PATRIMÔNIO

Projeto de tombamento da Serra do Curral avança após denúncia de lobby

Proposta de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT) é aprovada na CCJ da Assembleia Legislativa dois anos após ter sido travada

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O Projeto de Lei (PL) 1449/23, que cria uma unidade de conservação na Serra do Curral, na Grande BH, e impede a construção de obras e a exploração mineral na região, foi aprovado nesta terça-feira (23/9) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). 

A aprovação ocorre uma semana após a deflagração da Operação Rejeito, da Polícia Federal, que expôs um esquema de corrupção na mineração em Minas. A investigação apontou que o grupo criminoso atuava para barrar o projeto, temendo que o tombamento inviabilizasse seus planos de exploração da Serra.

Com a aprovação na CCJ, o PL agora segue para as comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Administração Pública. Se receber parecer favorável, estará apto a ser votado em plenário.

"Foi um grande avanço termos a aprovação desse projeto. Vamos seguir agora para que as comissões de mérito também cumpram a tarefa de debater o mérito, o conteúdo, e a gente consiga levar o projeto ao plenário", disse a deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do projeto.

Engavetada na casa por quase dois anos, a proposta sugere a criação do Monumento Natural Serra do Curral, uma unidade de conservação que abrange áreas de oito municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A medida é prevista pela lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).

O texto proíbe atividades como mineração, desmatamento, caça, queimadas e construções que não tenham relação direta com a preservação da unidade. O uso ficará restrito a fins educacionais, científicos, recreativos e turísticos sustentáveis, com diretrizes definidas em um Plano de Manejo a ser elaborado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF).

À imprensa, a deputada destacou o simbolismo da aprovação depois de o projeto ficar travado na pauta da comissão por dois anos. “O governo Zema engavetou o pedido de diligência por seis meses. Dois anos depois, nós conseguimos avançar e agora nosso projeto de proteção da Serra do Curral vai para as comissões de mérito", disse.

A parlamentar ainda chamou atenção para a postura do Executivo estadual em relação à agenda ambiental. “O governo Zema não criou uma única área de proteção ambiental nos seus sete anos de mandato. Ao contrário, sancionou proposições que reduziam áreas de proteção ambiental. Nós estamos trabalhando pela proteção apesar do governo”, destacou.

Trama para travar o projeto

Embora protocolado em 2023, o PL 1449/23 ficou parado na CCJ após pedido de diligência do relator Charles Santos (Republicanos) à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad). Pelo regimento da ALMG, o órgão tinha cinco dias para responder, mas a análise se arrastou por seis meses e voltou sem entrar no mérito.

Para a autora do projeto, esse episódio ilustra como um recurso legítimo do processo legislativo foi usado de forma distorcida para retardar a tramitação.

“As conversas estão lá, printadas (sic) no inquérito da PF. A aprovação pela comissão hoje foi muito importante, mas também é muito importante que as diligências cumpram a função regimental. Elas não podem ser utilizadas como ferramentas para impedir que um projeto avance”, criticou Beatriz, lembrando que as conversas interceptadas pela PF revelam como esse instrumento foi manipulado a serviço de mineradoras.

Mensagens obtidas pela operação mostraram diálogos entre o lobista político Gilberto Henrique Horta de Carvalho, preso na ação, e o ex-deputado João Alberto Paixão Lages, articulando para que o deputado Bruno Engler (PL), integrante da CCJ, pedisse vista caso o projeto fosse pautado. “Já tô aqui no Bruno”, respondeu o lobista em mensagem, confirmando presença no gabinete do parlamentar.

Ao Estado de Minas, Engler disse, por meio de uma nota, que recebeu “com surpresa a informação sobre a prisão do Gilberto” e que desconhecia “qualquer vínculo dele com práticas irregulares”. “Da minha parte, não houve pedido de vista nem qualquer tipo de ato para atrasar a tramitação do projeto citado”, afirmou o deputado.

Nos registros, Carvalho e Lages, discutem formas de barrar a tramitação. Em diálogo citado no despacho judicial, ao qual o EM teve acesso, Carvalho afirma que a proposta da deputada inviabilizaria de vez os planos de mineração na Serra do Curral. “O tamanho do parque mata todos os projetos. Pega até Sarzedo”, disse o lobista a Lages.

Para a Polícia Federal, os encontros entre Carvalho e Lages indicam “recebimento de vantagens indevidas pela conduta delituosa”. Carvalho, que se apresentava como consultor, chegou a receber R$ 700 mil de uma mineradora investigada, a Fleurs, autorizada a atuar na Serra do Curral em 2023 mesmo com histórico de irregularidades.

A Serra do Curral já foi alvo de pressões políticas em diferentes momentos da história. Tombada como paisagem cultural pelo Iphan em 1960 e como conjunto paisagístico pelo município de Belo Horizonte em 1991, teve um processo de destombamento parcial na década de 1960, para liberar áreas de Nova Lima à mineração. Hoje, apenas a porção da capital conta com proteção.

O tombamento integral em nível estadual está pendente desde 2017. Embora o dossiê técnico tenha sido concluído em 2020, com recursos públicos, o documento não foi votado pelo Conselho Estadual do Patrimônio (Conep).

Outro projeto fica no caminho

No mesmo dia em que aprovou o PL 1449/23, a CCJ também analisou o PL 480/23, de autoria de Doorgal Andrada (PRD), presidente da comissão. A proposta prevê a criação do Parque Metropolitano da Serra do Curral, conectando áreas de Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima em um grande corredor ecológico.

Relatado por Zé Laviola (Novo), o texto recebeu pedido de diligências para que o governo estadual se manifeste sobre sua viabilidade. O requerimento foi aprovado por maioria, com votos do próprio Doorgal, de Laviola, Thiago Cota (PDT) e Bruno Engler (PL). Com isso, a análise do projeto foi adiada.

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A iniciativa integra parques já existentes, como o das Mangabeiras, Aggeo Pio Sobrinho e Baleia, além de Áreas de Proteção Ambiental e matas naturais, com possibilidade de expansão para novas áreas de preservação. Também prevê gestão pelo IEF com apoio de um conselho consultivo formado por representantes do poder público e da sociedade civil.

(Com informações de Alessandra Mello)

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