Pressionado pelo calendário e pela complexidade das negociações, Minas Gerais foi um dos principais beneficiados pelo decreto federal que prorrogou o prazo de adesão ao Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). A medida, porém, também alcança outros governos endividados, entre eles Rio de Janeiro, São Paulo, e Rio Grande do Sul, que agora ganham tempo para ajustar suas legislações locais e concluir tratativas com a União.
Até o momento, apenas Goiás concluiu o processo de adesão ao programa. Os outros estados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, ainda não deram início à tramitação dos projetos necessários e seguem à espera de definições em Brasília e apostam na derrubada dos vetos presidenciais à lei que criou o Propag. Juntos, os cinco estados, incluindo Minas Gerais, respondem por cerca de 90% das dívidas com a União.
Em Minas Gerais, cuja dívida com a União gira em torno de R$ 170 bilhões, a prorrogação é vista como uma nova janela de fôlego nas discussões em curso.
A revisão dos trechos barrados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é vista como essencial para ampliar as vantagens financeiras do acordo, mas ainda não há data prevista para que o Congresso Nacional analise o tema. A derrubada é, inclusive, uma das bandeiras defendidas pelo governador Romeu Zema (Novo), que seria diretamente beneficiado pela mudança. Para Minas, embora o efeito seja menor, os outros estados alegam perdas relevantes.
Em síntese, o Propag prevê descontos de juros e o parcelamento dos débitos com a União em até 30 anos. No entanto, ao sancionar a lei que criou o mecanismo, em janeiro, o presidente Lula vetou dispositivos considerados estratégicos pelos governadores. Entre os trechos barrados estão a possibilidade de abater parte das dívidas com receitas futuras e o uso de créditos a receber do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), criado para compensar eventuais perdas de arrecadação provocadas pela Reforma Tributária.
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O uso do FNDR facilitaria o acesso dos estados ao desconto máximo nos juros da dívida, mas o governo federal vetou o dispositivo por considerá-lo inconstitucional. Outro veto foi a não inclusão das dívidas garantidas, que são débitos com outras instituições financeiras e que estavam negociadas no Regime de Recuperação Fiscal (RRF).
Ao Estado de Minas, o deputado federal Zé Silva (Solidariedade), líder do Governo de Minas na Câmara dos Deputados, disse que a articulação pela derrubada dos vetos do Propag seguem “no radar”, mesmo com a prorrogação do prazo. No entanto, o parlamentar afirmou à reportagem que ainda não alinhou com o governador Romeu Zema quais serão as estratégias para as articulações.
“Os vetos colocam a condição do Estado muito pior em comparação ao projeto que foi aprovado, que é de autoria do senador Rodrigo Pacheco. Na próxima semana já está convocada a sessão do Congresso, eu fiz as primeiras movimentações para avaliar a relação da pauta, mas ainda não tem [definido]. Na próxima semana eu já irei alinhar com o governador em relação aos vetos”, disse o deputado.
Deputado federal Zé Silva (Solidariedade), líder do Governo de Minas na Câmara dos Deputados, disse que a articulação pela derrubada dos vetos do Propag seguem "no radar", mesmo com a prorrogação do prazo
Na avaliação do deputado Zé Silva, a prorrogação do prazo permitirá que Minas Gerais avance de forma mais consistente na elaboração da proposta de adesão e na definição dos ativos que serão oferecidos à União para abatimento da dívida. O parlamentar também destacou que há um entendimento comum entre os representantes mineiros em favor da derrubada dos vetos presidenciais.
“Acho difícil algum deputado de Minas votar contra a derrubada dos vetos. Há um consenso, uma unidade da bancada (mineira). Isso é suprapartidário, porque todos sabem que se não resolver a questão da dívida de Minas inviabiliza investimentos, a economia, a competitividade”, disse à reportagem.
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De acordo com o decreto publicado pelo governo federal na última semana, a principal alteração amplia o prazo para que os estados comuniquem ao Ministério da Fazenda a intenção de transferir participações societárias, um dos mecanismos aceitos para abatimento da dívida. O prazo, que se encerraria em outubro, foi prorrogado até 31 de dezembro de 2025, com possibilidade de conclusão das negociações até 31 de dezembro de 2026, nos casos em que houver interesse da União pelos ativos oferecidos.
O texto também determina que, a partir de agora, os governos estaduais poderão protocolar o pedido de ingresso no programa mesmo sem a aprovação prévia das leis estaduais que autorizam a transferência de ativos ou sem a apresentação dos laudos de avaliação das estatais. Essas pendências não impedirão o início do processo, mas deverão ser regularizadas antes da assinatura do contrato de refinanciamento.
Outra mudança relevante autoriza os estados a encaminhar estimativas próprias de valor das empresas públicas que pretendem utilizar como pagamento parcial da dívida, sem depender, de imediato, do laudo elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O documento definitivo do banco estatal permanece obrigatório, mas passa a ser exigido apenas na etapa final de negociação e assinatura dos contratos.
