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Estado de Minas FACEBOOK

Como o Facebook mudou a internet, o com�rcio e at� a pol�tica

Como uma plataforma para conectar amigos ocupou e passou a influenciar a vida de bilh�es de pessoas


11/07/2021 16:54 - atualizado 11/07/2021 17:21

Facebook e outras gigantes da tecnologia passaram a fazer parte da vida de bilhões de pessoas(foto: Getty Images)
Facebook e outras gigantes da tecnologia passaram a fazer parte da vida de bilh�es de pessoas (foto: Getty Images)

O s�culo 21 come�ou com o estouro de uma bolha. Em 2001, o primeiro ano do mil�nio, a nova economia digital americana, que na segunda metade dos anos 1990 havia enchido de entusiasmo investidores, empreendedores e economistas, desmoronou.

Empresas criadas em torno da internet, que se tornou acess�vel depois da cria��o e da populariza��o da World Wide Web, a partir de 1995, receberam investimentos e atingiram valoriza��es astron�micas. Quando o crescimento econ�mico diminuiu em partes do mundo, incluindo os Estados Unidos, grande parte das empresas digitais faliu.

Nos anos seguintes, os esfor�os em torno desse mundo digital foram repensados. Nasceram as plataformas em que pessoas podiam criar sua presen�a online e interagir com outros usu�rios. Uma delas, criada em 2004, viria a se transformar numa das maiores empresas do mundo. O Facebook mudou o uso da internet, o com�rcio, a publicidade e at� a pol�tica.

Junto com o Google, a rede social estabeleceu um novo modelo para a economia digital. Para o bem e para o mal, em grande medida o Facebook definiu como seria a vida nas primeiras d�cadas do s�culo 21.

Uma nova rede social

Em meados dos anos 1990, uma esp�cie de corrida do ouro digital foi iniciada, em busca de um lugar ao sol na nova realidade da World Wide Web. O que simbolizava tal disputa era a procura por um bom dom�nio, ou seja, um bom "ponto com".

Essa primeira gera��o da internet contou com in�meras novas empresas nos Estados Unidos - e muitas fracassaram de forma espetacular.

Um caso simb�lico foi o da Pets.com, que foi criada em 1998, atraiu mais de US$ 80 milh�es em sua abertura de capital e, no fim de 2000, foi � fal�ncia. Sem plano de neg�cio ou estudo de mercado, a Pets.com foi um exemplo dos tempos irrespons�veis do in�cio da internet.


O site Friendster, lançado em 2002, foi a primeira típica rede social da Web(foto: Getty Images)
O site Friendster, lan�ado em 2002, foi a primeira t�pica rede social da Web (foto: Getty Images)

Muitas empresas fecharam na virada do mil�nio, devido a mudan�as no cen�rio econ�mico e falta de planejamento. Outras foram compradas por valores estratosf�ricos por empresas maiores, como a Broadcast.com, vendida por US$ 5,7 bilh�es ao Yahoo em 1999.

Tr�s anos depois, o Yahoo fechou as opera��es da Broadcast.com, selando o que � considerado um dos piores neg�cios da hist�ria da internet.

Enquanto algumas empresas tornaram-se pot�ncias digitais - como Amazon ou Ebay -, o cen�rio geral foi de decep��o com o setor. Entre o primeiro semestre de 2000 e o �ltimo de 2002, o �ndice Nasdaq da Bolsa de Nova York, de empresas de tecnologia, sofreu uma queda de 78%. Foi o estouro da chamada "bolha da ponto com".

A internet precisava urgentemente de novos modelos - e uma nova inje��o de �nimo. O segredo veio na palavra "interatividade". Das cinzas da bolha anterior, come�aram a surgir nos Estados Unidos as primeiras plataformas e empresas baseadas na participa��o do usu�rio.

O conceito ficou conhecido como Web 2.0, em oposi��o � primeira vers�o, a Web 1.0, termos usados pela primeira vez pela especialista em tecnologia digital Darcy DiNucci, num artigo publicado em 1999.

