O sucesso da imuniza��o fez com que boa parte da popula��o e at� m�dicos esquecessem que o sarampo � uma doen�a grave e letal
Marcelo Carmago/Ag�ncia Brasil
Integrante da Comiss�o Permanente de Assessoramento em Imuniza��es do Estado de S�o Paulo, Guido Levi conta que no in�cio dos anos 2000 foi chamado por um grupo de residentes em uma enfermaria de doen�as infecciosas em S�o Paulo. Os jovens m�dicos estavam intrigados que nenhum exame proposto havia detectado a causa de erup��es cut�neas e febre alta que haviam levado uma crian�a � interna��o.
"Ningu�m sabia o que era. Os residentes disseram que iam apresentar os exames pedidos, que ainda n�o tinham resultados positivos, e eu falei: 'Gente, n�o precisa de exame nenhum. Isso � sarampo'. Eles ficaram muito desconfiados, porque nunca tinham visto sarampo", lembra Guido Levi.
O sucesso da imuniza��o fez com que boa parte da popula��o e at� m�dicos esquecessem que o sarampo � uma doen�a grave e letal. Segundo o Minist�rio da Sa�de, uma em cada 20 crian�as com sarampo pode desenvolver pneumonia, que � a causa mais comum de morte por sarampo na inf�ncia. Al�m disso, cerca de uma em cada dez crian�as com sarampo desenvolvem uma otite aguda que pode resultar em perda auditiva permanente. A Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas) estima que, de 2000 a 2017, a vacina��o contra o sarampo evitou cerca de 21,1 milh�es de mortes, tornando a vacina um dos melhores investimentos em sa�de p�blica.
O sarampo era uma das doen�as mais graves que acometiam a inf�ncia e uma das que causavam maior mortalidade. Quando fui consultor do Hospital Infantil da Cruz Vermelha Brasileira, em S�o Paulo, no come�o da d�cada de 1980, metade do hospital era tomada por crian�as com sarampo, e com alt�ssima mortalidade", lembra Guido Levi, que viu as vacinas transformarem esse cen�rio.
A imuniza��o conseguiu eliminar essa doen�a n�o apenas do Brasil, mas de todo o continente americano, o que foi reconhecido pela Opas em 27 de setembro de 2016. Na �poca, a organiza��o lembrou que o sarampo chegou a matar 2,6 milh�es de pessoas por ano no mundo antes da d�cada de 1980. Para se ter uma ideia do que esse n�mero representa, ele � maior do que o total de v�timas da covid-19 no primeiro ano de pandemia.
A vacina��o contra o sarampo no Programa Nacional de Imuniza��es (PNI), que completa 50 anos em 2023, se d� por meio das vacinas tr�plice viral e tetra viral. A primeira � aplicada quando a crian�a completa o primeiro ano de vida, e protege contra sarampo, caxumba e rub�ola. J� a segunda � indicada para os 15 meses de vida, com ao menos 30 dias de intervalo ap�s a tr�plice viral.
Na tetra viral, al�m das tr�s doen�as da tr�plice, a prote��o inclui a varicela, causadora da catapora na inf�ncia e da herpes zoster na vida adulta. Quando a tetra n�o estiver dispon�vel no posto, ela pode ser substitu�da por uma dose da tr�plice viral e uma dose da vacina varicela monovalente.
Risco permanente
A coordenadora da Assessoria Cl�nica do Instituto de Tecnologia em Imunobiol�gicos da Funda��o Oswaldo Cruz (Bio-Manguinhos/Fiocruz), Lurdinha Maia, destaca que a percep��o de que o sarampo � uma doen�a grave n�o pode se perder, porque somente a vacina��o em altas coberturas pode impedir que o alto n�vel de mortalidade retorne.
“A vis�o que se tem da gravidade de uma doen�a � muito importante. O sarampo n�o � uma doen�a trivial. A cada mil crian�as, pode haver at� 3 mortes. Pode haver encefalite, otite, pneumonia”, destaca ela. “Houve uma queda de 80% nas mortes por sarampo entre 2000 e 2017 no mundo. Em 2017, 85% das crian�as do mundo receberam uma dose da vacina contra o sarampo no primeiro ano de vida. Mas uma �nica dose n�o interrompe a circula��o e n�o d� a prote��o necess�ria. E a gente precisa cumprir a meta de 95%.”
O sarampo tamb�m � uma doen�a que pode causar sequelas severas. A superintendente de pr�ticas assistenciais da AACD, Alice Rosa Ramos, cita que crian�as e adultos podem permanecer com grandes comprometimentos visuais, auditivos, intelectuais e f�sicos ap�s um quadro de sarampo.
