A intelig�ncia artificial pode fazer muitas coisas melhor do que n�s, mas n�o consegue copiar certas caracter�sticas humanas
H� centenas de anos, o ser humano vem estudando e tentando elucidar o que o distingue dos animais. A Biologia, a Sociologia, a Antropologia e at� a Filosofia se alimentam desta quest�o existencial. O pr�prio Direito j� estabeleceu que certos grupos de animais, em certas circunst�ncias, podem ser considerados “pessoas jur�dicas”.
E a intelig�ncia artificial? Ter� ela direitos? Ter� direito... � vida?
O desenvolvimento hipers�nico da intelig�ncia artificial fez surgir um novo elemento — talvez O Quinto Elemento, como no filme de 1997 — que n�o � feito nem de terra, nem de fogo, nem de ar e nem de �gua. Trata-se da antivida — a intelig�ncia artificial que obriga a humanidade a confrontar-se com um superpoder criado por ela pr�pria.
A intelig�ncia artificial supera sem pestanejar o teste de Turing, a cl�ssica ferramenta de avalia��o da capacidade das m�quinas de exibir comportamento inteligente.
No filme Blade Runner – O Ca�ador de Androides (1982), j� era dif�cil diferenciar os seres humanos dos rob�s.
Quase sempre, a emo��o era o fator humano que fazia com que os rob�s e as m�quinas ca�ssem na armadilha e se revelassem, embora as l�grimas na chuva do androide replicante Roy Batty sejam as mais emocionantes da hist�ria da fic��o cient�fica no cinema.
Mas o que ir� acontecer a partir de agora? O que ser� humano quando a intelig�ncia artificial ocupar tudo? Que teste iremos inventar para detect�-la?

Os seres humanos podem transferir algumas de suas caracter�sticas para a IA, mas ela n�o pode ger�-las sem ajuda
Getty Images1. A gera��o espont�nea
O ser humano � um criador espont�neo do todo. Uma pessoa pode acordar algum dia e imaginar uma ideia, uma hist�ria ou um poema, um pensamento criativo.
A partir da sua hist�ria pessoal, o ser humano cria novos conhecimentos, novas hist�rias e novas experi�ncias. E n�o existe Intelig�ncia artificial que gere conhecimento ou realize a��es espontaneamente.
Em um artigo publicado na revista Nature, os cientistas Miguel Aguilera e Manuel Bedia, da Universidade de Zaragoza, na Espanha, conclu�ram que � poss�vel chegar a uma intelig�ncia que gere mecanismos para adaptar-se �s circunst�ncias.
Isso poderia ser similar � a��o espont�nea, mas est� distante de ser um ato produzido pela vontade. Toda a��o realizada pela intelig�ncia artificial � projetada e programada por uma pessoa.
Por isso, improvisar em uma banda de jazz continuar� sendo privil�gio dos seres humanos.

No filme Blade Runner %u2013 O Ca�ador de Androides (1982), � poss�vel distinguir as m�quinas dos seres humanos porque elas n�o t�m sentimentos
Getty Images2. A regra da �tica
O que nos leva � segunda grande diferen�a: a �tica.A intelig�ncia artificial e as m�quinas, intrinsecamente, n�o t�m �tica. � preciso incuti-la. Elas seguem apenas par�metros pr�-estabelecidos, regras claras e precisas do que precisa ser feito.
O ser humano disp�e de um regulamento (constitui��o, leis, religi�o etc.) sobre o que deve fazer e tamb�m tem claro o que n�o deve fazer. Mas a �tica � mais do que um regulamento; ela vai al�m da simples orienta��o.
A �tica �, nada mais, nada menos, o discernimento entre o bem e o mal. Ela � t�o importante na nossa esp�cie que j� se descobriu que beb�s de cinco meses fazem julgamentos morais e agem de acordo com eles.
Quem tem �tica s�o as pessoas que programam as m�quinas e a intelig�ncia artificial.
Uma m�quina n�o � boa, nem ruim. Ela � eficaz. Ela faz o que a mandam fazer e para o que foi programada.
� claro que � poss�vel programar �tica. O f�sico espanhol Jos� Ignacio Lattore explica esta quest�o no seu livro �tica para M�quinas. Para ele, “a intelig�ncia artificial ir� se sentar no Conselho de Ministros”.
Atualmente, o ChatGPT est� programado para n�o difundir conte�do sens�vel e n�o oferece acesso � deep web. Por isso, � poss�vel programar com base nas ideias de ser e do que deve ser. No entanto, � medida que o tempo passa e os par�metros �ticos se modificam, eles devem ser corrigidos para que a base normativa da intelig�ncia artificial v� ao encontro � do ser humano.

