Na pandemia, Bolsonaro autorizou distribuição de medicamento proibido
Distribuição de substâncias sem registro da Anvisa pode configurar crime, com pena de 10 a 15 anos de reclusão
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Siga noDocumentos obtidos pela Polícia Federal (PF) indicam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) orientou a entrega para aliados de um medicamento não autorizado no Brasil, durante a crise da pandemia da COVID-19. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Segundo informações extraídas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, ele conseguiu adquirir uma carga do medicamento proxalutamida, um anti-androgênio não esteroidal produzido na China e em fase de testes para combate a alguns tipos de câncer. Depois disso, combinou diretamente com Bolsonaro a entrega do produto a diversos aliados. Até o momento, as defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro e Mauro Cid não comentaram o caso.
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Em 2021, apoiadores de Bolsonaro passaram a divulgar o uso do remédio como tratamento contra a COVID-19, com base em informações falsas. Até hoje, a substância não tem autorização de órgãos regulatórios internacionais nem no Brasil para qualquer finalidade.
A Anvisa chegou a permitir estudos clínicos com a proxalutamida voltados à COVID-19, mas suspendeu a importação após identificar irregularidades, incluindo remessas acima do permitido. Na época, o Ministério Público Federal iniciou investigação, concluindo que a importação maior possibilitou desvios das cargas do medicamento. O inquérito segue em andamento.
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Mensagens no WhatsApp revelam esquema
Mensagens de WhatsApp obtidas pela Polícia Federal mostram Bolsonaro envolvido diretamente na distribuição do medicamento. No dia 4 de junho de 2021, Mauro Cid enviou ao então presidente uma notícia sobre o pastor R. R. Soares, à época internado com COVID-19, e sugeriu o envio da proxalutamida. Bolsonaro respondeu apenas: “Aguarde”. Quatro dias depois, o pastor receberia alta.
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Em 13 de junho, Cid pediu nova autorização sem detalhar o destinatário, relatando depois que o remédio havia sido entregue à esposa de um aliado. Bolsonaro apenas agradeceu. No dia 21 do mesmo mês, Cid enviou áudio pedindo permissão para repassar o medicamento a outro paciente intubado.
“Um da minha turma, que é irmão da esposa do meu irmão, ele tá com corona entubado. Queria saber se eu podia mandar uma proxa pra ele tomar lá. Tem um voo hoje nove horas, que a gente pode mandar isso aí (sic)”, perguntou Mauro Cid. “Mande a Proxalutamida”, respondeu o ex-presidente.
Segundo investigadores ouvidos pelo Estadão, a distribuição de substâncias sem registro da Anvisa pode configurar crime previsto no artigo 273 do Código Penal, com pena de 10 a 15 anos de reclusão.
Pazuello e o incentivo à substância
O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, hoje deputado federal pelo PL-RJ, também participou da operação de distribuição. Mensagens mostram que Pazuello orientava Bolsonaro a divulgar a proxalutamida em lives e defendia o uso do medicamento como tratamento para COVID-19, apesar de não haver comprovação científica.
“Fala PR. Acho que o sr. podia falar hoje na live sobre a Proxalutamida. O senhor abriria o assunto com uma fala ‘preparada’ e depois o Hélio entraria com as questões técnicas/científicas!! Tem muito político tentando aparecer e já estão tentando puxar o protagonismo para eles!!”, escreveu Pazuello em uma mensagem no dia 8 de abril.
No mesmo mês, Mauro Cid relatou ter entregado o medicamento em Goiânia e outras cidades. “Força, general [se referindo a Pazuello]. Só pra passar pro senhor pro senhor ficar acompanhando, eu tô aqui em Goiânia e vim entregar o medicamento agora pro Uugton, é um empresário aqui dessas bandas sertanejas, e também pro irmão do Amado Batista. Tá, então já estamos com três pessoas pra fazer o acompanhamento aí. Força”.
Também há registros de envio à família do deputado Luciano Bivar, cuja esposa recebeu o remédio. Bivar confirmou a entrega, mas afirmou que o medicamento não chegou a ser usado.
Pesquisa irregular e investigação
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O médico Flávio Cadegiani, responsável por conduzir estudos com a proxalutamida, é mencionado em diálogos de Cid. Cadegiani afirmou que nunca orientou o uso do medicamento fora das pesquisas e que o excedente das importações foi devolvido à Anvisa.
No ano seguinte, a Polícia Federal deflagrou a Operação Duplo Cego para apurar crimes relacionados a contrabando, falsidade ideológica e distribuição de medicamentos sem registro, incluindo a atuação de Cadegiani.