"A Web que conhecemos agora, que � carregada numa janela de navegador essencialmente em telas est�ticas, � apenas um embri�o da Web que est� para vir. Os primeiros sinais da Web 2.0 est�o come�ando a aparecer."

O que DiNucci j� via desde 1999 come�ou a virar realidade no cen�rio p�s-bolha. Na nova Web, os usu�rios j� podiam prov�-la de conte�do e participar ativamente da cria��o dos neg�cios formados na internet. Com isso, proliferaram os weblogs - ou simplesmente blogs - e surgiu o conceito de UGC - user generated content, ou conte�do gerado por usu�rio.

Foi nessa realidade que apareceu a primeira rede social da Web 2.0. Em mar�o de 2002, Jonathan Abrams fundou o Friendster, um site que mostrava conex�es indiretas (amigos de amigos), incentivando o estabelecimento de novas amizades.

Um ano depois, usu�rios do Friendster que trabalhavam na empresa eUniverse resolveram fazer algo parecido. Nascia o MySpace, que, assim como a rede de Abrams, acumularia milh�es de usu�rios.

Era clara a disposi��o de pessoas, especialmente os mais jovens, de usar a internet para contatos sociais.

Em 2004, o mercado ganhou novos competidores. Em janeiro, o engenheiro Orkut Buyukkokten, que trabalhava no Google, lan�ou uma rede social criada por ele como um projeto paralelo da empresa. A plataforma ganhou seu nome - Orkut.

Depois do grande sucesso inicial, especialmente em pa�ses como os Estados Unidos e o Brasil, a Friendster acabaria fechada anos depois. O MySpace trocou de m�os de forma multimilion�ria, mas perdeu usu�rios e relev�ncia. O Orkut n�o se modernizou e, ofuscado pela concorr�ncia, acabou fechado pelo Google.

Em fevereiro de 2004, por�m, surgia na Universidade Harvard, no Estado de Massachusetts, uma vers�o de rede de amizades online que teria muito mais sucesso. Ajudado por outros quatro colegas, o estudante de psicologia e ci�ncias da computa��o Mark Zuckerberg, talentoso programador de apenas 19 anos, colocou no ar o que chamou de The Facebook.

Era uma rede social inicialmente apenas para o p�blico de Harvard. Em tr�s semanas, 6 mil estudantes se cadastraram.

Um m�s depois, o site come�ava sua expans�o para outras universidades, como Columbia e Yale, na costa leste, e Stanford, na Calif�rnia. No mesmo ano, Zuckerberg transferiu a empresa para a regi�o de S�o Francisco, dando in�cio ao que se tornaria um verdadeiro imp�rio digital.

Converg�ncia na rede vencedora

Zuckerberg apresentava seu The Facebook como "um diret�rio online", como disse numa entrevista ao canal CNBC, ainda em 2004. "Voc� entra, faz um perfil sobre voc� mesmo respondendo a algumas perguntas, coloca algumas informa��es, como o que voc� estuda, n�meros de telefone, interesses, de que livros voc� gosta, filmes. E o mais importante: quem s�o os seus amigos."

Sem d�vida, essa era a informa��o vital para The Facebook.

Diferentemente de outros ambientes sociais online, que ofereciam formas de criar novos contatos, o Facebook - o "The" original n�o duraria muito - apostou na ideia de trazer seus contatos da vida real para o mundo digital.

Em 2006, quando a plataforma j� tinha cerca de 8 milh�es de usu�rios, o ent�o diretor e co-fundador Chris Hughes explicou a l�gica em uma entrevista.

"A ideia � de que n�s todos temos comunidades da vida real em que vivemos, no dia a dia, e n�s queremos construir um espa�o para elas na internet, para as pessoas saberem mais sobre seus colegas. Voc� n�o est� indo online para conhecer, de forma aleat�ria, algu�m que vive a 8 mil milhas de voc�. Voc� est� entrando para ver informa��es sobre pessoas que j� s�o importantes para voc�."

O Facebook n�o foi a primeira rede social do mercado, nem era a mais badalada em seu in�cio, mas aumentou sua base de usu�rios de forma consistente. Durante mais de dois anos, foi um site fechado, que Zuckerberg e sua equipe ofereciam a universidades, escolas de segundo grau e empresas. Estudantes dessas escolas ou funcion�rios dessas firmas entravam na rede e viam os perfis de seus amigos e colegas.

