
Acabei de ler, com um atraso danado (o livro � de 1991), “O evangelho segundo Jesus Cristo”, do escritor portugu�s Jos� Saramago. Quando lan�ado, foi praticamente proibido em Portugal por ter sido escrito “por um ateu comunista”.
Conheci pessoalmente o autor em Belo Horizonte. Quando ele passou por aqui, estivemos juntos v�rias vezes. Levei-o para conhecer a comida mineira feita em fog�o de lenha. T�nhamos a companhia de minha amiga Angela Gutierrez, que n�o s� gosta muito de ler, como de conhecer gente de cabe�a boa. Saramago (1922-2010) era um portugu�s t�pico no conversar e no perguntar. Sua presen�a foi uma marca da import�ncia de Minas no cen�rio nacional. Perdi a conta de pessoas importantes, nas mais diversas �reas, que por aqui apareciam para v�-lo.
Jornal tem esse lado gratificante: colocar os profissionais na linha de frente dos personagens importantes da cultura mundial que por aqui aparecem.
Achei o livro uma verdadeira maravilha, porque o tema poderia levar o escritor a um terreno perigoso ao ligar tudo o que todos os crist�os sabem a seu texto. Saramago fez a maravilha de transformar Jesus em um personagem importante. Nada de sensacionalismo, sua vida foi contada como se poderia narrar a de qualquer outro personagem. Assim como as pessoas conseguem contar casos que sabem de amigos, de vizinhos, de gente importante – o texto � um desenrolar sem mist�rios e, por meio de refer�ncias n�o exageradas, vamos aprendendo muito, principalmente quem nunca se ligou ao Evangelho como a necessidade obrigat�ria do cat�lico.
Aprendi muitas coisas neste texto correto, como � o caso da crucifica��o de S�o Jos�. Nunca imaginei nem li em qualquer lugar que Jos�, marido de Maria, foi crucificado pelos romanos de Nero.
Como nunca soube tamb�m que depois de Jesus, seu primog�nito, Maria foi m�e de mais sete filhos. Aprendi os nomes que deu a eles. N�o sabia que Jesus haviaa sa�do de casa aos 14 anos, como qualquer adolescente, voltando depois com tudo o que tinha visto e aprendido.
Outro lance importante � que o autor trata o personagem como personagem mesmo. Sem ser filho de Deus, reagindo ao mundo como qualquer homem normal preocupado com o que via, volta e meia esquentando a cabe�a em busca de uma possibilidade de ajudar o pr�ximo.
Ele n�o se achava milagroso nem diferente dos amigos que foi juntando ao longo da vida. O milagre dos peixes � encarado como um fato diferente, mas normal. Afinal, para os pescadores donos das barcas, Jesus tinha a intui��o nata sobre onde estavam os peixes. Assim, simplesmente n�o era milagre, s� um fato repetido.
A coisa principal que acredito tenha agredido os portugueses foi Saramago transformar Jesus em um homem verdadeiro, comum. Sua liga��o com Maria Magdala � a de um homem comum com a mulher que deixa a vida de pecado para se dedicar integralmente a ele. Morou em sua tenda diversas vezes. Soldados romanos prenderam Jesus quando ele sa�a da tenda de Maria Magdala.
“Maria Magdala deu um grito como se lhe estivesse rompendo a alma, e Jesus disse, chorar�s por mim, e v�s mulheres todas haveis de chorar, se for chegada uma hora igual para estes que aqui est�o e para v�s pr�prias, mas sabei que, por cada l�grima vossa, se derramariam mil no tempo que h� de vir se eu n�o fosse acabar como � minha vontade.”