
O bafaf� da semana no mundo pol�tico reuniu os mesmos personagens, o mesmo enredo e a mesma motiva��o das �ltimas d�cadas em que o pa�s foi ficando para tr�s na evolu��o do progresso: a disputa por nacos do dinheiro p�blico. O que mudou � que o dinheiro acabou, desde 2014 o governo federal fecha suas contas prim�rias se endividando, e os embates t�m sido cada vez mais estrepitosos.
Os personagens, grosso modo, se dividem entre os que querem gastar – e para isso inventam desculpas e sortil�gios – e os que se descabelam diante dos excessos or�ament�rios. A Lei Or�ament�ria Anual (LOA) � o enredo. A motiva��o emana do dito segundo o qual em casa em que falta p�o, todos gritam e ningu�m tem raz�o. Os gastalh�es alegam falar em nome dos pobres. Os fiscalistas dizem proteger o futuro de nossos netos. De fato, uns e outros falam � por si e seus mentores.
O tumulto da vez foi tempestade em copo d’�gua, decorrente mais da imper�cia dos negociadores pol�ticos do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o Congresso. A confus�o come�ou quando Guedes, tra�do pela vaidade, se sentiu preterido por Rodrigo Maia, presidente da C�mara.
Cansado de cobrar o governo por um plano de reposi��o da receita de estados e munic�pios perdida pelo fechamento da economia, Maia estruturou e aprovou na C�mara um projeto de lei que Guedes alegou ser caro e n�o impor contrapartidas aos governadores e prefeitos.
Bateu na porta do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do mesmo partido de Maia, que topou um projeto sem a amplitude do da C�mara e com o congelamento de sal�rios dos servidores e contrata��es at� o fim de 2021. � esse PL que excluiu do congelamento as categorias ligadas ao combate � pandemia, como policiais e o pessoal de sa�de, com apoio dos l�deres de Bolsonaro. Ele mesmo se mostrou d�bio.
Guedes o convenceu a vetar o benef�cio. O Senado, enfim, derrubou o veto, e Guedes, tal como fizera com a amea�a de perder o teto do gasto do or�amento federal, foi � imprensa anunciar o fim do mundo se a C�mara n�o retificasse o Senado. Maia entrou em a��o com o novo l�der do governo na C�mara, Ricardo Barros, pr�cer do centr�o, e o senador Eduardo Gomes, l�der no Congresso, e deu tudo certo.
Ideologia ou pragmatismo
A ironia � que depois de achar que j� estivesse reeleito, gra�as � popularidade legada pelo aux�lio de emerg�ncia, cujo m�rito, diga-se, � do Congresso, e se sentir fortalecido pela ades�o de parte do centr�o, Bolsonaro teve de recorrer a Rodrigo Maia. Guedes tamb�m.
Apoio � f�cil. Distribua cargos no governo com acesso a dinheiros, coisas assim, e o apoio vem. Dif�cil � dar sentido ao apoio. Pautar discuss�es, organizar a agenda de vota��o – isso vem de confian�a, que s� se constr�i com o tempo, e de lideran�a com papo reto.
Tamb�m requer programa, projeto e ideias. Bolsonaro quer liberar a posse de armas, premiar barbeiros no tr�nsito, ocupar florestas e terras ind�genas com pasto e garimpo. Guedes diz querer diminuir o Estado, acabar com o planejamento econ�mico central, que s� uma vez se fez e ainda assim de modo limitado no Brasil – na ditadura militar que Bolsonaro admira –, privatizar e liberar tudo que der.
J� Maia quer reformas que modernizem a economia e a governan�a do Estado. O governo � ideol�gico. Ele � pragm�tico. Ali�s, conforme a �ndole da sociedade e das empresas. Por isso, funciona.
Somat�ria de equ�vocos
Tais qualidades se mostraram essenciais na negocia��o para nem o Senado sair chamuscado nem a C�mara negar o seu consenso pol�tico. O que estava em jogo? Palavras comprometidas, n�o riscos fiscais.
Bolsonaro vetou, aconselhado por Guedes, o que estava combinado, e isso depois de atropelar a C�mara. Ao derrubar o veto, o Senado n�o afrontou o teto de gastos, pois o dispositivo aprovado s� dava aos governos regionais permiss�o para propor ao legislativo benef�cios a algumas categorias empenhadas contra a pandemia. Guedes falou em perda potencial de R$ 120 bilh�es, sem dizer em que prazo nem que tais gastos seriam eventuais, n�o autom�ticos. Al�m disso, a mesma lei condicionou que novos gastos viessem do corte de outros. No fim, com os fiscalistas amea�ando cortar os pulsos, foi melhor a C�mara manter o veto. Mas muita coisa ter� de ser repensada.
Bolsonaro quer ser amado
O bafaf� da semana deixa como reflex�o o risco de levar adiante as inten��es do governo, refor�adas por analistas independentes, de se flexibilizar o teto de gastos. � certo que ter� de sair de cena, mas antes precisar� haver governo que governe o Estado, base pol�tica a sustentar as mudan�as e executivos tarimbados para execut�-las.
Isso come�a com um programa de longo prazo e gest�o refor�ada pelo Estado, sobretudo depois que Bolsonaro descobriu que o dinheiro do aux�lio emergencial o aproximou dos pobres, que representam mais de 60% do eleitorado e pelos quais nunca manifestou simpatia.
Atend�-los com o Bolsa-Fam�lia batizado de Renda Brasil, com mais fam�lias participantes e um b�nus maior, � a sua ambi��o eleitoral. Isso implica uma pol�tica econ�mica social-democrata, que Guedes n�o cansa de criticar. E ainda h� a agenda de obras p�blicas a acomodar para dar motivos a Bolsonaro visit�-las em sua campanha antecipada.
No modelo atual, tais obras ser�o bancadas por fundos privados, o que n�o descarta o capital p�blico at� como prote��o contra riscos regulat�rios. Tudo isso demanda novas prioridades n�o contempladas pelo governo. Ou Bolsonaro muda ou muda de turma, como ela j� mudou na interlocu��o pol�tica.