O Facebook s� foi aberto para qualquer usu�rio, a partir de seus 13 anos de idade, em setembro de 2006. "Estamos expandindo para atender aos pedidos de milh�es de pessoas que querem fazer parte do Facebook, mas at� hoje n�o podiam", disse Mark Zuckerberg em um comunicado.

Modelo de neg�cio: personaliza��o

Aberto ao p�blico em geral, o Facebook cresceu de forma ainda mais impressionante, ultrapassando os 100 milh�es de usu�rios em 2008. A plataforma tamb�m evoluiu rapidamente, deixando de ser o "diret�rio" descrito por Zuckerberg em seu primeiro ano.

Em 2007, ela chegou ao telefone celular, apesar de ainda numa solu��o simples, baseada na navega��o via Web. No mesmo ano, dias antes de permitir a entrada de qualquer pessoa na rede, em car�ter individual e sem liga��o com alguma escola ou empresa, o site criou o chamado News Feed.

Apresentado como uma home page alternativa, o News Feed trazia o registro de tudo o que seus amigos faziam na plataforma - o conte�do que postavam ou coment�rios que deixavam.

Como em muitas coisas que o Facebook faria ao longo dos anos, o News Feed causou pol�mica inicial por expor seus usu�rios de uma forma que eles n�o haviam autorizado. Zuckerberg desculpou-se, e n�veis de privacidade foram criados com o tempo.

O News Feed, entretanto, ficou e tornou-se a ess�ncia da plataforma: a ferramenta oferecia um relat�rio em tempo real das atividades de seus amigos, sem a necessidade de o usu�rio visitar seus perfis.

Al�m disso, o News Feed era uma reuni�o de conte�dos exclusiva, j� que ningu�m tinha os mesmos amigos nem, portanto, os mesmos registros em sua tela. Essa experi�ncia �nica seria a base para o futuro da monetiza��o do Facebook.

Seu imp�rio seria constru�do a partir da cria��o de uma experi�ncia, de servi�os e de mensagens publicit�rias espec�ficos para cada pessoa.

Tal personaliza��o foi poss�vel a partir da maci�a e ininterrupta coleta de informa��es sobre cada usu�rio, o que permitia um ajuste constante de seu algoritmo - o comando matem�tico que determina o comportamento da plataforma - para implantar a oferta individual de forma cada vez mais eficiente.

A aposta na personaliza��o exigia que o Facebook soubesse mais e mais sobre cada um que usasse a plataforma. Mais do que saber quem eram seus amigos e de que m�sica ou filmes gostavam, o Facebook passou a se esfor�ar para descobrir todo tipo de h�bito de cada usu�rio. Isso envolvia avan�ar significativamente sobre sua privacidade.

Quando esse avan�o mostrava-se exagerado, o Facebook costumava pedir desculpas, recuava, mas logo depois achava outra forma de seguir em frente em sua miss�o.

Um grande exemplo foi o Beacon, uma ferramenta do Facebook lan�ada em novembro de 2007, que conectava a plataforma com outras empresas. Quando o usu�rio fazia uma compra numa dessas empresas, essa informa��o era publicada, via Beacon, em sua News Feed, numa combina��o de compartilhamento de atividade pessoal com publicidade.

Com um detalhe: os usu�rios n�o haviam autorizado tal publica��o, cujo cancelamento exigia uma complicada a��o de "opt-out" para que o usu�rio desligasse o Beacon de seu perfil.

Em poucas semanas, o servi�o tornou-se motivo de um processo contra a empresa, e o Facebook criou as op��es de desligamento al�m de tornar o servi�o "opt-in" - ou seja, o Beacon s� seria ativado se o usu�rio o solicitasse.

Em 2008, ao participar de uma confer�ncia de tecnologia, Zuckerberg disse: "Voc� n�o perguntou, mas eu vou te dizer: o Beacon foi um grande erro para n�s, de v�rias maneiras".