Com a nova regra, os estados poderão enviar ao Ministério da Fazenda uma estimativa preliminar de valor das participações societárias, acompanhada de minuta do acordo de transferência e parecer da Procuradoria-Geral do Estado. A nova medida deve agilizar a tramitação dos pedidos e destravar as adesões que estavam paralisadas ou caminham lentamente em razão dos entraves técnicos.
Na última quarta-feira, Zema disse que a prorrogação do prazo para adesão não muda os planos da gestão estadual. Segundo o governador, o objetivo é resolver “o mais rápido possível”.
“O prazo foi dilatado, mas nós, como bons mineiros, queremos chegar na estação bem antes para não perder o trem. A forma de trabalhar aqui é essa. Se tem que fazer, vamos fazer agora. Se tem que limpar, vamos limpar agora que já fica tudo pronto. [...] Queremos fazer o quanto antes, para que tudo fique planejado, pronto, com a maior antecedência possível. Se tiver algum imprevisto, como sempre ocorre, você ainda tem tempo de corrigir”, disse.
Até o momento, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) já deu aval à federalização da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) e da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), além de aprovar medidas preliminares para a adesão ao Propag, entre elas, a saída do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a autorização para concessão de créditos tributários e a compensação de créditos previdenciários.
Na última semana, a Assembleia Legislativa aprovou também, em primeiro turno, o projeto de lei que autoriza o governo de Minas a transferir parte de sua participação na empresa Minas Gerais Participações (MGI) para a União. A Comissão Especial também deu parecer favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que elimina a exigência de referendo popular para a privatização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e de sua subsidiária Copanor. Com a prorrogação dos prazos para adesão ao Propag, porém, o presidente da Casa, Tadeu Martins Leite (MDB), decidiu suspender, por enquanto, a votação em plenário da PEC.
Alguns parlamentares defendem que somente a federalização da Codemig, que detém direitos sobre a exploração minerária de uma das maiores minas de nióbio do mundo, seja suficiente para abater 20% da dívida de Minas e, assim, zerar os juros.
Os juros cobrados dos estados atualmente são fixados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação, mais 4% ao ano. Um dos mecanismos de amortização do estoque da dívida é a federalização de ativos que atinjam, ao menos, 20% do saldo devedor. Outros mecanismos podem reduzir os juros até o índice inflacionário. São eles: os compromissos anuais de investimento em educação profissionalizante, entre 0,5% e 2,0% do saldo devedor, e a contribuição para o Fundo de Equalização Federativa.
Os estados ainda devem cumprir regras de controle de despesas. Os valores gastos deverão ser limitados à variação do IPCA, acrescida de 50% ou 70% da variação real positiva da receita primária estadual.
Propag nos outros estados
Com a maior dívida entre os entes federativos, superior a R$ 290 bilhões, São Paulo foi um dos estados mais afetados pelos vetos presidenciais à lei do Propag. A exclusão do dispositivo que permitiria o uso do FNDR frustrou os planos do governo paulista, que via na medida uma oportunidade de aliviar o caixa e reduzir parte expressiva do passivo com a União.
Caso o trecho vetado fosse mantido, São Paulo poderia abater até 20% do valor total da dívida, contar com juro zero e reduzir a contribuição obrigatória ao Fundo de Equalização Federativa, mecanismo criado dentro do Propag para redistribuir parte da economia obtida com o refinanciamento.
Pelo modelo do programa, os estados que aderirem ao Propag devem destinar uma parcela da economia gerada com a redução dos juros a investimentos diretos e outra ao FEF, que repassa os recursos a unidades da federação em situação fiscal mais equilibrada, com o objetivo de estimular melhorias estruturais em todo o país. Sem o FNDR, porém, a adesão de São Paulo se torna menos atrativa, já que o aporte ao fundo compartilhado tende a ser maior.
O Rio de Janeiro também está entre os que mais pressionam pela derrubada dos vetos. O governo fluminense, que atualmente integra o RRF, enfrenta limitações financeiras e carece de ativos suficientes para atingir o abatimento máximo previsto no Propag. Hoje, o estado conta com uma liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autoriza o pagamento de parcelas reduzidas à União, medida que perde validade no fim deste ano.
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O cenário do Rio Grande do Sul é distinto. Após as enchentes que devastaram o estado em 2024, o Congresso Nacional autorizou a suspensão do pagamento da dívida com a União por três anos. Assim, embora precise avançar nas etapas preparatórias do Propag, a adesão efetiva só deve ocorrer a partir de 2027. Ainda assim, o governo gaúcho acompanha a discussão sobre os vetos, já que um dos dispositivos barrados garantiria ao estado a dispensa de repasses ao fundo compartilhado entre os entes participantes.
Os governos estaduais não se manifestaram sobre a prorrogação dos prazos, à exceção de São Paulo. A Secretaria da Fazenda paulista afirmou que o estado “analisará este segundo decreto de regulamentação do Propag, avaliando seus impactos e eventuais ajustes necessários para subsidiar decisões futuras”.