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Estado de Minas EX-ATLETA, AMANTE DAS IMAGENS

O fot�grafo cego do Piau� que luta para cobrir Paralimp�adas de T�quio

Depois de uma passagem de sete anos pelo esporte paral�mpico no atletismo, Jo�o Maia decidiu se dedicar totalmente a sua paix�o: a fotografia


29/04/2021 07:04 - atualizado 29/04/2021 10:51


João Maia chamou atenção por ser um fotógrafo cego fazendo a cobertura dos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro, em 2016(foto: Arquivo Pessoal)
Jo�o Maia chamou aten��o por ser um fot�grafo cego fazendo a cobertura dos Jogos Paral�mpicos no Rio de Janeiro, em 2016 (foto: Arquivo Pessoal)

O piauiense Jo�o Maia, de 46 anos, n�o consegue enxergar, mas isto n�o impede que exer�a a profiss�o de fot�grafo. Sem o apoio da vis�o, Jo�o conta com seus outros sentidos para fazer os cliques: a audi��o, o tato, o olfato e o mais importante deles: o cora��o.

Nascido em Bom Jesus no Piau� e residente em S�o Paulo desde a adolesc�ncia, Jo�o ficou cego aos 29 anos por causa de uma uve�te bilateral — doen�a inflamat�ria na �vea, que � a camada do olho que abrange a �ris, o corpo ciliar e a coroide.

Depois do processo de reabilita��o que durou um ano e uma passagem de sete anos pelo esporte paral�mpico no atletismo, Jo�o decidiu se dedicar totalmente a sua paix�o: a fotografia.

Ele trocou a vida de atleta pela vida art�stica e se destacou em 2016, quando chamou a aten��o por ser um fot�grafo cego fazendo a cobertura dos Jogos Paral�mpicos no Rio de Janeiro. Ele foi credenciado como fotojornalista de um projeto chamado Supera��o da produtora cultural Mobgraphia, que consistia em retratar os atletas com fotos de celular.

Sua hist�ria foi contada por mais de 30 ve�culos de imprensa pelo mundo e impulsionou a cria��o do projeto Fotografia Cega. Hoje, Jo�o se dedica n�o apenas a fotografar, mas tamb�m ensina t�cnicas da fotografia sem o uso da vis�o e assim "abre os olhos" da sociedade para as capacidades das pessoas com defici�ncia.

Depois do sucesso em 2016, o fot�grafo visa agora a cobertura das Paralimp�adas em T�quio, que ser�o realizadas entre os meses de agosto e setembro, sem a presen�a dos torcedores por causa das restri��es da pandemia.


João Maia (autor desta foto do Open Internacional Loterias Caixa, de 2018) já fotograva antes de perder a visão. Quando retomou o ofício, depois de cego, teve que aprender uma nova arte: a de fotografar com os outros sentidos(foto: João Maia)
Jo�o Maia (autor desta foto do Open Internacional Loterias Caixa, de 2018) j� fotograva antes de perder a vis�o. Quando retomou o of�cio, depois de cego, teve que aprender uma nova arte: a de fotografar com os outros sentidos (foto: Jo�o Maia)

"Quando eu estiver no Jap�o fotografando, algu�m vai se questionar como uma pessoa cega est� fazendo este trabalho. A gente precisa rever nossos valores, a quest�o da empatia. A pessoa com defici�ncia tem sua forma de ver o mundo, a minha � atrav�s da minha c�mera. Eu conto hist�rias atrav�s das minhas imagens", contou � BBC News Brasil.

Desafio em T�quio

A ida para T�quio deve impulsionar o novo projeto de Jo�o Maia, que consiste na produ��o de um livro sobre sua hist�ria de vida e na obten��o de material para uma nova exposi��o fotogr�fica: 4 Sentidos e Uma Vis�o.

"Vamos usar o material de T�quio nesta exposi��o, que ter� acessibilidade total, com �udio-descri��o, alto-relevo, legendas em braile e letras ampliadas. Queremos ainda escrever este livro da minha trajet�ria, fazendo mais uma cobertura de Paralimp�ada, desta vez do outro lado do mundo", comentou.