Em setembro de 2009, menos de dois anos depois de sua cria��o, a ferramenta foi encerrada, como parte do acordo feito na Justi�a.

A experi�ncia, entretanto, foi valiosa para o Facebook, que aprendeu na pr�tica at� onde poderia ir antes de incomodar - ou indignar - grande parte de seu p�blico.

Em 2008, a rede social lan�ou a ferramenta de se "logar" com outros sites usando sua identidade do Facebook - o chamado "Log in with Facebook" ou, em seu nome oficial, Facebook Connect.

No ano seguinte, foi a vez do lan�amento do bot�o de "Like", que facilitou a express�o de sentimento positivo em rela��o a qualquer tipo de conte�do dentro da rede. Gostou do que viu ou leu? � s� dar um "like", e o autor ficar� sabendo - assim como outras pessoas.

Para o Facebook, o bot�o potencializou o conhecimento sobre os gostos e inclina��es de cada pessoa por meio de uma coleta indireta. Em vez de o usu�rio declarar abertamente seu gosto por algum tipo de comida, esporte ou m�sica, o bot�o de "like" registrava aquele gosto na pr�tica, de forma espont�nea.

O Facebook come�ava a saber mais sobre seus usu�rios do que eles mesmos - um "like" poderia revelar um interesse que a pr�pria pessoa ainda n�o tinha percebido ter.


O botão de
O bot�o de "Like" do Facebook nasceu como um marca da rede e virou uma lucrativa ferramenta de neg�cios (foto: Getty Images)

Em 2010, o "Like" ganhou asas. Em abril, em sua confer�ncia interna anual chamada F8, o Facebook anunciou a expans�o do bot�o de "Like" para toda a Web.

Ao iniciar sua apresenta��o, Mark Zuckerberg disse no palco: "O que temos para mostrar a voc�s hoje ser� a coisa mais transformadora que j� fizemos para a Web". E era mesmo: o bot�o de "Like" passava a ficar dispon�vel para qualquer site que quisesse implant�-lo, levando o Facebook para todos os cantos da Web.

A ideia, disse ele, era "fazer experi�ncias instantaneamente sociais e personalizadas em todo lugar que voc� v�" usando a internet. Para isso, ele contava com a quase onipresen�a de sua rede social, que em 2010 j� acumulava 400 milh�es de usu�rios.

Zuckerberg falava em experi�ncias "sociais e personalizadas", dando destaque ao "sociais", mas o que interessava mesmo era o "personalizadas".

Quanto mais o Facebook sabia sobre seus usu�rios e crescia, mais poderoso e lucrativo ele se tornava. Ao noticiar a novidade, a revista americana Time identificou o potencial comercial que o avan�o da rede social sobre a rede de computadores representava.

"A empresa j� tem uma plataforma de publicidade altamente desenvolvida, permitindo que anunciantes visem consumidores em demografias estreitamente definidas. (...) Se o Facebook de repente puder ter contato tamb�m com suas prefer�ncias, a plataforma poder� ser muito mais poderosa. A empresa manteve-se calada sobre qualquer plano de monetiza��o para o futuro (...), mas poder� em breve ter a capacidade de direcionar an�ncios de uma forma mais estreita do que qualquer outro."

Os n�meros confirmaram tal previs�o. At� 2008, o Facebook ainda acumulava preju�zo - cerca de US$ 56 milh�es de perdas naquele ano, para um faturamento de US$ 272 milh�es. No ano seguinte, a empresa entrou no azul, com lucro de US$ 229 milh�es. Foi, por�m, a partir de 2010 - ano do lan�amento do bot�o de "Like" na Web - que tanto seu faturamento como seu lucro dispararam.

Em 2010, entraram US$ 1,97 bilh�o na empresa, que registrou lucro de US$ 606 milh�es. Em 2015, o faturamento foi nove meses maior que cinco anos antes - US$ 17,9 bilh�es -, e o lucro o acompanhou: US$ 3,7 bilh�es.

Esse desempenho refletiu-se no valor total da empresa. Em 2009, ela era avaliada em US$ 10 bilh�es pelo mercado.

