
H� poucos dias um rep�rter me perguntou se eu tinha algum hobby, ou colecionava alguma coisa. Respondi que sim! Al�m de apaixonado por m�sica e ciclismo, coleciono canecas e �m�s de geladeira. Por quase todos os lugares pelos quais passo, invariavelmente, compro uma caneca e um �m� de lembran�a.
O motivo � simples: lembrar!
Tal qual um slide (atual.ppt) que usamos para dar aula, a caneca serve como uma cola para n�o esquecermos os lugares pelos quais passamos. S�o como rastros que podemos percorrer pela manh�, ou a qualquer hora do dia em que precisarmos us�-las.
A caneca � o hiato necess�rio da mente, entre o racioc�nio e o descanso. Ningu�m sabe, mas voc� sabe o que significou aquela viagem que se encontra na al�a e no fundo daquela caneca.
� como se voc�, a cada gole do l�quido ingerido daquela caneca, se transportasse em fra��o de segundos e viajasse para o local de origem do recept�culo. O curioso � o poder que a caneca tem apenas sobre voc�, e mais ningu�m.
Quem n�o viveu o ato da compra da caneca, n�o lhe d� a menor import�ncia. Trata-se de uma coisa de cer�mica, de porcelana ou de um vidro qualquer, que pode se quebrar, e quebra.
Quando quebra, morre em voc� um peda�o de sua mem�ria. Caneca quebrada, neur�nio perdido.
Para os outros, apenas cacos a serem catados e desprezados. �s vezes, sem o devido cuidado de um sepultamento digno, nem para o lixeiro que pode se ferir ao coletar aquele passado.
H� poucos dias, entre uma mudan�a e outra, me reencontrei com canecas que haviam ficado guardadas numa caixa da mudan�a anterior.
Foi como se eu me reconciliasse com o passado e minha pr�pria vida. Neur�nios de mem�ria recuperados. Milagre da caneca!
Mudan�as servem para isso - reencontrar coisas perdidas e despedir-se de outras que j� n�o faz mais sentido algum guardar.
Confesso que tenho enorme dificuldade de despedir-me de quinquilharias que ficam no fundo de gavetas esquecidas. N�o por desprezo, mas por simples dificuldade de descartar o passado. Mesmo que elas j� n�o fa�am sentido algum para voc�, ou para quem quer que seja.
Do mesmo jeito que me reencontrei com minhas canecas, me despedi com dor no cora��o dos programas de in�meros congressos que participei ao longo de d�cadas.
Peso que carreguei por aeroportos do mundo inteiro, e me custaram suor e d�lares por excesso de bagagem, agora v�o para o lixo. Alguns deles com anota��es e projetos esquecidos.
Enfim, precisamos de mais espa�o para guardar novas quinquilharias...
"A vida � assim", como dizia meu velho amigo e meio de campo do nosso saudoso Time da Rua, encontros e despedidas.
Se das coisas � dif�cil de nos despedirmos, imagine das pessoas! De quase 3 mil que partem todos os dias nesses tempos de pandemia.
Pessoas que n�o sabemos quem s�o, escondidas nos mais diferentes locais desse pa�s, mas viram o mundo acontecer junto com voc�. Vibraram com um gol do Brasil ao mesmo tempo que todos n�s. Choraram junto com cada um de n�s a morte do Ayrton e de tantos que nos emocionaram.
Pessoas com as quais compartilhamos o mesmo ar, que lhes faltou no final, e sobrou de heran�a para n�s.
Curioso como h� gente que n�o se toca com isto. Simplesmente recolhem os corpos e enterram. Exatamente como aqueles que recolhem os cacos da minha caneca quebrada e os desprezam de qualquer forma, sem um pingo de respeito pelo que foi perdido.
Somos bem mais que canecas. Somos companheiros de viagem e do sonho da vida que bebemos juntos.