"Quando vou bater uma foto na Paralimp�ada, sinto a conex�o de sons, o disparo da prova, o som da batida do atleta correndo, o som da torcida. Eu transformo toda essa composi��o de sons em imagens, por isto minha fotografia � cega" (foto: Jo�o Maia)

Jo�o conta com a ajuda da jornalista e escritora Luciane Tonon, que deve gui�-lo em T�quio, descrever os ambientes e posteriormente, escrever o livro sobre a trajet�ria dele.

Luciane, que � criadora do portal Guia do Deficiente, conta que conheceu Jo�o em um evento teste para as Paralimp�adas em 2016, no Est�dio Ol�mpico Nilton Santos, o "Engenh�o" no Rio de Janeiro.

"Eu estava caminhando para a pista quando vi um cadeirante conduzindo um cego e ambos com m�quinas fotogr�ficas em m�os. Eu parei na hora, percebi que ali tinha uma hist�ria interessante", contou.


João conta com a ajuda da jornalista e escritora Luciane Tonon, que deve guiá-lo em Tóquio, descrever os ambientes e posteriormente, escrever um livro(foto: Arquivo Pessoal)
Jo�o conta com a ajuda da jornalista e escritora Luciane Tonon, que deve gui�-lo em T�quio, descrever os ambientes e posteriormente, escrever um livro (foto: Arquivo Pessoal)

Luciane abordou a dupla de fot�grafos e ent�o descobriu que o cego era Jo�o Maia. Desde ent�o, os dois iniciaram uma parceria de trabalho e hoje lutam para arrecadar a quantia de que precisam para cobrir as despesas previstas em T�quio.

As passagens foram financiadas, mas os gastos com alimenta��o e hospedagem est�o pendentes, al�m da d�vida que ficou por causa da passagem.


Quando trabalhou nas Paralimpíadas de 2016, onde registrou esta foto, João teve sua história foi contada por mais de 30 veículos de imprensa pelo mundo(foto: João Maia)
Quando trabalhou nas Paralimp�adas de 2016, onde registrou esta foto, Jo�o teve sua hist�ria foi contada por mais de 30 ve�culos de imprensa pelo mundo (foto: Jo�o Maia)

"N�s fizemos uma vaquinha online, mas ent�o a pandemia come�ou e acabou nos intimidando na divulga��o. Comecei a refletir que muitas pessoas estavam sem renda, arrecadando fundos para combater a fome e n�s querendo ir para o Jap�o", desabafou Luciane.

Mesmo assim, o projeto segue de p� e para Jo�o, a ida ao Jap�o representa um grande passo para mostrar o potencial das pessoas com defici�ncia, conscientizar a sociedade e trazer inspira��es para quem convive com alguma limita��o, f�sica ou psicol�gica.


João Maia já havia feito cursos de fotografia antes de perder a visão aos 29 anos(foto: Arquivo pessoal)
Jo�o Maia j� havia feito cursos de fotografia antes de perder a vis�o aos 29 anos (foto: Arquivo pessoal)

"Vou ao Jap�o para, mais uma vez, levantar esta bandeira. Quero empoderar e mostrar que h� uma luz no fim do t�nel, um caminho a ser tra�ado para que as pessoas com defici�ncia possam ter autonomia, seguran�a e liberdade para serem o que quiserem, para terem oportunidades de se tornar um profissional em qualquer �rea que desejarem", afirmou.

Diagn�stico e supera��o

Foi em 2004, que a vida de Jo�o come�ou a mudar drasticamente. Na �poca, com ent�o 29 anos, ele trabalhava como carteiro em S�o Paulo, mas come�ou a ter dificuldades no trabalho por causa da vis�o.

Na �poca, ele sofria de miopia e astigmatismo e passou a ter epis�dios de dificuldade de enxergar, o que resultou em idas frequentes ao oftalmologista, troca de �culos e um diagn�stico errado de glaucoma.

"Uma vez eu desci do �nibus para ir ao trabalho e uma pessoa esbarrou em mim com tanta viol�ncia que os meus �culos ca�ram e eu n�o os encontrei. Fui ao trabalho naquele dia sem enxergar. Naquela tarde eu ganhei �culos novos, mas tive que trocar dois meses depois. Passei um ano tratando glaucoma", explicou.

A vis�o de Jo�o foi piorando cada vez mais, at� n�o conseguir mais separar as cartas ou enxergar letras pequenas Um tempo depois, j� n�o era mais capaz de ler o letreiro do �nibus ou enxergar qualquer coisa a dist�ncia.


João Maia foi atleta paralímpico, experiência que o ajuda a fotografar o esporte hoje(foto: Arquivo pessoal)
Jo�o Maia foi atleta paral�mpico, experi�ncia que o ajuda a fotografar o esporte hoje (foto: Arquivo pessoal)

"Teve um momento bem dif�cil em que eu fui passar por um t�nel iluminado entre o metr� e o terminal de �nibus. Eu tive que caminhar bem devagarinho para n�o esbarrar nas pessoas e percebi que o problema era s�rio. J� n�o conseguia trabalhar com a mesma agilidade dos outros, ent�o fui ao m�dico da empresa e ele me afastou. Fui aposentado por invalidez e n�o voltei mais", contou.

Depois do diagn�stico de uve�te bilateral, Jo�o finalmente entendeu a condi��o que acometeu sua sa�de ocular. Ele sofreu uma inflama��o de alto grau, teve descolamento da retina e perdeu a vis�o por completo no olho direito. No esquerdo, sofreu uma les�o do nervo �tico e tem uma vis�o chamada de "conta dedo". At� 1,20 metro de dist�ncia, t�m percep��es de vultos coloridos.

Quando soube que nunca mais voltaria a enxergar, Jo�o conta que passou pelo luto e um processo dif�cil de aceita��o, reabilita��o e por fim a compreens�o de que podia ir al�m de sua limita��o fis�ca e ter autonomia e qualidade de vida.

"Foi muito dif�cil. Eu tinha baixa vis�o, pensava que estava enxergando um pouco e n�o me aceitava como deficiente. Ent�o me dei conta de que n�o conseguia mais ler, n�o podia pegar um �nibus ou andar � noite sozinho. Eu tive que me aceitar e come�ar a usar bengala. Hoje em dia moro sozinho e vivo muito bem gra�as � tecnologia", reitera.

Vida como fot�grafo

A fotografia veio muito antes da cegueira. Aos 14 anos, o jovem piauiense come�ou a se interessar, ler e trocar ideias com um amigo cujo pai era fot�grafo. Depois se inspirou em um professor que tinha uma c�mera profissional e passou a escrever para empresas do ramo da fotografia, que o presentearam com manuais.

Quando ainda estava em Bom Jesus, Jo�o ganhou a primeira c�mera de presente de um irm�o e passou a fotografar como hobby. Depois foi para S�o Paulo atr�s de oportunidades, ainda na adolesc�ncia, seguindo alguns de seus irm�os que j� moravam na cidade.

A fotografia esteve presente durante todos os anos em que ainda enxergava e quando retomou o of�cio depois de cego, teve que aprender uma nova arte: a arte de fotografar com os outros sentidos.

"Conhe�o cada bot�o do meu equipamento e me apoio nos sons da c�mera. O barulho me d� certeza de que est� sendo focado. Minha fotografia � feita essencialmente com as minhas percep��es", explica.

No caso das Paralimp�adas, a passagem que teve pelo esporte como atleta ajuda a entender as provas e Jo�o sempre conta com o apoio de algum colega para descrever o ambiente e ajudar nas configura��es.

"Quando vou fotografar uma prova de atletismo de 100 metros de velocidade, por exemplo, eu me posiciono na �rea restrita e pe�o para a pessoa do meu lado descrever o ambiente. Sei qual atleta quero fotografar e pe�o que me digam em que raia ele est�, ent�o posiciono a c�mera", descreve.

Depois de 2019 ficou mais f�cil para Jo�o fotografar. No Natal daquele ano, ganhou um prot�tipo de c�mera profissional com acessibilidade em uma campanha da Canon. O novo equipamento permitiu que trabalhasse no mesmo n�vel de um fot�grafo sem defici�ncia.

"Quando vou bater uma foto na Paralimp�ada, sinto a conex�o de sons, o disparo da prova, o som da batida do atleta correndo, o som da torcida. Eu transformo toda essa composi��o de sons em imagens, por isto minha fotografia � cega", conclui.

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