“S�o crian�as que v�o precisar ser cuidadas ao longo de toda vida. A p�lio causa a paralisia fl�cida, que � o m�sculo atrofiado, mas molinho. Mas, tanto no sarampo como na meningite, a gente tem uma les�o cerebral. Ocorre um aumento do t�nus muscular, causado por uma les�o central, com m�sculos muito tensos, que fazem a pessoa entrar em v�rias deformidades”, compara ela, que detalha: “Na vis�o, posso ter desde a baixa de vis�o at� a cegueira total. Da mesma forma que no intelecto, que posso ter crian�as que entendem um pouco ou que deixam de entender absolutamente tudo. E isso pode afetar um adulto tamb�m.”
Preven�vel h� d�cadas
Vacina��o contra o sarampo no Brasil teve in�cio em 1967
Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil
A vacina��o contra o sarampo no Brasil foi iniciada em 1967, e a preven��o contra a doen�a j� fazia parte do primeiro calend�rio b�sico de imuniza��o dos menores de 1 ano de idade, institu�do dez anos depois. Altamente transmiss�vel, essa virose levou quase 60 anos para ser considerada eliminada do pa�s, com o sucesso da imuniza��o, mas apenas dois anos de baixas coberturas vacinais permitiram que ela voltasse, em 2018. Para especialistas em vacina��o, esse retorno � um exemplo concreto de que n�o se pode relaxar com a preven��o �s doen�as imunopreven�veis.
Para a consultora da Opas e ex-coordenadora do Programa Nacional de Imuniza��es (PNI), Carla Domingues, � necess�rio um trabalho forte de comunica��o para que a popula��o volte a reconhecer os riscos de n�o se vacinar e de n�o vacinar seus filhos.
"Bastaram dois anos para o pa�s ter surtos importantes, virar end�mico e perder a certifica��o de pa�s livre do sarampo. � algo que pode acontecer com a p�lio. Tamb�m podemos voltar a ter surtos de difteria, meningite, coqueluche. Apesar de n�o vermos mais essas doen�as, se deixarmos de vacinar, elas voltar�o a ser problemas de sa�de p�blica."
Os riscos que esse problema pode causar v�o al�m do adoecimento das pr�prias pessoas infectadas por esses v�rus e bact�rias, explica Carla Domingues. Como a pandemia de covid-19 mostrou, surtos de uma doen�a for�am os servi�os de sa�de a destinar recursos humanos e f�sicos ao tratamento dela, o que pode prejudicar outros pacientes.
"Se hoje n�s temos leitos para cuidar de acidentes de tr�nsito e para cuidar de doen�as n�o transmiss�veis como c�ncer e diabetes, � porque a gente n�o tem mais esses leitos sendo utilizados para doen�as imunopreven�veis. Se a gente voltar a ter surtos dessas doen�as, teremos um esgotamento do servi�o de sa�de, como o exemplo que a gente acabou de ver com a covid-19, em que doen�as deixaram de ser tratadas porque precis�vamos tratar a COVID-19."
Esquema de duas doses
A vacina��o contra o sarampo sofre de um problema comum a vacinas cujo esquema vacinal requer mais de uma dose: a baixa na ades�o. Em 2018, quando o sarampo voltou a causar surtos no pa�s, a primeira dose da tr�plice viral havia chegado a 92% das crian�as, perto da meta de 95%. A segunda dose, por�m, teve uma cobertura de apenas 76%.
A taxa de prote��o era ainda pior na regi�o amaz�nica, justamente onde o surto come�ou. No Amap�, apenas 64% receberam a segunda dose naquele ano, e, no Par�, o percentual foi de 60%.
A presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es, M�nica Levi, refor�a que, al�m de atingir a meta, � preciso garantir que o resultado seja homog�neo. Isto �: que todos os estados e munic�pios ao menos se aproximem do percentual desejado.
"A gente n�o pode ter nichos localizados de n�o vacinados. Se n�o se p�e tudo a perder. Tem que ter homogeneidade. Todos os locais t�m que ter cobertura minimamente alta para que o pa�s fique protegido", argumenta ela, que explica que o v�rus consegue furar o bloqueio e entrar se um grupo espec�fico n�o estiver protegido. "N�o � uma preocupa��o s� com equidade social. � claro que isso � importante. Mas, se voc� largar um grupo para tr�s, a doen�a vai trazer riscos para todo mundo."
Ainda em 2019, o problema da falta de homogeneidade havia sido diagnosticado pelo Minist�rio da Sa�de, que apontou que, dos 5.570 munic�pios brasileiros, 2.751 (49%) n�o atingiram a meta de cobertura vacinal contra o sarampo em 2018. No Par�, 83,3% dos munic�pios n�o haviam atingido a meta; em Roraima, 73,3%; e no Amazonas, 50%.
