Educação emocional para meninos: por que é importante?
OMS alerta que 1 a cada 5 homens nas Américas não chegará aos 50 anos de idade; dado é diretamente ligado ao exercício de modelos tradicionais de masculinidade
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Ao longo do tempo, frases como "engole o choro" e "menino não chora" foram repetidas em lares e escolas, consolidando um padrão de masculinidade baseado na força, na autossuficiência e no bloqueio das emoções. Hoje, diante do fato de que homens correspondem a três em cada quatro mortes por suicídio no mundo, ganha força a reflexão sobre os efeitos dessa repressão emocional e sobre a urgência de transformar práticas educativas desde a infância.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as expectativas sociais em relação aos homens — de serem provedores de suas famílias; terem condutas de risco; serem sexualmente dominantes; evitarem discutir suas emoções ou procurar ajuda — estão contribuindo para maiores taxas de suicídio, homicídio, vícios e acidentes de trânsito, bem como para o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis.
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O relatório “Masculinidades e saúde na região das Américas”, produzido pela OMS, destaca que modos tradicionais de ser homem entendem as práticas de cuidado e de busca por ajuda como símbolos de fragilidade e fraqueza, o que induz os homens a procurarem menos os serviços de saúde.
Os homens ainda vivem 7 anos a menos que as mulheres. A OMS alerta que 1 a cada 5 homens nas Américas não chegará aos 50 anos de idade. Isso devido a comportamentos de risco à saúde relacionados diretamente com o exercício de modelos tradicionais de masculinidade. Além disso, dados ressaltam que, no Brasil, 12,6% por cada 100 mil homens em comparação com 5,4% por cada 100 mil mulheres, morrem devido ao suicídio.
Segundo especialistas, o tabu em torno da saúde mental masculina está enraizado em estereótipos históricos e culturais, e a infância é um momento crucial para transformar essa realidade. “Quando ensinamos meninos a silenciar suas emoções, estamos negando a eles uma parte fundamental da experiência humana. Isso pode gerar adultos emocionalmente bloqueados, com dificuldades de relacionamento e maior propensão a problemas como ansiedade, depressão e agressividade”, afirma a psicanalista Ana Tomazelli, presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem).
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Educação emocional em pauta nas escolas
Diante desse cenário, escolas e organizações vêm adotando práticas voltadas à saúde emocional dos meninos. Entre as estratégias destacadas por Ana estão rodas de conversa sobre sentimentos, incentivo à leitura com protagonistas masculinos sensíveis, atividades expressivas acessíveis a todos e capacitação de educadores sobre masculinidades saudáveis.
“Ao implementar essas práticas, é possível observar meninos mais empáticos, com melhor capacidade de comunicação e relacionamentos mais ricos com colegas e familiares”, destaca a psicanalista.
Ela defende ainda que homens emocionalmente conscientes têm mais chances de se tornarem pais presentes, parceiros empáticos e líderes eficazes. “Estamos formando uma geração que pode quebrar ciclos de violência e construir relacionamentos mais saudáveis”, diz.
Entre as recomendações que podem ser aplicadas desde a infância estão: validar emoções sem distinção de gênero, oferecer modelos masculinos diversos, promover brincadeiras que incentivem empatia e cuidado e estar atento a comentários que limitem a expressão emocional.
No ambiente de trabalho, o silêncio persiste
A repressão emocional não se restringe à infância. No mercado de trabalho, muitos homens seguem relutantes em procurar ajuda. Pesquisa da GQ Brasil com o Instituto Ideia mostra que 80% dos homens nunca fizeram terapia, apesar de 74% relatarem ansiedade e 83% mencionarem estresse. Em fóruns online, não são raros os relatos que associam a busca por apoio psicológico à “fraqueza”.
Relatório da OMS aponta ainda que, nas Américas, os homens vivem 5,8 anos a menos que as mulheres e são mais afetados por doenças crônicas, acidentes, violência e suicídio — fatores muitas vezes ligados à construção da masculinidade tradicional.
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Empresas que têm investido em programas voltados à saúde emocional masculina relatam impactos positivos. Grupos de escuta, palestras, treinamentos e ações de incentivo ao autocuidado têm melhorado o engajamento e o clima organizacional.
“Ao ensinar meninos a reconhecer, nomear e expressar seus sentimentos desde cedo, estamos ajudando a formar adultos mais resilientes, empáticos e mentalmente saudáveis. Isso se traduz em menos casos de depressão, menos famílias afetadas pelo silêncio e, num cenário mais amplo, menos mortes evitáveis por suicídio”, afirma Ana.
Reflexão coletiva
Para especialistas, a transformação depende de um esforço conjunto — de pais, educadores, lideranças e da sociedade como um todo. A psicanalista traz uma provocação: “A masculinidade do futuro pode, e deve, ser plural, sensível e integral. Criar meninos livres para serem inteiros é abrir caminho para homens livres para serem humanos”.
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