Autodiagnóstico: falar de saúde mental nas redes gera desinformação?
Enquanto 77% dos brasileiros reconhecem importância do cuidado psicológico, especialistas alertam para riscos em meio à conscientização sobre o tema
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Siga noNos últimos anos, uma maior abertura para a discussão de temas ligados à saúde mental resultou em mais diagnósticos e busca por tratamento. Pesquisa da Ipsos aponta que 77% dos brasileiros já refletiram sobre a importância de cuidar da saúde mental. Na pandemia, em 2021, o tema foi o mais citado por 40% dos entrevistados. Em 2022 e 2023, foram 49%, e em 2024, um novo pico com 54%.
No entanto, a visibilidade dada ao tema principalmente nas redes sociais tem levado a autodiagnósticos ou conclusões errôneas. Levantamento do jornal britânico The Guardian, em maio, compartilhou os top 100 vídeos postados no TikTok com a #mentalhealthtips (dicas para saude mental, em tradução livre) com psicólogos, psiquiatras e especialistas acadêmicos. Eles concluíram que 52 dos 100 vídeos que ofereciam conselhos sobre como lidar com traumas, neurodivergência, ansiedade, depressão e doenças mentais graves continham algum nível de desinformação, e que muitos outros eram vagos ou pouco úteis.
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Gabriela Inthurn, professora e coordenadora do curso de psicologia da UNIASSELVI de Guaramirim, acredita que entre os principais fatores que têm incentivado a disseminação de autodiagnósticos nas redes sociais e o uso indiscriminado de medicamentos está “a quantidade de conteúdos e informações divulgadas, muitas vezes, por não profissionais da saúde mental. Eles trazem apenas diagnósticos, sinais e sintomas que não significam propriamente um diagnóstico, sem um contexto clínico com observação e investigação do paciente”.
Quando a banalização prejudica o cuidado em saúde mental
Temas como saúde mental ou transtornos mentais podem trazer riscos psicológicos quando tratados sem a devida seriedade, como explica Gabriela. “A pessoa pode entender que o sofrimento que possui é comum a muitas outras e, por esse motivo, não procura tratamento, banaliza o uso de medicação e terapia e negligencia cuidados que são necessários”.
Para a professora, existe ainda o risco de um entendimento de que “tudo é sinal de um transtorno ou síndrome e interferirmos de forma equivocada em situações do dia a dia e do próprio período do desenvolvimento. Por exemplo, tristeza após o término de um relacionamento pode ser interpretada como muito apego ou depressão, sem nenhuma avaliação, gerando mais culpa e sofrimento à pessoa”.
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Inteligência artificial como “terapeuta”
Cada vez mais presente no dia a dia das pessoas, a inteligência artificial também tem sido utilizada como apoio para a saúde mental. Artigo publicado na Harvard Business Review destaca que terapia, autoconhecimento e organização da vida pessoal estão entre as principais motivações para a utilização da inteligência artificial generativa.
Gabriela explica que “o uso das IAs pode contribuir para a desinformação em saúde mental, visto que a maioria delas utiliza dados disponíveis, mas ainda sem um filtro muito claro do que é ou não verdadeiro, e se é aplicável à realidade e necessidade da pessoa ou situação”. A professora ressalta que “já existem casos em que a inteligência artificial, quando usada no contexto clínico, acabou ‘ajudando’ a pessoa com sugestões sobre suicídio e automutilação”.
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Informação correta para combater fake news
A psicóloga avalia que dar espaço, na mídia e demais locais, a profissionais que atuam e possuem formação em saúde mental está entre as principais estratégias para combater o problema dos autodiagnósticos, e até mesmo o mau uso de medicamentos.
“Outra estratégia é a conscientização sobre emoções, sentimentos e pensamentos desde a escola. A psicoeducação nesse tema ajuda as pessoas a reconhecerem e entenderem suas emoções e sentimentos, muitas vezes evitando autodiagnósticos de situações que são do cotidiano. Tristeza, hiperfoco, vontade de chorar e dificuldade de atenção, por exemplo, fazem parte do nosso dia a dia e não são um diagnóstico de forma isolada”, conclui.
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