Secretária detalha ameaças em licenciamento de mineradora: ‘Ando escoltada’
Em audiência marcada por tensão, a secretária de Estado de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo, contou que vive sob escolta há quase dois anos
compartilhe
Siga noConvidada para prestar esclarecimentos sobre as denúncias de fraudes e corrupção em licenciamentos ambientais, trazidas à tona pela Operação Rejeito, da Polícia Federal (PF), a secretária de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo, comentou a ameaça sofrida em meio ao processo de licenciamento da mineradora Fleurs Global, que atua na Serra do Curral, na Grande BH.
“Não é muito o meu perfil trazer essas questões, que podem parecer um processo de vitimização, mas eu de fato fui ameaçada durante o curso do processo de licenciamento da Fleurs. Há quase dois anos eu ando escoltada, diariamente”, disse, em audiência pública realizada nessa quinta-feira (25/9), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A operação da companhia era mantida, até o ano passado, por um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Desde o início dos trabalhos, na área entre os municípios de Raposos, Sabará e Nova Lima, o empreendimento minerário, composto por duas unidades de tratamento de minérios, pilha de disposição de rejeitos, além de outras estruturas administrativas e operacionais, foi alvo de disputas na Justiça.
Leia Mais
Algumas das ameaças contra a secretária partiram do ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages, à época presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil (AMF) e sócio da mineradora. Apontado como um dos líderes da organização criminosa investigada na Operação Rejeito, Lages foi preso na semana passada.
Antes disso, em dezembro de 2024, ele já havia sido indiciado pela Polícia Civil por ameaçar Marília. De acordo com o inquérito, o ex-parlamentar pressionou Marília a acelerar o licenciamento ambiental da planta de beneficiamento de minério da Fleurs Global, localizada na divisa de Raposos, Sabará e Nova Lima, ao pé da Serra do Curral e às margens do Rio das Velhas.
As mensagens de intimidação foram enviadas nos dias 23 e 24 de dezembro, logo após o cancelamento de uma audiência pública do processo. Em audiência pública, ela pontuou como a intimidação extrapolou o campo institucional. “Ouvir no Fantástico que uma ex-mulher foi orientada a se aproximar dos meus filhos, brincar com os meus filhos. É uma situação que mexe muito emocionalmente comigo”, comentou.
Operação Rejeito
As investigações da Polícia Federal mostram que Lages atuava como articulador político e institucional do grupo. Conversas interceptadas revelam que, em fevereiro de 2024, o lobista Gilberto Henrique Horta de Carvalho, também preso na operação, esteve no gabinete do deputado Bruno Engler (PL) para pedir vista de um projeto que ampliava a área de proteção da Serra do Curral por sugestão do ex-parlamentar.
Entre os detidos está o ex-presidente da Feam, Rodrigo Gonçalves Franco, acusado de receber pagamentos regulares para favorecer empresas em processos de licenciamento. Outros servidores de alto escalão também foram afastados, incluindo Breno Esteves Lasmar, então diretor-geral do Instituto Estadual de Florestas (IEF), e Arthur Ferreira Rezende Delfim, diretor de Regularização Ambiental da Feam.
Deflagrada em setembro, a Operação Rejeito já levou à prisão de 22 pessoas, entre empresários, lobistas e agentes públicos. O esquema teria rendido até agora R$ 1,5 bilhão em lucros ilegais e tinha projeção de alcançar R$ 18 bilhões.
Empresas investigadas
Ao longo da audiência, Marília também detalhou a situação das empresas mencionadas no inquérito da PF e fez questão de frisar que os processos de licenciamento vieram antes da sua gestão.
Sobre a Gute Sicht, que causou revolta ao escavar área tombada Serra do Curral, mesmo com embargos e multas diárias, disse que a companhia já aparecia em processos administrativos de 2020 operando de forma irregular, e que seu licenciamento foi arquivado em abril de 2024.
A respeito da Empabra, lembrou que a mineradora acumula infrações desde 1989 e ressaltou que nenhuma autorização foi concedida durante sua gestão. Um pedido de lavra foi negado em 2023, e atualmente a empresa discute com o Ministério Público o fechamento da mina em razão do extenso histórico de judicializações.
A própria Fleurs Global, centro das ameaças sofridas pela secretária, operou em administrações anteriores com base em Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). O processo de licenciamento chegou a ser autorizado pelo Conselho de Política Ambiental, mas acabou suspenso por decisão judicial.
Em Ouro Preto, a mineradora Patrimônio obteve licença junto à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), mas, após denúncias e imagens da destruição de uma caverna não mencionada no processo, a secretaria determinou o embargo imediato da área. Já a HG Mineração conseguiu licença da Feam, porém a autorização não tem efeito, pois ainda depende de manifestação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
- A teia que liga a caverna destruída em Ouro Preto à Serra do Curral, em BH
- Grupo que destruiu caverna anunciou ação sustentável ao chegar a Ouro Preto
Medidas pós operação
Marília frisou que, diante da decisão da Justiça, todas as licenças vigentes foram suspensas e agora passarão por auditoria externa. Tentou também deslocar responsabilidades para gestões anteriores, lembrando que o uso de TACs como solução para regularização ambiental “já estava enraizado” quando assumiu a pasta.
“Não havia controle sobre quantos estavam em vigor. Foi a primeira prática que determinei interromper. O tema de ajustamento de conduta é previsto na administração, mas ele tem que ser colocado no lugar dele. De ajustar uma conduta. Ele não pode ser utilizado como um método paralelo de regularização ambiental. A regularização ambiental tem que se dar pelo licenciamento”, declarou.
Ela ainda detalhou as ações já adotadas após a decisão judicial que determinou afastamentos e suspensões na pasta, diante da operação da PF que revelou fraudes e pagamento de propina pela liberação de licenciamentos ambientais. Entre elas está a contratação de uma auditoria técnica independente, que fará uma varredura nos atos de licenciamento e autorizações concedidas nos últimos anos.
“Estamos em processo de contratação de uma auditoria que possa nos apoiar na revisão de todos esses processos. A gente precisa de uma avaliação isenta, que inclusive subsidie a continuidade da investigação, caso seja identificada alguma avaliação inadequada, seja no licenciamento, na autorização de uso de água, de intervenção ambiental ou nas certidões citadas pela Justiça”, explicou.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
O governo estadual também confirmou, por meio do controlador-geral do Estado, Rodrigo Fontenelle, que seis processos de licenciamento ambiental estão sob investigação. Parte deles, disse Fontenelle, já está no radar do governo desde 2023. O controlador-geral, no entanto, evitou dar detalhes. “Informações sigilosas não podem ser compartilhadas neste momento. O que posso dizer é que há apurações envolvendo empresas como a Gute Sicht e a Fleurs Global”, declarou.