
Na imagina��o f�rtil de uma crian�a, S�o Paulo e Belo Horizonte s�o separadas apenas por uma fina capinha de celular.
Eu me lembro de querer entrar nos carrinhos de brinquedo e sair dirigindo pelas estradas de terra que constru�a no quintal da minha casa.
J� quis entrar e estar nas praias lindas do atlas de geografia em tardes de col�gio interno.
Degustar receitas e vinhos imposs�veis. Completar jogadas de
gols do Pel�, que quase foram, mas n�o foram.
Essa � a magia do olhar. Nos transportar imediatamente para o desejo mais profundo do momento vivido.
H� pouco mais de 2 semanas, meus desejos se agu�aram. Tenho certeza que os da maioria dos que me leem tamb�m.
Minha vontade � entrar tela da TV adentro e arrancar as crian�as Ucranianas e suas fam�lias do horror das bombas que caem sobre suas casas. Abra��-las, aquece-las, dar-lhes nossos Belos Horizontes.
Bem mais que isso! Parar as bombas com as m�os. Sopra-las de volta para a mat�ria prima de onde nunca deveriam ter brotado.
Ao olhar as belas montanhas que nos cercam, imposs�vel n�o me inquerir: - para onde foi o nosso min�rio?! Virou tanque de guerra? Chapa de submarino at�mico?! Ca�a bombardeiro?!
Se foi esse o destino da cat�strofe ecol�gica que nos rodeia, mais uma vez, devemos bater no peito e nos perguntarmos: - nossa culpa, nossa m�xima culpa?!
Se deixarmos nosso �den virar lama e se transformar em cat�strofe alheia, somos duplamente respons�veis, omissos e c�mplices.
Para onde foram nossas montanhas?!!
Para as pontes destru�das? Para os carros incendiados?! Para os fuzis de onde saem balas que atravessam os corpos?! Vale a pena?
Enquanto assistirmos os horrores de uma guerra comendo pipoca em frente a TV, como se fosse fic��o hollywoodiana, a trag�dia somos n�s.
Assim como um v�rus e suas variantes cruzam o planeta em poucos dias, as balas e bombas tamb�m o far�o, se n�o ajustarmos o foco do nosso olhar.
Caem bombas l�, crescem as filas nas bombas de gasolina aqui. Os m�sseis que explodem l�, aumenta a fome no mundo inteiro. Ningu�m fica imune � crueldade de uma guerra.
Acho estranho quando ou�o a express�o “crime de guerra”. Soa como se a pr�pria j� n�o fosse um crime hediondo.
O absurdo do absurdo!
Meu vi�s infectol�gico capta as cenas inimagin�veis da assist�ncia num cen�rio ca�tico. A contamina��o cir�rgica, as infec��es nos rec�m-nascidos prematuros abrigados num por�o, o antibi�tico que acabou.
A vala comum onde vidas e sonhos s�o descartados.
Rogo para que o esp�rito indom�vel do nosso her�i Ignaz Philip Semmelweis ainda esteja por aquelas bandas de l� e amenize o sofrimento das pessoas, assim como o fez em 1847, ao estabelecer que m�dicos lavassem as m�os antes de assistir �s mulheres em trabalho de parto.
Consci�ncia m�xima � o significado simb�lico mais profundo do ato de lavar as m�os. A magia do olhar disseca o mist�rio do s�mbolo.
Ao lavarmos as m�os para os horrores das muitas guerras presentes nos quatro cantos do mundo, abdicamos do direito de nos considerarmos humanos.
A dor na S�ria, no Sud�o, no Afeganist�o, ou na Cidade de Deus � a mesma. N�o importa onde, ou em quem. Se d�i em gente, deveria doer em todos n�s.
Comungando com a bel�ssima cr�nica do Ruy Castro dessa semana, o estupro � um s�.
*Cr�nica dedicada a Afonso Borges, catalisador de arte e colecionador de amigos.