Com menos de um mês no ar, precisamente em 11 de dezembro de 1955, a Itacolomi fez sua primeira transmissão esportiva. Se tratou da partida entre Atlético e Villa Nova, no antigo Estádio de Lourdes, em Belo Horizonte. Para os atleticanos, o jogo é memorável pois o resultado – goleada dos mandantes por 4 a 1 – fez o time avançar no triangular final do Campeonato Mineiro daquele ano, no qual foi campeão.

Para a história da mídia mineira, o jogo foi histórico por ter sido a primeira partida de futebol transmitida na televisão. Para os profissionais da Itacolomi, a importância foi ímpar: mostrou que estavam preparados para se aventurar fora dos estúdios no Edifício Acaiaca e, pelo carro de transmissão, levar o mundo aos telespectadores.

Na terceira reportagem da série especial dos 70 anos da TV Itacolomi, o Estado de Minas relembra como a emoção dos esportes pela imagem começou a chegar na casa dos mineiros.

(Confira as outras matérias deste especial no final do texto)

Soluções inovadoras

O maior entusiasmado com a primeira transmissão esportiva da Itacolomi foi Victor Purri, então diretor de engenharia da emissora. O profissional mineiro havia sido o grande responsável por instalar toda a parte técnica da Itacolomi, o que por si só foi um feito notável, já que sua equipe foi a primeira a levantar uma emissora de televisão no Brasil sem contar com técnicos de outros países.

Mas Purri se propôs outro desafio: transmitir um jogo realizado além da capital. A partida em questão era entre Atlético e Siderúrgica, disputada no campo da Prainha do Ó, em Sabará, na região metropolitana. A façanha era significativa: enquanto o primeiro jogo, em Lourdes, foi a 1,5 quilômetro do Edifício Acaiaca, a segunda partida aconteceu a 13 quilômetros de distância.

Para transmitir o sinal, Purri teve uma ideia ousada: instalar um refletor de micro-ondas, de 10 metros de altura por 10 metros de largura, no alto da Serra do Curral. O sinal seria enviado para lá e refletido para a antena da Itacolomi, no Centro de BH.

A colocação do equipamento foi árdua, pois, pela localização ser um tanto remota, foi necessário usar burros de carga para levar as peças do refletor. No fim, a experiência deu certo, e, por cartas, os espectadores parabenizaram a emissora pelo feito.

Do telhado para a telinha

A jornada esportiva da Itacolomi logo se estabeleceu e virou sucesso de audiência. Contudo, logo surgiu o temor, entre os dirigentes dos clubes, de que as transmissões pudessem afastar o público dos estádios de futebol – isso em uma época antes dos patrocínios e com os valores da bilheteria ocupando enorme parte da receita das equipes.

O primeiro clube que tentou agir nesta linha foi o Cruzeiro. A diretoria do clube celeste, no fim de 1957, quando o futebol mineiro enfrentava uma crise financeira, enviou um ofício à Itacolomi no qual comunicava a proibição de transmissão das partidas realizadas em seu campo na Rua Araguari, no Barro Preto.

Afrontados com a decisão, pois o conselho formado por representantes dos 10 clubes da primeira divisão do Campeonato Mineiro havia dado liberação para a transmissão dos jogos nos estádios, os diretores da Itacolomi resolveram que não deixariam barato e transmitiriam, de um jeito ou de outro, a próxima partida do Cruzeiro, no caso contra a Siderúrgica. Depois de alguns estudos, a emissora contornou o problema e transmitiu o jogo direto do telhado de um prédio de três andares vizinho ao estádio.

Uma reportagem do Estado de Minas, de 5 de novembro daquele ano, revelou detalhes da transmissão. “Daquele ponto, malgrado os estratagemas usados pela atuação da direção do Cruzeiro, como a colocação de alguns e ridículos cobertores atrás do gol, e uso de espelhos para refletir nas lentes das câmeras os raios de sol, a pino, a partida foi transmitida”, diz um trecho da matéria.