Em 2012, ap�s anos de especula��o, o Facebook fez sua estreia na Bolsa de Nova York. A US$ 38 cada a��o, a empresa, de apenas oito anos de exist�ncia, abriu seu capital avaliada em US$ 104 bilh�es.

Aprendendo com o Google

O per�odo de 2007 a 2010 foi decisivo para o Facebook, particularmente o ano de 2008. Em mar�o, chegou � empresa para assumir a posi��o de COO (Chief Operating Officer, ou diretora de Opera��es) a executiva Sheryl Sandberg.

Economista, Sandberg vinha do Google, onde era respons�vel pela �rea de publicidade. Em linhas gerais, ela fazia o Google ganhar muito dinheiro com an�ncios publicit�rios - e chegava ao Facebook para repetir o feito.

Com suas ferramentas e algoritmos, o Facebook havia criado a personaliza��o social em grande escala, mas o lucro em grande escala com a personaliza��o era obra do Google.


Sheryl Sandberg levou do Google para o Facebook muito conhecimento sobre publicidade digital(foto: Getty Images)
Sheryl Sandberg levou do Google para o Facebook muito conhecimento sobre publicidade digital (foto: Getty Images)

Fundado em setembro de 1998 pelos engenheiros americanos Larry Page e Sergey Brin, estudantes de doutorado na Universidade Stanford, na Calif�rnia, o Google revolucionou o mundo digital em v�rios aspectos.

Primeiro, com seu algoritmo PageRank, que classificava a relev�ncia de p�ginas da Web com base em suas conex�es com outros sites - p�ginas que apareciam em mais links de terceiros eram mais relevantes. Depois, com seu Google Ads, criado em 2000 como uma plataforma de an�ncios publicit�rios que usa leil�es em tempo real para definir pre�o e visibilidade.

� poss�vel que a maior revolu��o do Google, no entanto, tenha sido sua terceira inova��o. A empresa percebeu que, no processo de navega��o pelo Google, com suas pesquisas e perguntas, todo usu�rio deixava uma trilha de pegadas. Um enorme amontoado de dados revelando interesses de uma pessoa era produzido e recebido pelo Google.

A empresa, ent�o, decidiu fazer algo com isso. Passou a considerar essas informa��es na hora de oferecer os resultados de suas buscas a um indiv�duo. Mais: passou a considerar esses interesses pessoais na hora de exibir an�ncios para cada pessoa.

Estava criada a publicidade direcionada - que, de posse de cada vez mais detalhes sobre cada usu�rio, se torna uma publicidade microdirecionada.


Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google, perceberam que seus usuários deixavam rastros sobre seus interesses(foto: Getty Images)
Larry Page e Sergey Brin, criadores do Google, perceberam que seus usu�rios deixavam rastros sobre seus interesses (foto: Getty Images)

A pesquisadora e escritora americana Shoshana Zuboff identificou na inven��o do Google o nascimento do que ela considera um novo - e perverso - sistema econ�mico.

"A inven��o do Google de an�ncios direcionados abriu o caminho para seu sucesso financeiro, mas tamb�m estabeleceu o pilar de um acontecimento de alcance ainda maior: a descoberta e a elabora��o do capitalismo de vigil�ncia", escreveu Zuboff em seu livro A Era do Capitalismo de Vigil�ncia (Editora Intr�nseca).

Baseado no constante monitoramento dos comportamentos dos consumidores - a partir do que eles pesquisam na internet, o que compram, aonde v�o, o que leem e muito mais -, esse novo capitalismo tem, segundo a autora, o poder de se antecipar aos desejos das pessoas.

Al�m disso, diz Zuboff, depois de se antecipar a esse desejo e oferecer-lhe exatamente aquilo que uma pessoa buscava, esse novo sistema adquiriu a capacidade de influenciar o comportamento dos consumidores. Criou assim um c�rculo virtuoso para os lucros de empresas, mas vicioso para a privacidade e autonomia dos cidad�os.

Sheryl Sandberg entrou no Google em 2001 e foi pe�a fundamental na cria��o de tal modelo extremamente lucrativo para a empresa de Page e Brin, como vice-presidente para vendas globais.

