns casos da doen�a � a combina��o de diferentes medicamentos inteligentes e imunoterapia adaptada ao tipo espec�fico de c�ncer.
Leia: Setembro Dourado: diagn�stico precoce do c�ncer infantojuvenil salva vidas.
Em entrevista ao Correio, Kaelin tamb�m deu palpites sobre quais tipos de investiga��es poderiam render o Nobel. "Se eu estivesse apostando, diria que o desenvolvimento das CAR-T, provavelmente, um dia receber� o pr�mio", diz. O cientista est� no Brasil participando do Nobel Prize Inspiration Initiative, um programa global da AstraZeneca com o objetivo de inspirar jovens e mais experientes interessados pela ci�ncia pelo contato com estudiosos aclamados. Na quarta-feira (30/08), ele ministrou uma palestra na Universidade de Bras�lia (UnB) e almo�ou com os estudantes — encontros em que refor�ou a import�ncia do investimento na pesquisa b�sica.
De que maneira a descoberta que rendeu ao senhor o Nobel de Medicina pode levar a novos tratamentos para o c�ncer e outras doen�as?
Agora que conhecemos o mecanismo de detec��o de oxig�nio, existem maneiras de usar drogas para modular esse sistema. Por exemplo, para doen�as em que h� um problema com o fornecimento do oxig�nio, seja devido � anemia ou a uma interrup��o no fluxo sangu�neo, como em um ataque card�aco ou em um acidente vascular cerebral, h�, agora, novos medicamentos que os pacientes podem tomar e que, basicamente, ativam esse sistema. Essas drogas agem efetivamente enganando o corpo, fazendo-o pensar que est� em grandes altitudes e sem receber oxig�nio suficiente. Assim, s�o superativados genes que, normalmente, agem quando uma c�lula ou um tecido n�o est� recebendo oxig�nio como deveria. H� tamb�m rem�dios para o tratamento da anemia. Os pacientes tomam uma p�lula e estimulam o corpo a produzir mais gl�bulos vermelhos, respons�veis pelo transporte do oxig�nio. Por outro lado, sabemos que certos tipos de c�ncer sequestram esse mecanismo para induzir o corpo a fornecer oxig�nio ao tumor. Ent�o, gostar�amos de fazer o oposto. Queremos evitar que o g�s seja entregue ao tumor. J� temos medicamentos que bloqueiam a forma��o de novos vasos sangu�neos na regi�o afetada.
Quais as limita��es de abordagens mais recentes contra o c�ncer, como a imunoterapia e as c�lulas CAR-T, e como seria poss�vel contorn�-las?
Nem todos os pacientes ser�o tratados dessa forma. H� muitos tumores que n�o s�o atingidos por essas imunoterapias, temos de compreender o porqu� e encontrar alternativas. Mesmo que se olhe um determinado tipo de c�ncer, ainda h� v�rios subtipos e, se analis�-los e fizer o sequenciamento de DNA, ver� que dois tumores n�o s�o geneticamente id�nticos. Esse � um dos desafios que enfrentamos at� entendermos melhor o motivo de alguns pacientes responderem � imunoterapia e outros, n�o. Ainda n�o posso dizer se a pr�xima descoberta ser� uma forma de tratar todos os tipos de c�ncer com imunoterapia, independente da origem do c�ncer e de sua gen�tica. Penso que um cen�rio mais prov�vel � que, para cuidar de tumores diversos, necessitaremos de diferentes combina��es de medicamentos inteligentes e, talvez, de imunoterapias adaptadas ao tipo espec�fico de c�ncer ou a sua composi��o gen�tica espec�fica.
Quais as expectativas para o futuro dos tratamentos para o c�ncer?
Espero que tenhamos cada vez mais exemplos de medicamentos inteligentes contra o c�ncer. Rem�dios projetados ou descobertos com base no conhecimento de quais genes s�o realmente alterados em determinados tipos da doen�a e quais s�o os produtos desses genes. Honestamente, o tumor de cada paciente deveria ser sequenciado para ver quais genes est�o alterados naquele c�ncer espec�fico. Anseio que continuemos nos afastando daquilo que costum�vamos chamar de citot�xicos de a��o ampla porque, quando as pessoas pensam em quimioterapia, s�o remetidas ao cabelo caindo e ao enjoo causado por essas subst�ncias.
Leia: Funda��o premia a��es de pesquisa e inova��o para controle do c�ncer.
A forma como o mundo v� a ci�ncia mudou ap�s a pandemia de covid-19?
Inicialmente, pensei que, vendo a rapidez com que a ci�ncia foi mobilizada para enfrentar o v�rus da covid-19, os cientistas seriam respeitados e admirados, da mesma forma que aconteceu quando eu era apenas uma crian�a, durante os anos de 1960, no auge da corrida espacial, por exemplo. Ent�o, ingenuamente, acreditei que as pessoas estariam celebrando a ci�ncia pela forma como ela foi capaz de responder � pandemia. Em muitos pa�ses ao redor do mundo, incluindo o Brasil e, certamente, os Estados Unidos, as pesquisas e os esfor�os cient�ficos tiveram, realmente, um efeito divisor. Algumas pessoas celebraram a ci�ncia, mas outras duvidaram e ficaram cada vez mais desconfiadas.
O que falta para que haja mais incentivo a novas pesquisas?
Durante a maior parte da minha carreira, me beneficiei por fazer pesquisas b�sicas e fundamentais, e esses tipos de estudos devem ser fomentados. Uma coisa que aconteceu na �ltima d�cada foi que, lentamente, os jovens cientistas s�o cada vez mais solicitados a justificar o seu trabalho em termos da sua potencial aplicabilidade. Acho que essa � uma vis�o um pouco pequena e que vai contra a produ��o cient�fica: colocar vendas nos jovens cientistas e dizer que eles s� ser�o financiados se estiverem fazendo algo que j� est� muito pr�ximo de ser aplicado. A grande transforma��o e as descobertas, muitas vezes, v�m de observa��es inesperadas e de cientistas talentosos que recebem a liberdade e os recursos para seguirem a pr�pria curiosidade.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine