Bruna Sens�ve

A partir de tr�s experimentos, uma equipe de psiquiatras e geneticistas da Universidade de King’s College de Londres, no Reino Unido, identificou o mecanismo que faz com que portadores de uma varia��o do gene RASGRF2 tenham mais tend�ncia para o consumo exagerado de bebidas alco�licas. O gene ligado ao alto consumo de �lcool j� havia sido identificado por cientistas, mas o processo que faz com que a informa��o gen�tica se expresse e leve a um determinado comportamento ainda era um mist�rio.
De acordo com os resultados, o RASGRF2 atua diretamente na libera��o pelo c�rebro da dopamina, um neurotransmissor estimulante que passa ao corpo as sensa��es de prazer, de gratifica��o e de recompensa, e que normalmente � produzido durante situa��es agrad�veis ao indiv�duo. Quando liberado, os efeitos s�o percebidos com o aumento da press�o e da oxigena��o do sangue, al�m de batimentos card�acos mais acelerados. Tudo isso para que pensamentos e a��es ligados � alegria, � satisfa��o e ao entusiasmo possam ser percebidos e vivenciados.
O uso de drogas como o �lcool influencia na libera��o da dopamina no c�rebro, levando a pessoa a ter essas mesmas impress�es. O problema � quando ela, no intuito de evitar que essas sensa��es acabem, exagera na ingest�o de bebidas alco�licas. O gene RASGRF2 est� envolvido nesse exato processo. Ele faz com que seus portadores liberem ainda mais dopamina ao ter contato com situa��es que identificam como gratificantes, entre elas o consumo de �lcool.
Segundo Gunter Schumann, autor do estudo e professor do Instituto de Psiquiatria da King’s College e do Centro Psiqui�trico de Desenvolvimento e Gen�tica de Londres, as pessoas naturalmente buscam situa��es que preencham o sentimento de recompensa e as fa�am felizes. “Agora entendemos a cadeia de a��o: como nossos genes moldam essa fun��o no nosso c�rebro e como isso, por sua vez, leva a um comportamento humano”, comemora.
O primeiro teste feito pelos cientistas observou o comportamento de dois grupos de camundongos. Um era formado por portadores da varia��o gen�tica estudada e o outro teve esse mesmo gene exclu�do. Ao entrar em contato com o �lcool, as cobaias que n�o tinham o gene RASGRF2 tiveram uma grande diminui��o no “desejo” pelo �lcool. Quando a subst�ncia era ingerida, a falta do gene reduziu a libera��o de dopamina, deixando os animais sem a sensa��o caracter�stica de gratifica��o.
Entre adolescentes O consumo de �lcool no Brasil inicia-se na faixa dos 13/14 anos, tornando-se mais frequente aos 16. De acordo com levantamento realizado pelo Minist�rio da Sa�de, 70% dos jovens entre 13 e 15 anos residentes nas grandes capitais j� experimentaram pelo menos uma vez uma bebida alco�lica. Os indicadores s�o parecidos com os de outros pa�ses, incluindo o Reino Unido, onde foi feita a pesquisa.
Depois de analisar os camundongos, os cientistas estudaram os resultados de resson�ncia magn�tica do c�rebro de quase 700 meninos com idade m�dia de 14 anos, al�m de analisar a carga gen�tica, comprovando a presen�a da varia��o em RASGRF2. Os participantes do estudo n�o haviam sido expostos a quantidades significativas de �lcool. As informa��es sobre a��o da express�o gen�tica foram medidas expondo os jovens a situa��es em que pode ser reproduzida uma sensa��o similar de gratifica��o e recompensa.
Os dados mostraram que os portadores da varia��o gen�tica estudada tinham maior ativa��o de uma �rea do c�rebro conhecida como estriado ventral, envolvida na produ��o de dopamina, sugerindo, ent�o, que eles liberam mais dopamina ao antecipar uma recompensa futura e, consequentemente, obt�m maior prazer com a experi�ncia.
Por �ltimo, e para confirmar os resultados iniciais, os mesmos participantes foram convidados a retornar ao laborat�rio do professor Schumann dois anos depois da primeira visita para responder a um question�rio. As perguntas tratavam diretamente sobre frequ�ncia e a quantidade de ingest�o de bebidas alco�licas. Como esperado, aqueles com a varia��o no gene RASGRF2 bebiam com maior frequ�ncia que os outros.
Influ�ncia social O psiquiatra Paulo Mattos, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Rio de Janeiro, lembra que a depend�ncia de �lcool e de outras drogas n�o est� vinculada apenas a fatores gen�ticos, mas a um conjunto deles e de outros dois aspectos. Um deles � o social — se � uma sociedade mais restritiva ou na qual o consumo � mais aceito — o outro, o perfil psicol�gico da pessoa. “O �lcool tem um grande potencial de depend�ncia nesses tr�s fatores. O efeito � tranquilizante e recompensat�rio, muito gratificante para pessoas ansiosas e depressivas, por exemplo. As chances de elas se tornarem dependentes fica muito maior tamb�m”.
N�o se pode ainda mensurar qual fator pode se sobrepor aos outros, mas Mattos ressalta a import�ncia de investigar o gen�tico como um dos determinantes. “Diferentemente de outras pesquisas, esse gene n�o est� relacionado � depend�ncia alco�lica, mas � sensa��o de recompensa relacionada com a libera��o da dopamina. Na verdade, qualquer coisa que eu fa�a e que me d� prazer vai liberar dopamina. Pode ser alimenta��o, sexo, droga ou at� um ato de caridade.” Segundo o autor do estudo, identificar esses fatores de risco gen�tico para o abuso precoce de �lcool pode ajudar no desenvolvimento de a��es preventivas e de tratamento para a depend�ncia de �lcool e, talvez, de outras drogas.