
Uma pupunheira atrai uma multid�o de p�ssaros japus � entrada de uma fazenda em Pira� do Norte, no sul da Bahia.
Ela foi a primeira da temporada a produzir um dos frutos mais apreciados pelo dono da propriedade, mas mesmo assim ele decidiu deix�-los para os p�ssaros.
"N�o tenho coragem de tirar", conta o su��o Ernst G�tsch, de 73 anos, os �ltimos 40 naquele peda�o de ch�o. "Aqui cada p�ssaro � meu s�cio", completa.
A cena diz algo sobre a filosofia que tornou G�tsch uma refer�ncia para muitos agricultores brasileiros.
Enquanto v�rias pr�ticas agropecu�rias s�o apontada como vil�s do clima, ele defende a ado��o de sistemas agroflorestais, que combinam a produ��o de comida com a regenera��o de florestas.
Enquanto secas intensas quebram safras pa�s afora, ele ensina agricultores a "plantar �gua", recuperando nascentes e fazendo com que suas planta��es bombeiem mais �gua para a atmosfera.
E, no sistema dele, todos os seres — quer sejam humanos, animais silvestres ou microorganismos — t�m pap�is igualmente importantes.
"Eu plantei essa pupunheira, mas muitas outras na fazenda foram plantadas pelos japus", explica G�tsch. "Eles me ajudam, eu os ajudo."

Terra arrasada
Quando o su��o chegou ali, nos anos 1980, o cen�rio era outro. Quase todos os 510 hectares da propriedade haviam sido desmatados, e os animais silvestres eram raros.
Os donos anteriores passaram anos criando porcos e cultivando mandioca de forma convencional, o que esgotou o solo e assoreou 14 riachos que cruzavam a fazenda.
"Dentro de pouco menos de dois anos, eu tinha reflorestado tudo", conta o su��o, que tamb�m viu todos os riachos renascerem no processo.
Hoje a maior parte da propriedade virou uma reserva ambiental privada, e somente 5 hectares — menos de 1% do terreno — lhe geram receitas.
� nessa �rea que, em meio a grande variedade de frutas, legumes e �rvores imensas, ele cultiva um cacau de alto valor, exportado para Portugal.
Com tamanha oferta de alimentos, a fam�lia do su��o quase n�o precisa ir ao supermercado, e todas as constru��es da fazenda s�o feitas com madeira tirada dali.
A transforma��o que G�tsch promoveu na fazenda chamou a aten��o de governos, agricultores e empresas, que nas �ltimas d�cadas passaram a contrat�-lo para consultorias.
Ele come�ou a rodar o Brasil dando cursos, e seus conhecimentos alcan�aram entidades t�o d�spares quanto o Grupo P�o de A��car e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) (leia mais abaixo).

A chegada ao Brasil
Faz 40 anos que G�tsch come�ou a reflorestar sua fazenda na Bahia, mas quem visita a �rea hoje pode ter a impress�o de estar numa mata centen�ria.
A equipe da BBC News Brasil esteve na propriedade no fim de outubro. Nos 160 quil�metros de estrada que ligam Ilh�us a Pira� do Norte, fazendas abandonadas exp�em a decad�ncia da regi�o, golpeada pela crise que atingiu o setor cacaueiro nos anos 1980 e jamais foi plenamente superada.
A paisagem muda quando a rodovia adentra a propriedade de G�tsch. As copas das �rvores passam a cobrir o c�u, o ar fica mais �mido, os cantos de sapos e aves se tornam onipresentes.
G�tsch chegou � regi�o quando buscava terras para avan�ar em pesquisas iniciadas na Su��a.
Nascido em 1948 num vilarejo nos arredores de Zurique, ele diz ter tomado gosto pela agricultura desde seus primeiros anos.