Algum tempo depois, a resistência do clube celeste diminuiu, até porque, conforme relatado na reportagem, a partida teve um dos melhores públicos da temporada mesmo com a transmissão televisiva. Contudo, a relação com a Federação Mineira de Futebol (FMF) só foi se apaziguar em meados da década de 1960, quando surgiu o videotape, equipamento que permitia a gravação de programas e das transmissões esportivas. Isso fez ser criado um acordo no qual os jogos na capital eram transmitidos ao vivo apenas para o interior, enquanto que o VT (sigla para videotape) ia ao ar em Belo Horizonte apenas à noite. O contrário também acontecia, com os belo-horizontinos podendo assistir aos jogos do seu time fora da cidade.

A chegada do videotape trouxe também duas grandes oportunidades para a emissora. A primeira foi que começou a “chover” pedidos de prefeitos de cidades do interior, que relatavam o desejo dos moradores de poder acompanhar as partidas dos times da capital. A segunda oportunidade foi que, com a tecnologia, era possível transmitir a gravação dos jogos de times mineiros fora do estado – a logística é que era um desafio, já que a fita precisava chegar “voando”, literalmente, para ir ao ar horas depois que a partida terminasse.

Em 1957, dirigentes do Cruzeiro tentaram impedir a transmissão de uma partida contra a Siderúrgica no campo do Barro Preto Arquivo TV Itacolomi
Câmera da TV Itacolomi em cima de prédio de três andares para transmitir jogo do Cruzeiro Arquivo TV Itacolomi
Dirigentes do Cruzeiro mandaram colocar espelhos próximo aos gols para que a luz do sol refletisse nas câmeras da Itacolomi, prejudicando a transmissão Arquivo TV Itacolomi

Nomes marcantes

Erasmo Ângelo, de 84 anos, começou na Itacolomi no jornalismo geral. Seu deslocamento para o esporte, onde se destacou como repórter, aconteceu após a inauguração do Mineirão, em 1965, quando o futebol mineiro alcançou uma projeção nacional maior e a direção da emissora decidiu fortalecer a cobertura futebolística. Dessa nova geração se destacaram grandes jornalistas e comentaristas, como Paulo Papini, Xico Antunes, Magafa e J. A. Ferrari. A partir daí, a Itacolomi deixou de transmitir partidas isoladas dos clubes mineiros e passou a ter os campeonatos como parte integrante da grade de programação.

“Criou-se a transmissão constante de esportes. O Campeonato Mineiro, o Brasileirão, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, tudo isso foi ganhando força, e nós seguimos no esporte durante muitos anos”, conta Erasmo.

No meio desses nomes, que seguem lembrados com carinho pelos espectadores da Itacolomi, não se pode esquecer da dupla Fernando Sasso e Kafunga. Nas jornadas esportivas, como narrador e comentarista, respectivamente, ou nas mesas redondas do horário do almoço, as análises de Sasso e os comentários do experiente Kafunga, ex-goleiro do Atlético, repercutiam por todos os cantos da cidade.

“O 'Papo de Bola' dominava a praça pelo lado irônico do Kafunga, pela profundidade que ele tinha em temas picantes. Era a coisa mais gostosa de se ver. E o 'Bola na Área', pela sua grandiosidade, chegou a ter João Saldanha (ex-técnico da Seleção Brasileira) uns três meses como comentarista. Nós tivemos Yustrich (ex-treinador de América, Atlético e Cruzeiro) como comentarista. Tivemos os maiores personagens do mundo esportivo na TV Itacolomi”, relata Erasmo.