O faturamento do Google, de US$ 400 milh�es em 2002, atingiu US$ 16,6 bilh�es em 2007. Shoshana Zuboff chamou de "super�vit comportamental" a mat�ria-prima usada pelo "capitalismo de vigil�ncia", e para ela Sandberg sabia muito bem do potencial do Facebook para monetizar tal material.

"Sandberg compreendeu que, por meio de uma manipula��o habilidosa da cultura de intimidade e compartilhamento do Facebook, seria poss�vel usar o super�vit comportamental n�o apenas para satisfazer uma demanda, mas tamb�m para criar demanda", escreveu Zuboff.


O Google criou um novo sistema comercial baseado no monitoramento do que o usuário faz na internet(foto: Getty Images)
O Google criou um novo sistema comercial baseado no monitoramento do que o usu�rio faz na internet (foto: Getty Images)

N�o demorou para que alguns percebessem que o mesmo modelo que permitia a cria��o de desejos por produtos ou servi�os permitia tamb�m o incentivo a a��es pol�ticas e sociais.

O mesmo Facebook dos an�ncios microdirecionados de cosm�ticos, seguros de ve�culos ou pacotes tur�sticos se tornaria uma arma da pol�tica.

Aquisi��es, Cambridge Analytica e abusos

A partir de 2010, com seu crescente poder de maximizar seus resultados baseados no microdirecionamento de an�ncios publicit�rios, o Facebook continuou aumentando de tamanho, tanto a plataforma como a empresa.

Os 400 milh�es de usu�rios de 2010 viraram 1,6 bilh�o no final de 2015, ano em que seu faturamento atingiu US$ 17,9 bilh�es - e lucro de US$ 3,7 bilh�es.

O imp�rio de Zuckerberg n�o apenas seguiu atraindo mais e mais usu�rios e clientes como intensificou outra estrat�gia de domina��o do mercado: a aquisi��o de concorrentes.

Em abril de 2012, o Facebook pagou US$ 1 bilh�o pelo aplicativo de fotos Instagram, que fora lan�ado menos de dois anos antes e contava na �poca com 30 milh�es de usu�rios.

Dois anos depois, uma compra ainda mais impressionante: o WhatsApp, que contava com 400 milh�es de usu�rios, foi adquirido por US$ 19 bilh�es.

O Facebook, segundo informa��es do mercado, ainda tentou comprar, sem sucesso, outro novo aplicativo em crescimento, o Snapchat, lan�ado em 2011. A oferta, que teria sido feita em 2013, teria supostamente chegado a US$ 3 bilh�es. Sem conseguir concretizar a aquisi��o, Zuckerberg resolveu incorporar ao Instagram funcionalidades que faziam do Snapchat uma ferramenta peculiar e abriu concorr�ncia direta entre as plataformas.

O Facebook cresceu, mas o modelo que permitiu seu avan�o sofreu um golpe de imagem significativo em 2018, quando vieram � tona revela��es sobre o papel da plataforma - e da empresa - em acontecimentos de 2016.

O esc�ndalo, revelado pelo jornal brit�nico The Observer - a vers�o dominical de seu parceiro The Guardian -, denunciava o uso dos dados de milh�es de usu�rios do Facebook como ferramenta para propaganda pol�tica em favor do candidato republicano � Presid�ncia dos Estados Unidos, Donald Trump.

A mesma estrat�gia tamb�m teria sido usada por interessados na vit�ria do Brexit no referendo brit�nico sobre a perman�ncia do Reino Unido na Uni�o Europeia.

Como resumiu a reportagem do Observer de 18 de mar�o de 2018, logo em sua abertura: "A empresa de an�lise de dados que trabalhou com a equipe eleitoral de Donald Trump e a vencedora equipe de campanha do Brexit colheu milh�es de perfis do Facebook de eleitores americanos, em uma dos maiores viola��es de dados do gigante da tecnologia, e os usou para construir um poderoso programa para prever e influenciar escolhas nas urnas".