Na adolesc�ncia, aprendeu a fazer queijo e cuidou de vacas nos Alpes. Aos 23, sem jamais ter se formado na faculdade, passou num concurso para trabalhar com melhoramento gen�tico de plantas.
O trabalho ajudou a canalizar as energias de um jovem inquieto: G�tsch diz ter sido expulso da escola tr�s vezes porque questionava os professores al�m da conta.
Ele afirma que experimentos no laborat�rio o levaram � seguinte quest�o: "Ser� que n�o seria mais inteligente se nos dedic�ssemos a melhorar as condi��es que damos �s plantas, em vez de tentar adequ�-las �s condi��es cada vez piores que lhes oferecemos?"
Chegou ent�o � conclus�o de que nossos sistemas agr�colas deveriam imitar os ecossistemas originais. Mas ainda faltava p�r a teoria � prova, o que seria dif�cil na diminuta Su��a.
Ap�s trabalhos na Tanz�nia e na Costa Rica, um s�cio (este, humano) lhe ofereceu um empr�stimo para comprar uma propriedade grande na regi�o cacaueira baiana.
G�tsch diz que fez quest�o de escolher uma terra empobrecida e que fosse considerada impr�pria para o cultivo de cacau pelo �rg�o federal respons�vel pelas pol�ticas para o setor, a Comiss�o Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). "Eu tinha de provar que sabia trabalhar", ele conta.

'�gua se planta'
Um dos primeiros desafios de G�tsch foi recuperar os riachos assoreados, o que ele fez abrindo valas nos cursos originais e reflorestando o entorno.
As ra�zes protegeram o solo da eros�o e permitiram que a �gua da chuva voltasse a infiltrar, trazendo os riachos de volta � vida.
Mas mais do que isso: ele afirma que o amadurecimento da floresta aumentou em 70% a quantidade de chuvas na fazenda.
Isso porque, ao transpirar, as �rvores transferem �gua para a atmosfera, intensificando a forma��o de nuvens. E, quanto mais plantas h� num local, mais �gua � bombeada.
O processo, conhecido por evapotranspira��o, est� por tr�s do fen�meno dos "rios voadores", pelo qual a �gua injetada na atmosfera pelas �rvores da Amaz�nia se transforma em chuva em v�rias partes da Am�rica do Sul.
Segundo G�tsch, o reflorestamento de sua propriedade fez com que chovesse mais em �reas que ficam a at� 8 km a oeste da fazenda. A recupera��o dos riachos embasou uma das principais m�ximas que o su��o difunde em cursos e palestras: a de que "�gua se planta".

�pera e trabalho intenso
Aos 73 anos, Gotsch exibe uma disposi��o impressionante. �s 5h, ele sai da casa onde mora com a mulher, Cimara Goulart, e as duas filhas adolescentes, Ilona e Genevieve, para vistoriar a secagem do cacau e da banana nas estufas que construiu.
Depois vai manejar a agrofloresta: cantando �pera em alem�o, sobe em �rvores altas para colher frutos, poda galhos e golpeia o capim com um fac�o.
A rotina se repete h� quatro d�cadas, mas ele diz n�o enjoar. Delicia-se ao avistar fam�lias de macacos que moram na fazenda e observa com aten��o como cada esp�cie interfere no ambiente.
"Sempre que vejo aqui um bicho ou planta pela primeira vez, eu pergunto: 'o que voc� faz de bom?'", diz.
Tirar proveito das rela��es entre as esp�cies � outro pilar do modelo do su��o.
Afinal, diz G�tsch, cada bioma desenvolveu ao longo de bilh�es de anos intera��es para que a vida ali tivesse o m�ximo �xito. Nada mais natural, portanto, que a agricultura pegasse carona nesses arranjos.

