
Com cerca de R$ 800 bilh�es de gastos excepcionais para minorar os danos provocados pela pandemia, soam descompensados os alertas de que o pa�s estaria numa “trajet�ria explosiva de endividamento” e “flertando com o precip�cio econ�mico”. Seria mais simples dar nome aos bois e expor o receio de que Jair Bolsonaro se enamore da ideia de um governo sem travas or�ament�rias e abrace o populismo fiscal.
Tais cr�ticos s�o os mesmos que aclamaram o laxismo por evitar uma depress�o traum�tica. Agora que a crise sanit�ria est� cedendo, l�-se aqui e ali que programas como o aux�lio emergencial teriam sido excessivos, numa vers�o financista de engenharia de obras feitas.
Economistas que apreciam se amparar no que chamam de “evid�ncias” alegam que ou o governo come�a a desidratar o gasto emergencial ou a infla��o ressurgir� com for�a, baseando-se na disjuntiva entre a taxa de juro dos pap�is do Tesouro mais longos, que est�o em alta, e a taxa Selic, estacionada pelo Banco Central em 2% ao ano. Sem rea��o, estariam condenadas a pol�tica de juros baixos do BC e a recupera��o da atividade dos setores dependentes do cr�dito.
Imagine a popula��o de informais sem o aux�lio que era de R$ 600, encontra-se em R$ 300 e o governo tenta garantir em torno de R$ 200 em 2021, o que � incerto, para menos de 10 milh�es de pessoas, ante os 67 milh�es atendidos este ano? E isso com carestia da comida, o BC arrochando os juros, desemprego? N�o � o caminho.
S� que n�o tem de ser assim. O gasto p�blico excepcional pressup�e que a sua gest�o tamb�m n�o seja convencional. Os gastos acima do previsto na lei or�ament�ria foram bancados com a emiss�o de pap�is de d�vida. Por isso o Congresso facultou ao BC, a �ltima inst�ncia do Tesouro, comprar os t�tulos em circula��o, como fazem os bancos centrais dos EUA, da Europa, do Jap�o etc.
A medida visa prover liquidez ao mercado, evitando press�es sobre a Selic, exercida pela recusa em absorver novas emiss�es de pap�is.
Gestores de fundos dizem que a taxa b�sica j� deveria estar em 6%, o triplo da atual, a fim de atrair recursos externos e apreciar o c�mbio, atenuando o repasse inflacion�rio do d�lar caro, e reaver o dinheiro que fugiu da renda fixa. � o que acontecer�, j� que o BC se prendeu � cartilha monet�ria e ignora a permiss�o do Congresso.
Retorno para a estagna��o
� preciso discernir os eventos em curso da economia. O crescimento est� voltando, mas em rela��o ao baque devido � parada da atividade econ�mica. Em 12 meses at� agosto a pr�via do PIB apurada pelo BC j� estava apenas 4,2% abaixo do pico pr�-pandemia, em fevereiro.
O PIB cair� este ano cerca de 4,5%, subir� uns 3% em 2021 e depois voltar� � modorra, se nada mudar. Na m�dia do bi�nio, o crescimento seguir� pautado pela estagna��o, algo como 1,2% a 1,5% ao ano. Essa � a quest�o: a economia an�mica desde 2014 e h� mais de 20 anos no caso da ind�stria. � a raz�o do sentimento de empobrecimento geral.
E � tamb�m o motivo de tantos se dirigirem a Bras�lia, alguns em jatinhos, muitos de bus�o, buscando, empregos, concursos, contratos e coisas inconfess�veis. O liberalismo real � fic��o na capital.
Esse Estado provedor minguou. Mas diminu�-lo � a falsa solu��o, j� que implica exaurir o servi�o p�blico e tirar de quem mais precisa do governo. � no que consistem os ajustes fiscais, se a burocracia, sobretudo a gra�da, est� protegida pelo tal do direito adquirido.
Mudar tudo para nada mudar
A reforma mal chamada de administrativa, por isso, n�o alcan�a os servidores contratados, s� os futuros, e as propostas se limitam a congelar sal�rios. � como se l� no magn�fico livro O Leopardo, de Lampedusa: “Se queremos que tudo continue como est�, � preciso que tudo mude.”
Mudar a governan�a de fato e o que se tornou obsoleto na estrutura do Estado ningu�m
prop�e. Essa � a ess�ncia do que est� por tr�s da grita dos economistas do mercado sobre o risco do gasto p�blico.
Se o governo e seus novos aliados no Congresso aparentam ignorar a disfuncionalidade do setor p�blico, sobre a qual nem a esquerda nem o empresariado tamb�m discutem, n�o ser� quem usufrui a ciranda dos pap�is do Tesouro que dir� o que fazer. O mercado opera por meio de c�digos: fala de insolv�ncia, o Banco Central adverte, ag�ncias de rating reclamam reformas, mas o sujeito da mensagem � Bolsonaro.
Quebra do p�blico e privado
O angu da hist�ria � que assim tem sido desde a reforma monet�ria de 1994 enquanto o crescimento econ�mico para valer n�o aconteceu. A renda per capita nesta d�cada ser� menor que na anterior, e virou lenda o ritmo do progresso entre 1940 e 1980. S� se sair� do enrosco com coordena��o de governo. Mas de um governo que funcione.
A funcionalidade come�a com diagn�stico correto, deturpado desde o fim da ditadura militar pela confus�o entre autoritarismo e indu��o de boas pol�ticas econ�micas e sociais. A sequela � o que Mariana Mazzucato, economista italiana radicada na Inglaterra, denomina de “rela��o quebrada” entre os setores p�blico e privado.
Fogo no pantanal da d�vida
Hoje, essa ruptura paralisa as decis�es, pois ampliada pelo enlace de conveni�ncia entre o liberalismo perneta da equipe econ�mica e o vi�s populista de Bolsonaro e seus aliados do sistema militar e do centr�o, o diminutivo e n�o superlativo do centro no Congresso.
Como essa rela��o � inst�vel, j� que o centr�o � len�o descart�vel na pol�tica, o que o faz descartar na hora certa quem dele se serve para n�o ser ele pr�prio descartado, o mercado desconfia da f� dita liberal do governo ateando fogo no pantanal da d�vida p�blica.
Faz sentido, uma vez que at� a lei or�ament�ria de 2021 est� ro�da em rela��o � regra do teto do gasto federal. E isso antes de que o sonho eleitoral de Bolsonaro de ter um Bolsa Fam�lia para chamar de seu esteja atendido. A certeza � que como est� n�o vai ficar.