Nos primeiros anos da TV Itacolomi, não havia reportagem de rua. Os redatores recebiam e apuravam informações, e os locutores liam as notícias Imagem cedida/Erasmo Ângelo
"Indiozinho", mascote da TV Itacolomi, segue na lembrança dos antigos espectadores da emissora Acervo TV Itacolomi
Os estúdios da TV Itacolomi ficam no Edifício Acaiaca, no Centro de Belo Horizonte | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM
Equipe e veículo de transmissão de imagens externas | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM
Cena do programa Circo Itacolomi, transmitida em 1956 | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM - 1956
A TV Itacolomi foi pioneira na transmissão de jogos de futebol e transmitiu as primeiras imagens em cores de uma partida oficial de um campeonato Eugênio Silva/O Cruzeiro/Arquivo EM - 26/10/1964
Moradores de BH se reúnem em frente à loja da Televisão Mineira para ver as primeiras imagens transmitidas pela TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM - 15/7/1955
Musicais de época eram transmitidos pela TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Revista O Cruzeiro/Arquivo EM - 31/12/1955
O presidente Juscelino Kubitscheck discursou na solenidade de inauguração da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Revista O Cruzeiro/Arquivo EM - 8/11/1955
O jornalista Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados, durante a inauguração da TV Itacolomi, em BH | 70 anos da TV Itacolomi Revista O Cruzeiro/Acervo EM - 1955
O advogado, político e jornalista Pedro Aleixo durante entrevista a TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM
Apresentação do cantor Roberto Carlos no Minas Tênis Clube, no aniversário da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM - 10/11/1968
Na foto, musicais Philips da TV Itacolomi, em 1958 | 70 anos da TV Itacolomi Acervo Iannini/Divulgação
Cena do programa "Boliche Mobin" com os apresentadores Gilberto Amaral e Dulce Maria, exibido pela TV Itacolom | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM
Aguinaldo Rabelo e Dulce Maria, apresentadores do Programa Infantil "Mercadinho Mirim", exibido pela TV Itacolomi | TV Itacolomi Arquivo EM - 1957
Cena do Programa Infantil "Mercadinho Mirim", apresentado por Agnaldo Rabelo e Dulce Maria na TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM - 1957
A atriz Clausy Soares posa ao lado de maquete da sonda soviética Luna, em 3/10/1959 | 70 anos da TV Itacolomi Acervo Carlos Fabiano
Crianças no Programa de Elias Salomé, que foi ao ar em 18 de julho de 1956 | 70 anos da TV Itacolomi Acervo Carlos Fabiano
Dalva Righetti no Programa Brasa 4, apresentado entre 1966 e 1972 na TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi Arquivo pessoal
Zélia Marinho (Zelinha), apresentadora do programa infantil "Roda Gigante", da TV Itacolomi | 70 anos da TV Itacolomi O Cruzeiro/Arquivo EM
Jayme Gomide, apresentador da TV Itacolomi - 70 anos da TV Itacolomi Arquivo EM

'Repórter da camisa amarela'

A irreverência das jornadas esportivas feitas pela Itacolomi contagiavam o público, mas também deixavam marcas na própria equipe. O jornalista Ronan Ramos, de 83 anos, que o diga. Foi pela voz de Fernando Sasso, na locução de uma partida, que o então repórter de campo ganhou um apelido que o seguiu para sempre: “o repórter da camisa amarela”.

A origem do nome vem da relação que tinha com Pelé, que sempre o atendeu bem nas reportagens. “O patrocinador da nossa jornada esportiva era o Banco Nacional, que tinha Pelé como garoto propaganda. Quando estava no campo, eu fazia um sinal e ele, assim que tivesse uma brecha, se aproximava para fazer uma entrevista. Mas o câmera às vezes não me achava”, conta.

Para sanar o problema, uma agência de publicidade que atendia ao banco fez uma pesquisa e constatou que a cor amarela era mais fácil de ser distinguida em meio ao verde do campo de futebol. Presentearam, então, Ronan com uma camisa amarela, que ele passou a vestir mesmo sem o Pelé na partida.

Certo dia, num Atlético x Botafogo, Fernando Sasso acionou Ronan na transmissão como o “repórter da camisa amarela” – e repetiu o chamado no decorrer do jogo. “Entrei e passei as informações. No dia seguinte, todo lugar que eu ia em Belo Horizonte era 'olha aí o repórter da camisa amarela’. Foi assim, da noite pro dia, e pegou”, relata.

História vencedora

Durante os 25 anos em que esteve no ar, a Itacolomi levou aos espectadores o que aconteceu em seis copas do mundo e em seis olimpíadas – quando saiu do ar, a emissora se preparava para cobrir os Jogos Olímpicos de Moscou, em 1980.

Em 1970, a emissora fez uma megacobertura da Copa do Mundo e transmitiu ao vivo, com equipe in loco, a trajetória do Brasil na competição até a conquista do tricampeonato. Toda essa história, digna não só de aplausos, mas também de medalhas, abriu caminho para gerações de jornalistas e outros profissionais da cobertura esportiva mineira.

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Especial "70 anos da TV Itacolomi"

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