Isso significa, na pr�tica, respeitar as condi��es de que cada planta usufru�a em seu estado natural, como a quantidade de luz. O cafezeiro e o cacaueiro, por exemplo, s�o oriundos de florestas tropicais, onde conviviam com �rvores bem mais altas antes de serem cultivados pelos humanos. Em sistemas agroflorestais, portanto, eles sempre est�o � sombra de outras esp�cies — o que faz com que produzam mais e melhor, segundo G�tsch.
O mesmo vale para v�rias outras plantas hoje cultivadas a sol pleno pela maioria dos agricultores, como o abacaxi, a laranja e a banana, mas que G�tsch aloca em diferentes "andares" de sua agrofloresta.
O sistema busca otimizar o espa�o: em vez de preencher um terreno com uma �nica esp�cie de determinada altura, produzem-se alimentos em v�rios estratos, com copas de �rvores e plantas sobrepostas.
Para ele, ao contr�rio do que muitos pensam, as rela��es entre esp�cies em ambientes naturais n�o se baseiam na concorr�ncia e na competi��o, mas sim no "amor incondicional e na coopera��o".
"N�s n�o somos a esp�cie inteligente, n�s fazemos parte de um macrossistema inteligente", diz. "Eu nunca fui roubado por uma planta, elas n�o mentem. A �tica delas � perfeita, voc� pode confiar", prossegue.
A no��o se aplica at� mesmo a insetos, v�rus e fungos que muitos agricultores encaram como pragas, mas que G�tsch v� como "amigos mensageiros".

Segundo o su��o, a presen�a deles em suas agroflorestas sinaliza que h� algum ponto a melhorar, j� que eles s� agiriam quando as plantas experimentam condi��es imperfeitas.
Podem ainda indicar que as plantas atacadas j� cumpriram seu ciclo — nesse caso, ajudam a reciclar nutrientes para que a vida se renove.
Por isso, ele rejeita radicalmente o uso de agrot�xicos. E tamb�m dispensa fertilizantes qu�micos, pois diz que eles deixam os agricultores dependentes dos fabricantes e s�o desnecess�rios, j� que a grande oferta de mat�ria org�nica em seus sistemas supre plenamente as plantas.
Contra a Revolu��o Verde
Com a chamada Revolu��o Verde, por�m, boa parte dos agricultores mundo afora tomou outro caminho.
A partir dos anos 1930, o uso de fertilizantes qu�micos, agrot�xicos e de m�quinas se popularizou nas planta��es, aproximando a atividade agr�cola da industrial.
�reas antes ocupadas por ricos ecossistemas passaram a abrigar extensas planta��es de uma s� esp�cie — caso da soja que hoje avan�a por v�rios biomas brasileiros.
Defensores do modelo afirmam que as inova��es foram essenciais para atender a uma crescente popula��o global — e que � poss�vel usar produtos qu�micos nas lavouras com seguran�a.
Mas G�tsch avalia que os m�todos s�o insustent�veis. Para ele, al�m de empobrecer as paisagens, gerar polui��o e ignorar os ambientes naturais, a agricultura industrial moderna tem um grave problema: num mundo de recursos finitos, exige muito para funcionar e devolve pouco.

Nas palavras de G�tsch, trata-se de um modelo com "balan�o energ�tico negativo", na qual a produ��o dos alimentos consome mais calorias do que gera.
A conta considera a energia gasta com combust�veis por m�quinas agr�colas e com atividades industriais e de minera��o para produzir os fertilizantes e agrot�xicos usados nas planta��es.
No livro Agricultura Org�nica , de 2015, o agr�nomo Jacimar Luis de Souza diz que, em m�dia, a agricultura brasileira gasta 2,6 quilocalorias para produzir 1 quilocaloria de alimentos.
"A conta n�o fecha", diz G�tsch.
'Agricultura sintr�pica'
A busca por um balan�o energ�tico positivo explica a express�o "agricultura sintr�pica" com que G�tsch batizou seu m�todo, inicialmente conhecido como "agrofloresta" ou "agrofloresta sucessional".
O termo "sintropia" dialoga com um conceito da F�sica, a entropia, que mede a desordem das part�culas de um sistema e sua capacidade de dissipar energia.
A sintropia, ao contr�rio, diz respeito � capacidade do sistema de acumular energia conforme ele se organiza e fica mais complexo.
A agricultura sintr�pica, portanto, busca tornar os sistemas agr�colas cada vez mais complexos, com cada vez mais energia acumulada.
Segundo G�tsch, hoje os humanos e seus animais de cria��o s�o os �nicos seres a tirar mais do planeta do que lhe oferecem. Da� sua defesa de um modelo agr�cola que mude o quadro.
"Enquanto n�o conseguirmos suprir as necessidades di�rias do nosso metabolismo de um modo que seja ben�fico para o ecossistema, como todas as outras esp�cies fazem, n�o vamos ter futuro", afirma.

