Cidades sem hospital gastaram milhões de emendas Pix em shows
Desde 2023, 33 municípios mineiros sem esse equipamento de saúde destinaram dinheiro público encaminhado por deputados para contratação de artistas
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Farra com dinheiro público em cidades que não oferecem o mínimo para a população. Levantamento exclusivo feito pelo Núcleo de Dados do EM mostra que 33 prefeituras mineiras sem hospital gastaram R$ 8,1 milhões em emendas Pix para o financiamento de shows de artistas renomados, a maior parte deles do gênero sertanejo. Os números são desde 2023. Também nesta segunda-feira (13), o EM mostrou que, considerando também os municípios com esse equipamento público básico de saúde, o estado torrou R$ 29 milhões via transferências especiais de deputados federais e estaduais em atrações musicais.
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Essas cidades somam 75 depósitos diferentes para artistas com emendas Pix, apesar de não oferecerem esse equipamento de saúde básico à população. No entanto, não é possível garantir a ocorrência de 75 shows necessariamente, já que alguns cachês são pagos até mesmo de maneira parcelada, diante do valor elevado.
Entre os municípios sem hospitais, o maior gasto com shows pagos com emendas fica por conta de Alpercata, no Vale do Rio Doce, com R$ 860 mil. Lá, aconteceram festividades promovidas por artistas como a dupla sertaneja Israel & Rodolffo e o conjunto Babado Novo.
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Na sequência, vem Sobrália, na mesma região, com R$ 850 mil. O município promoveu dois shows no período analisado, ambos de sertanejo: Leonardo e Marcos & Belutti.
Marilac, outra cidade do Vale do Rio Doce sem hospital, gastou R$ 718 mil em 10 shows pagos com emendas Pix. Na lista, estão artistas como o cantor Leonardo, a ex-BBB Gabi Martins e a dupla João Neto & Frederico.
O levantamento considera cruzamento de dados do Congresso Nacional, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Contas do estado e do Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).
Veja, abaixo, a lista das prefeituras em questão:
Especialistas
A prática não é ilegal, mas representa mau uso do dinheiro público na avaliação do cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo. “Esse mecanismo dá origem a uma série de distorções. Não estou falando de corrupção necessariamente, mas é de show que uma cidade pequena precisa?”, questiona.
Na visão da doutora em ciências políticas Juliana Fratini, o direcionamento de emendas Pix para a realização de shows é um “marketing de produto”. “Os deputados que buscam esses recursos para realização de shows querem proporcionar momentos agradáveis para o público. Querem proporcionar lembranças relativas a um típico marketing de produto que, no caso, o produto são eles próprios enquanto deputados”, diz.
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Os especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam a necessidade de uma intervenção constitucional, a partir do Supremo Tribunal Federal, para reverter o cenário e garantir maior transparência no processo de uso das emendas. Carlos Ranulfo, da UFMG, inclusive, defende o fim das emendas impositivas, aquelas que o Poder Executivo é obrigado a custear.
“No Brasil, o orçamento já vem bastante carimbado. Assim, a fatia de investimento para o Executivo é restrita. Se ele precisa ceder uma parte substantiva disso para os deputados, o uso desse recurso fica muito fragmentado. O Legislativo não é feito para executar o orçamento”, diz.
“Não existe nenhum outro país do mundo em que isso acontece. Agora, é óbvio que o Congresso não mudará isso. Uma vez que você ganha poder, raramente você devolve. Isso prejudica muito os presidentes, sejam eles de direita ou de esquerda. Se ano que vem, um candidato de direita vence a eleição, ele terá o mesmo problema (de relacionamento com o Congresso) que o Lula (PT) tem tido”, completa.