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Estado de Minas ANNA MARINA

As doces lembran�as de Tunica e seus filhos

� v�spera do Dia da Consci�ncia Negra, celebrado amanh� (20/11), me vem � mente que quem diferencia pessoas pela cor n�o tem cora��o


19/11/2022 04:00 - atualizado 18/11/2022 23:43

Ilustração mostra mulher negra com blusa amarela

No �nico retrato de minha inf�ncia, eu devo ter uns 3 anos e estou sentada na porta da casa de minha av�, ao lado de meu primo Tote, do mesmo tamanho. Estou na porta de meus av�s, para onde minha m�e teve que se mudar, depois que ficou vi�va. E tomando conta de n�s estava Tunica, uma preta magra e alta, remanescente das v�rias senzalas que existiam, e est�o at� l� at� hoje, nas casas da fam�lia que n�o foram derrubadas. Tunica era uma figura rara, da fam�lia, e seus filhos participaram galhardamente da vida dos patr�es. Em p� de igualdade, esses crimes de ra�as n�o existiam naquela �poca. A baronesa de Santa Luzia alforriou todos os seus escravos quando voltou para a Bahia.

Dois filhos de Tunica eram especialmente ligados � fam�lia. Paulo Preto morou durante anos e anos na casa de um tio, trabalhou em um �rg�o do governo e tomava conta de todas as mo�as, primas e que conhecia na casa onde morava, ou nas outras que frequentava como um membro sem restri��es. Quando via as mo�as passeando na Avenida Afonso Pena, colava atr�s delas, tomando conta, e se havia algum rapaz junto, insistia para que voltasse para casa. Tomava conta mesmo, como qualquer irm�o preocupado faria.

O outro, Jo�o, morava em Santa Luzia e era carteiro. Tive sorte quando me mudei para o Bairro Gutierrez e, como n�o tinha carro, andava de l� para c� para o trabalho. Encontr�vamos muito sempre, e depois que terminava seu trabalho ele ia para minha casa. Tom�vamos caf� e ele contava sua participa��o na Segunda Guerra. Pass�vamos a tarde com hist�rias e caf�. Foi dos poucos de sua cidade que foi para a guerra, mas o �nico que trouxe com ele uma hist�ria �nica.

Ele serviu na It�lia e seu batalh�o ficou acampado numas terras perto de Roma. Eles circulavam de l� para c� e, em uma dessas vezes, ele, curioso, bateu numa esp�cie de gruta, onde se escondia uma fam�lia inteira. Morrendo de fome, � claro, e suplicando por um peda�o de p�o. Jo�o se compadeceu deles e tornou-se um bom luziense – � noite, pilhava o que podia da comida que sobrava no acampamento e levava para os escondidos. Fez isso por semana e semanas, tornando-se conhecido dos italianos, que passaram tamb�m a conhecer tudo de sua vida, de onde era, o que fazia.

A guerra acabou e Jo�o voltou para Santa Luzia, quando em um belo dia recebeu uma longa correspond�ncia de Roma. A fam�lia que ele ajudou sem pensar em resposta tinha descoberto tudo sobre ele. Era uma rica fam�lia italiana, que queria agradecer sua piedade com eles durante a guerra e queriam receb�-lo em Roma para mostrar-lhe a It�lia crist�. Jo�o ficou embasbacado, mas acabou indo – primeiro sozinho, depois com a mulher com quem se casara. Voltava de l� coberto de presentes, usando ternos Armani e superfeliz. Toda a cidade conhecia sua hist�ria de guerra. Ele n�o tinha ambi��o. N�o quis morar na It�lia e voltou para seu servi�o nos Correios, entregando cartas com toda dedica��o, raramente comentava sobre a hist�ria com os italianos.

A �ltima vez que vi Jo�o carteiro foi quando meu marido morreu. Ele veio falar comigo, contou que sabia que Cyro era presbiteriano, mas se ele podia cantar um hino cat�lico de despedida. Cantou lindamente, comovendo os presentes. E refor�ando minha amizade e minha admira��o pelos filhos de Tunica.

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