Capim africano e eucalipto
No entanto, como j� destru�mos muitos biomas e afugentamos os animais silvestres, G�tsch defende alguns atalhos para reverter os preju�zos e acelerar a transi��o para um novo modelo.
Um deles � podar intensamente as plantas — cumprindo um papel que, em florestas saud�veis, dividir�amos com v�rias outras esp�cies. Para isso, ele se vale inclusive de motosserras.
As podas t�m tr�s fun��es principais, segundo G�tsch: usar galhos e folhas para melhorar a qualidade do solo, regular a entrada de luz e for�ar o sistema a se desenvolver mais rapidamente.
O outro atalho, mais pol�mico, � n�o se ater �s esp�cies nativas das regi�es onde as agroflorestas s�o implantadas. Em sua propriedade na Bahia, por exemplo, ele diz cultivar uma "Amatl�ntica", pois a maioria das esp�cies presentes adv�m da Amaz�nia ou da Mata Atl�ntica, o bioma local, embora tamb�m haja plantas africanas, europeias e asi�ticas.
Ele afirma que "plantas n�o reconhecem fronteiras" e podem conviver harmoniosamente mesmo que oriundas de ecossistemas diferentes, desde que ocupem os estratos apropriados e recebam os nutrientes necess�rios.
Para ele, at� mesmo esp�cies vistas como invasoras, como o eucalipto, a leucena e capins africanos, podem ter pap�is importantes em agroflorestas brasileiras.
Isso porque essas esp�cies s�o pouco exigentes e produzem bastante mat�ria org�nica. Ao serem podadas com frequ�ncia, ficam sob controle e permitem que agroflorestas implantadas em solos degradados evoluam mais rapidamente, diz ele.
Trabalhos no exterior
Hoje seguidores de G�tsch aplicam seus m�todos em v�rias partes do Brasil e do mundo.
Ele come�ou a dar cursos em 1989 a convite do ent�o Minist�rio da Reforma Agr�ria, no governo Jos� Sarney.
Depois trabalhou com outras institui��es de governo, ONGs e cooperativas — como o Centro de Desenvolvimento Agroecol�gico Sabi�, a Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e a Cooperafloresta (Cooperativa de Agricultores Agroflorestais de Barra do Turvo).
Tamb�m lecionou em outros pa�ses, como Espanha, Portugal e Alemanha.

Na Bol�via, G�tsch compartilhou suas t�cnicas com uma organiza��o, a Ecotop, que � hoje uma das principais difusoras de sistemas agroflorestais no mundo, com projetos em v�rios pa�ses da �sia, �frica e Am�rica Latina.
Ele estima que mais de 10 mil pessoas j� tenham passado por suas aulas ou por cursos dados por ex-alunos. Um de seus pupilos, o educador Namast� Messerschmidt, � hoje consultor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), que tem estimulado a implanta��o de agroflorestas em assentamentos da reforma agr�ria.
Trabalho com multinacionais
Outras parcerias de G�tsch s�o vistas com reserva por alguns em seu universo.
Entre 1993 e 1998, ele foi contratado pela fabricante de pneus francesa Michelin para desenvolver sistemas agroflorestais na Bahia focados na seringueira, que produz a borracha.
Em 2013, come�ou a assessorar a Fazenda Toca, que fornece alimentos org�nicos para o Grupo P�o de A��car.
Os trabalhos com grandes empresas deram mais visibilidade ao su��o, mas geraram questionamentos entre quem os considerou uma contradi��o.
Para algu�m que luta contra a corrente, faz sentido se aliar a empresas bilion�rias?
G�tsch diz que as parcerias foram oportunidades para aplicar seus m�todos em grande escala, algo que considera essencial para superar o modelo agr�cola dominante. Nessa miss�o, ali�s, tem tentado desenvolver m�quinas que facilitem o manejo de grandes agroflorestas, embora se queixe do pouco interesse das fabricantes.
Ele afirma ainda que, paradoxalmente, os trabalhos com os grandes ajudaram a difundir seus m�todos entre os pequenos.
"O pequeno, quando v� o vizinho grande fazendo alguma coisa, ele tem confian�a de que aquilo funciona", afirma.
"Antes eu era considerado um maluco. A partir daquele momento, come�aram a dizer: 'o gringo est� fazendo uma coisa interessante'".