Al�m dos sentimentos, a inten��o e a espontaneidade s�o outras caracter�sticas humanas que a IA aparentemente n�o conseguir� copiar, segundo os especialistas
Getty Images3. A inten��o s� pode ser humana
Outro aspecto importante � a inten��o, e a inten��o das a��es humanas est� intrinsecamente relacionada com a moralidade.No seu livro Inten��o, a fil�sofa brit�nica Elizabeth Anscombe (1919-2001) defende que a inten��o n�o pode se restringir a meros desejos ou estados psicol�gicos internos.
Para ela, a inten��o � uma caracter�stica essencial da a��o e est� intrinsecamente relacionada com a responsabilidade moral. Por isso, n�o � poss�vel separar a inten��o da a��o propriamente dita, determinando se um ato � moralmente correto ou incorreto.
Elizabeth Anscombe critica as teorias �ticas centralizadas apenas nas consequ�ncias das a��es, sem considerar a inten��o que as antecipa.
Por n�o possuir �tica e moral, a intelig�ncia artificial n�o possui inten��o. A inten��o continua sendo restrita ao programador.
Mas cada um dos tr�s aspectos listados at� aqui exige p�ginas e mais p�ginas para esclarecimento.

Filmes como O Exterminador do Futuro apresentam a intelig�ncia artificial como um risco para a sobreviv�ncia da humanidade
Getty Images4. Sem remoer-se e sem problemas psicol�gicos
- Intelig�ncia artificial: o paradoxo que explica por que rob�s acham f�cil o que � dif�cil e dif�cil o que � f�cil
As diferen�as s�o claras. A IA n�o tem experi�ncias, nem hist�ria. N�o tem psicologia, nem problemas psicol�gicos. N�o fica remoendo suas a��es, o que � um aspecto fundamental da sua separa��o da �tica e da moral.
A IA n�o ama, nem � amada. N�o sofre, nem sente dor. N�o tem opini�o pr�pria, porque nada � pr�prio dela.
Se o ChatGPT sair de moda (o que duvido) e n�o for mais consultado, sua exist�ncia � in�til. Ele s� existe se for �til para o ser humano. N�o tem identidade – sua identidade � uma constru��o humana.
A IA tamb�m pode ser destrutiva. Ela pode n�o s� eliminar milh�es de empregos em todo o mundo, mas tamb�m causar uma posi��o reduzida no mundo produtivo, sem falar nas especula��es apocal�pticas da fic��o cient�fica.
Por fim, tudo depende do pr�prio ser humano. A decis�o de utilizar a intelig�ncia artificial como ferramenta construtiva ou destrutiva est� em nossas m�os.
Mas, se algu�m, no futuro pr�ximo, duvidar da sua natureza, vamos incluir na sua alma sint�tica uma armadilha – um piscar de olhos que nos recorde, em caso de necessidade, que estamos tratando com um elemento n�o humano: um quinto elemento.
* Agust�n Joel Fernandes Cabal � pesquisador em p�s-doutorado em filosofia da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de not�cias acad�micas The Conversation e republicado sob licen�a Creative Commons. Leia aqui a vers�o original em espanhol.
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