Surto
O surto de sarampo que teve in�cio na regi�o amaz�nica rapidamente se espalhou entre diversos estados. Em apenas um ano, o Brasil saltou de zero caso para mais de 10 mil, ainda concentrados principalmente no Amazonas, Roraima e Par�. No ano seguinte, 2019, o n�mero de casos dobrou, para 20 mil. Naquele ano, S�o Paulo passou a ser o centro do surto de sarampo.
Nos anos seguintes, o surto perdeu for�a, mas a doen�a continua a circular no pa�s. Em 2020, foram confirmados 8.448 casos e, em 2021, 676. Apesar disso, o Observat�rio de Sa�de na Inf�ncia (Observa Inf�ncia), projeto da Fiocruz e da Faculdade de Medicina de Petr�polis (FMP/UNIFASE), mostra que a doen�a causou em 2020 o maior n�mero de v�timas infantis no Brasil em quase duas d�cadas: foram dez mortes abaixo dos 5 anos. Entre 2018 e 2021, o n�mero de mortes nessa faixa et�ria chegou a 26.
A coordenadora do Observa Inf�ncia, Patr�cia Boccolini, ressalta que haver uma �nica morte por uma doen�a que j� pode ser prevenida h� tanto tempo j� � uma trag�dia.
“Mortes infantis por sarampo podem ser evitadas com uma estrat�gia simples e consolidada no SUS: a vacina��o”, aponta.
“Isso tem que ser sempre lembrado para a popula��o, porque essa nova gera��o que tem filhos agora � uma gera��o que n�o viu toda a gravidade do sarampo, da p�lio e de outras doen�as que j� foram controladas pelas coberturas vacinais. Elas n�o t�m essa percep��o de risco, porque a grande maioria foi vacinada. N�o vemos mais pessoas com sequelas nas ruas.”
A pesquisadora avalia que tudo indica que o pa�s caminha para controlar novamente o sarampo. Em 2022, foram 44 casos confirmados da doen�a, e, em 2023, ainda n�o h� novos registros de diagn�sticos confirmados.
“A gente est� no caminho e tudo indica que houve um controle, porque n�o tivemos nenhum caso no ano de 2023. Por�m, a gente continua ainda com baixas coberturas vacinais, apesar de todos os esfor�os do novo governo e da nova ministra. Isso � um sinal de alerta. Por mais que n�o esteja circulando, temos baixas coberturas e isso � um ambiente prop�cio para um caso importado que possa chegar aqui. O sarampo � extremamente contagioso. Para a gente conseguir o nosso selo novamente de pa�s livre do sarampo, temos que esperar um pouco mais para ver se a situa��o vai se manter.”
Em entrevista exclusiva � R�dio Nacional, a ministra da Sa�de, N�sia Trindade, explicou que os surtos de sarampo que o Brasil voltou a registrar foram controlados, mas que o risco permanece enquanto a imuniza��o n�o for recuperada.
"Para a redu��o do risco em rela��o ao sarampo n�s temos que alcan�ar a cobertura que o pa�s j� teve, de mais de 90%. O que temos que fazer nesse momento � levar a vacina para a popula��o e sensibilizar para que ela seja aplicada."
A pesquisadora avalia que tudo indica que o pa�s caminha para controlar novamente o sarampo. Em 2022, foram 44 casos confirmados da doen�a, e, em 2023, ainda n�o h� novos registros de diagn�sticos confirmados.
“A gente est� no caminho e tudo indica que houve um controle, porque n�o tivemos nenhum caso no ano de 2023. Por�m, a gente continua ainda com baixas coberturas vacinais, apesar de todos os esfor�os do novo governo e da nova ministra. Isso � um sinal de alerta. Por mais que n�o esteja circulando, temos baixas coberturas e isso � um ambiente prop�cio para um caso importado que possa chegar aqui. O sarampo � extremamente contagioso. Para a gente conseguir o nosso selo novamente de pa�s livre do sarampo, temos que esperar um pouco mais para ver se a situa��o vai se manter.”
Em entrevista exclusiva � R�dio Nacional, a ministra da Sa�de, N�sia Trindade, explicou que os surtos de sarampo que o Brasil voltou a registrar foram controlados, mas que o risco permanece enquanto a imuniza��o n�o for recuperada.
"Para a redu��o do risco em rela��o ao sarampo n�s temos que alcan�ar a cobertura que o pa�s j� teve, de mais de 90%. O que temos que fazer nesse momento � levar a vacina para a popula��o e sensibilizar para que ela seja aplicada."
ilustrac�o
Minist�rio da Sa�de/Ag�ncia Brasil
*Colaborou T�mara Freire, rep�rter da R�dio Nacional
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