Movimento global
A agricultura sintr�pica de Ernst G�tsch integra um movimento global que abarca v�rias outras escolas e conceitos semelhantes, como a agricultura regenetativa, a agricultura biodin�mica, a agroecologia, a permacultura e os sistemas agroflorest (SAFs).
Esses sistemas t�m sido apontados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudan�as Clim�ticas (IPCC) como ferramentas para o combate � crise do clima, pois retiram da atmosfera grande quantidade de g�s carb�nico, principal g�s causador do efeito estufa.
Eles tamb�m s�o classificados como �teis para a adapta��o aos efeitos das mudan�as do clima. Em seu relat�rio de 2019, o IPCC afirmou que "sistemas agroflorestais podem contribuir com a melhora da produtividade de alimentos ao mesmo tempo em que ampliam a conserva��o da biodiversidade, o equil�brio ecol�gico e a restaura��o sob condi��es clim�ticas em muta��o".
Mas quanto da populariza��o desses m�todos se deve a G�tsch?
E n�o seriam esses sistemas deriva��es de pr�ticas de povos ind�genas, que h� s�culos cultivam seus alimentos em florestas biodiversas?

Para Tatiana S�, uma das mais experientes pesquisadoras da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu�ria), G�tsch "trouxe muitas coisas positivas" e "deu visibilidade sobre o potencial de sistemas que j� vinham sendo tratados de outras formas, mas sem o jarg�o sintropia".
Para ela, o su��o veio ao Brasil muito focado em testar seus m�todos "e foi aproveitando oportunidades". "Ele come�ou a ter nichos de reconhecimento e recebeu muito espa�o midi�tico", diz S�.
Afirma ainda que os m�todos do su��o t�m respaldo cient�fico, ainda que ele n�o tenha forma��o acad�mica.
Por�m, segundo ela, ao trabalhar com grandes, G�tsch pode t�-los ajudado a se "apropriar de conceitos como agroecologia e sintropia" enquanto lucram com o modelo agr�cola dominante.
E diz que G�tsch poderia "dialogar mais com outras formas de conhecimento" e se abrir mais a movimentos sociais do campo.

Num meio onde ideais de esquerda predominam, o su��o fala pouco de pol�tica e exp�e vis�es que dificultam enquadr�-lo em alguma corrente.
Por um lado, critica o PT por ter implantado pol�ticas que, segundo ele, deixaram os agricultores � espera de solu��es vindas do governo, em vez de busc�-las por conta pr�pria.
Por outro, tampouco se identifica com o atual governo. Questionado sobre o presidente Jair Bolsonaro, responde, aos risos: "N�o � uma das pessoas mais inteligentes que eu conhe�o".
G�tsch rejeita ainda a dicotomia entre agroneg�cio e pequenos agricultores, pois diz que muitas propriedades familiares hoje tamb�m adotam pr�ticas nocivas ao meio ambiente, como o uso de agrot�xicos.
"Tem muita gente fazendo errado dos dois lados", diz.