O escândalo da Cambridge Analytica expôs a natureza do modelo comercial do Facebook e seus riscos(foto: Getty Images)
O esc�ndalo da Cambridge Analytica exp�s a natureza do modelo comercial do Facebook e seus riscos (foto: Getty Images)

A reportagem foi baseada nas revela��es de um denunciante, Christopher Wylie, que havia trabalhado com um acad�mico da Universidade de Cambridge na obten��o do material.

O acad�mico, Aleksandr Kogan, colheu os dados num trabalho sem liga��o com a universidade: um aplicativo por meio do qual sua empresa GSR (Global Science Research) e a brit�nica Cambridge Analytica tomaram dados de centenas de milhares de usu�rios do Facebook - que receberam por isso.

As empresas, por�m, tamb�m tiveram acesso a dados pessoais das conex�es dessas pessoas na rede social, o que elevou a base de dados a cerca de 50 milh�es de usu�rios. A Cambridge Analytica, na �poca da opera��o, tinha entre seus executivos Steve Bannon, ent�o assessor pol�tico de Donald Trump.

Em poucos dias, Mark Zuckerberg divulgou uma declara��o em que admitiu que sua empresa havia cometido "erros".

"N�s temos uma responsabilidade de proteger seus dados, e se n�s n�o podemos, ent�o n�s n�o merecemos servir voc�s."

Em entrevista � rede CNN, ele tamb�m pediu desculpas ao p�blico.


Mark Zuckerberg teve de depor no Congresso americano sobre escândalo da Cambridge Analytica(foto: Getty Images)
Mark Zuckerberg teve de depor no Congresso americano sobre esc�ndalo da Cambridge Analytica (foto: Getty Images)

O esc�ndalo, que provocou o fechamento da Cambridge Analytica e levou Wylie a depor no Congresso americano, foi tratado pela empresa e pela maior parte da m�dia como uma falha de seguran�a e invas�o de privacidade no ambiente do Facebook.

O problema, no olhar de autoridades e muitos especialistas, era o fato de os dados de milh�es de usu�rios terem ca�do nas m�os de terceiros sem seu consentimento. Entretanto, no cen�rio mais amplo da nova realidade econ�mica e social criada por Facebook e Google, mais importante ainda era o que foi feito com esses dados.

Os usu�rios cujos dados foram roubados acabaram alvos de an�ncios pol�ticos direcionados especificamente para eles, numa ado��o do modelo j� usado na venda de produtos para a propaganda - e desinforma��o - pol�tica.

O Facebook, assim como aconteceria com outras plataformas digitais, passou a ser uma ferramenta na propaga��o das chamadas "fake news" - informa��es mentirosas divulgadas de forma deliberada para criar falsas narrativas e distorcer a realidade.

A possibilidade de enviar mensagens a grupos espec�ficos na plataforma tamb�m foi usada na organiza��o de crimes. Em 2016 e 2017, a minoria mu�ulmana Rohingya, de Myanmar, foi alvo de uma campanha de limpeza �tnica que, segundo autoridades internacionais, foi promovida pelas For�as Armadas do pa�s.

O Facebook, cujo aplicativo era o mais popular em Myanmar, sendo usado por mais de um ter�o da popula��o, foi amplamente utilizado para a difus�o de mensagens de �dio contra os Rohingya.

Citada pela BBC, uma representante da ONU (Organiza��o das Na��es Unidas) para direitos humanos, Yanghee Lee, disse em mar�o de 2018 que "o Facebook tornou-se um monstro, n�o aquilo que originalmente tinha a inten��o de ser".

Uma outra plataforma da empresa, o aplicativo WhatsApp, tamb�m transformou-se em eficiente ferramenta de propaganda pol�tica, mas de uma maneira diferente. Sem o amplo uso publicit�rio visto no Facebook, o WhatsApp trazia outro atrativo: conex�es entre pessoas pr�ximas e grupos num ambiente fechado, de dif�cil monitoramento por entidades externas.

Em vez de an�ncios, no WhatsApp a propaganda pol�tica ou ideol�gica passou a ser feita pelos chamados "disparos" - mensagens enviadas e repassadas a um n�mero grande de pessoas.