Ribeirinhos e ind�genas
Para Osvaldo Kato, outro experiente pesquisador da Embrapa, G�tsch deu grande contribui��o ao compartilhar suas t�cnicas de maneira did�tica. Ele afirma que o su��o lecionou em v�rios cursos de capacita��o da Embrapa entre 2005 e 2015.
"O trabalho dele � muito pr�tico. Ele mostra como fazer, como manejar, e leva isso para as comunidades e os grupos de interesse", diz.
Kato � membro de outra fam�lia que se destacou com sistemas agroflorestais no Brasil. Seus antepassados migraram nos anos 1920 do Jap�o para Tom�-A�u, no Par�.
L�, depois de tentativas frustradas de cultivar pimenta-do-reino em monocultura, passaram a observar como ind�genas e ribeirinhos da regi�o plantavam v�rios alimentos para consumo pr�prio em meio � floresta.
Os japoneses come�aram ent�o a replicar e a sistematizar esse modelo, com foco comercial.
Hoje a Cooperativa Agr�cola Mista de Tom�-A�u (Camta), fundada por membros da comunidade, � uma refer�ncia no Brasil na produ��o agroflorestal de frutas.
Para Kato, h� princ�pios semelhantes entre a agricultura de ind�genas e ribeirinhos e a praticada por G�tsch e pela col�nia japonesa de Tom�-A�u, como a grande diversidade de esp�cies e a dispensa de insumos externos.
A diferen�a principal, diz ele, � a maneira como se renovam as planta��es nos sistemas. Na agricultura ind�gena, as �reas s�o abandonadas ap�s a colheita para que se regenerem naturalmente, e parte-se para a abertura de novas ro�as em outros locais, normalmente com o aux�lio do fogo.
J� nos sistemas de G�tsch e de Tom�-A�u, n�o � necess�rio esperar a regenera��o natural e o fogo jamais � empregado. Nesses modelos, quando uma agrofloresta chega � maturidade, � poss�vel abrir clareiras no mesmo local para reiniciar o processo, aproveitando a fase inicial para cultivar alimentos que exigem mais luz, como hortali�as, milho e mandioca. Depois, conforme o sistema avan�a, privilegiam-se frutas e a extra��o de madeira.

Segundo Kato, o manejo sem fogo � uma grande vantagem das agroflorestas, j� que as queimadas geram emiss�es de g�s carb�nico, empobrecem o solo e podem fugir do controle. Al�m disso, ele afirma que a possibilidade de cultivar a mesma �rea repetidas vezes e sem interrup��es � valiosa num momento em que a popula��o e a demanda por comida aumentam.
"Quando havia muita terra e menos gente, dava para deixar as �reas em pousio (repouso) at� voltar a cultivar o alimento l�, mas n�o d� mais tempo de fazer isso", afirma
G�tsch reconhece que suas filosofias t�m semelhan�as com as de ind�genas. "No mundo inteiro, h� fra��es das popula��es que t�m uma rela��o mais harmoniosa com a natureza", diz.
Ele elogia ainda os povos nativos das Am�ricas por terem nos legado plantas "que achamos que s�o naturais, mas s�o cultivadas do M�xico � Bol�via, do Equador ao Amap�", entre as quais o carro-chefe de sua planta��o, o cacau.
Reflorestar desertos

Depois de ensinar tantos a "plantar �gua", o que G�tsch planeja para o futuro?
"Estou me dedicando a passar aquilo que achei significante para as futuras gera��es", conta.
Nos �ltimos anos, ele construiu alojamentos na fazenda para receber os alunos, a quem chama de "estagi�rios".
Muitos v�m de grandes cidades e t�m pouca ou nenhuma pr�tica com agricultura - fatores que, segundo G�tsch, permitem que aceitem mais facilmente seus conceitos.
Mas o su��o tem tamb�m planos mais ousados. Ele diz que, ao ajudar a implantar agroflorestas no Semi�rido brasileiro sem a necessidade de irriga��o, passou a querer reflorestar um deserto.
Ele diz ter iniciado conversas com o governo da Ar�bia Saudita para ajudar a trazer o verde de volta a partes do pa�s hoje ocupadas por desertos.
As tratativas avan�am lentamente por causa da pandemia, mas ele diz esperar um desfecho em breve.
"Quando voc� para de sonhar, n�o vive mais", diz G�tsch.
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