Uma reportagem da BBC News Brasil, de outubro de 2018, mostrou como eleitores brasileiros eram colocados em grupos de WhatsApp sem seu consentimento depois que seus telefones eram coletados de alguma maneira - de listas comerciais ou de dentro do Facebook.

Uma dona de casa de S�o Paulo disse � BBC: "N�o sei onde encontraram meu telefone. Os administradores e algumas pessoas tinham n�meros estrangeiros. Eu fiquei com medo. Sa� de todos e denunciei todos os grupos para o WhatsApp."

O Facebook e o WhatsApp prometeram, em v�rias oportunidades, eliminar as brechas de seus sistemas que permitiam a invas�o de privacidade indevida e o abuso por grupos pol�ticos. Medidas espec�ficas foram tomadas nos Estados Unidos, em Myanmar e no Brasil, enquanto mudan�as nas plataformas - como um limite menor de pessoas para quem uma mensagem poderia ser repassada no WhatsApp - foram implementadas.

Mark Zuckerberg e outros CEOs de empresas de m�dias sociais e tecnologia, como Google e Twitter, foram sucessivamente convocados a depor no Congresso americano devido a problemas no setor de tecnologia, incluindo invas�o indevida de privacidade e uso pol�tico dissimulado.

Monop�lio questionado

Em agosto de 2019, usu�rios do Instagram e do WhatsApp podem ter notado uma pequena mudan�a nos aplicativos. Ao lado da marca, aparecia uma refer�ncia a seu dono: "From Facebook" (Do Facebook).

Segundo a empresa, a medida dava mais transpar�ncia � rela��o com o usu�rio, que passaria a ser informado mais claramente que os aplicativos eram do Facebook.

Tr�s meses depois, um novo logotipo para a empresa Facebook, com a palavra em letras mai�sculas, foi adotado para diferenci�-la da rede social.

Tal transpar�ncia tamb�m atendia a um outro objetivo do grupo: dificultar qualquer tentativa das autoridades americanas de for�ar uma divis�o da empresa, um dos focos de investiga��es do Congresso sobre monop�lios no setor de tecnologia.

Em outubro de 2020, o relat�rio de uma comiss�o da C�mara dos Representantes disse que Facebook, Google, Amazon e Apple exerciam o papel de monop�lios no setor.

"Essas quatro corpora��es servem cada vez mais como controladores do com�rcio e das comunica��es na era digital, e esse poder de controlador lhes d� uma capacidade enorme de abusar desse poder", disse um representante da comiss�o, citado pela rede americana NPR.

As conclus�es da comiss�o tinham car�ter consultivo e n�o implicavam nenhuma medida do Congresso contra as empresas, mas a possibilidade de que alguma norma viesse a for�ar a divis�o dessas grandes corpora��es n�o estava descartada.

Enquanto seguia intacto, o Facebook crescia. Em meados de 2020, a rede social registrava um total de 2,7 bilh�es de usu�rios ativos.

Segundo estimativas do mercado, o WhatsApp contava com 1,5 bilh�o de usu�rios - 120 milh�es apenas no Brasil -, e o Instagram acumulava outros 1 bilh�o.

O faturamento da empresa em 2019 atingiu US$ 70,7 bilh�es, com US$ 18,5 bilh�es de lucro.

Os impressionantes n�meros acumulados desde que o ainda adolescente Mark Zuckerberg programou a primeira vers�o do Facebook, em fevereiro de 2004, fazem da mais famosa rede social do planeta uma das hist�rias mais memor�veis do in�cio do s�culo 21.

Outras redes sociais independentes da empresa de Zuckerberg, como Twitter, YouTube, Snapchat e as chinesas TikTok e WeChat, tamb�m tiveram grande impacto na forma como as pessoas interagem entre si.

O Facebook, por�m, concluiu as duas primeiras d�cadas do mil�nio sem dar sinais de que perderia p�blico, influ�ncia ou poder t�o cedo.

Em 2020, com apenas 36 anos de idade e uma fortuna de mais de US$ 100 bilh�es, Mark Zuckerberg parecia disposto a continuar fazendo hist�ria.

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