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Estado de Minas CORA��O DE M�E

D�a Januzzi e as v�timas da intoler�ncia

At� mais, meninas, at� o dia em que cada um possa ser o que quiser sem intoler�ncia, sem as muralhas do �dio, da viol�ncia e do preconceito


21/06/2020 04:00 - atualizado 21/06/2020 08:56

Os tr�s chegaram juntos � Serraria Souza Pinto, onde as portas se abriram, em tempos de pandemia, para receber a popula��o em situa��o de rua desde o dia 13 de junho. Foram diretamente para o banho: Jessica Ohara, Michele Matarazo e Patrick – nomes de guerra para quem vive em situa��o de rua e tem outra orienta��o sexual. O dois primeiros s�o homens que se assumem como travestis. A terceira � l�sbica, mas acha que est� vivendo em um corpo errado. Queria ser homem.

Os tr�s n�o se largam. Um protege o outro, n�o s� da viol�ncia e do sofrimento de viverem como n�mades, mas das agruras do preconceito. Montaram casa na Rua da Bahia, sob o frio e o corredor de vento. Dormem com cobertores finos, um abra�ado ao outro em busca de calor humano, pois h� muito n�o t�m o afeto da fam�lia. Foram praticamente escorra�ados, expulsos de casa por causa da orienta��o sexual.

De banho tomado, respingando alegria, os tr�s param para conversar. Micchele Matarazo, de 19 anos, com um vestido estampado de al�as, bem curtinho, revela as pernas firmes e longas. Assumidamente mulher, desde que foi expulsa de casa aos 10 anos. A m�e dela preferia que ela fosse ladra, drogada, traficante ou tivesse uma doen�a ruim como o c�ncer, do que ter um filho gay.

Ainda crian�a, Marcus Vin�cius virou Michele Matarazzo na rua. At� conhecer Jean Jackson, de 30, que tinha se assumido como Jessica Ohara. Mais tarde conheceram Patr�cia, que hoje � Patrick, irm�os na dor e na sobreviv�ncia di�ria � viol�ncia, �s tentativas de estupro e espancamento dos mach�es que zombam delas. Patrick ou Patr�cia conta que uma noite acordou com um cara em cima dela tentando estupr�-la. Levou facada. Virou alco�latra. N�o usa drogas, a n�o ser os rem�dios das drogarias: um para acalmar e anestesiar a dura realidade da rua, outro para press�o e nem sabe mais quantos receitados pelos psiquiatras do Sistema �nico de Sa�de (SUS).

Michele Matarazo tamb�m tem uma caixa de rem�dios para aliviar as dilacerantes lembran�as da fam�lia. Jean Jackson, que hoje � Jessica Ohara, conta que quando as duas tomam rem�dio e bebem, ele tem que ficar acordado a noite inteira para vigi�-las. Quando o dia amanhece, ele diz para as duas que � hora dele cair no sono. A� elas ficam de guarda para que nada aconte�a. Assim v�o carregando a cruz da rejei��o familiar, da falta de um lugar seguro para morar. As tr�s nunca brigaram entre si e demonstram afeto uma pela outra. Unidas, formam uma nova fam�lia, que, segundo Michele, s� falta agora um cachorro, sonho de quem vive em situa��o de rua. Ela j� teve um, mas foi roubado.

Na rua, dizem elas, os mach�es querem usar a gente, mas n�o somos us�veis. Michele terminou o namoro com um cara depois que ele gritou e quis bater nela. Patrick j� ficou com uma prostituta que engravidou de um cliente fixo. Queria tirar o filho, porque o indiv�duo desapareceu, mas Patrick n�o deixou e hoje o menino tem 14 anos. M�e e filho v�m de vez em quando dormir e passear com Patrick, Jessica e Michele. Dias de muita divers�o e alegria.

As tr�s adoraram o espa�o da Serraria Souza Pinto, uma iniciativa da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte e da Pastoral nacional. L�, elas tomaram banho, receberam orienta��es sobre o coronav�rus. A m�scara de prote��o contra a COVID-19, no entanto, n�o conseguiu esconder os olhos de Michele, que a certa altura do depoimento, ficaram �midos pelas l�grimas. Brotaram como chuva ao falar da m�e. “� horr�vel ter um ente querido que n�o gosta da gente.”

Uma nuvem pesada de lembran�as cobre o olhar de Michele. Ela ficou t�o triste que se despediu, n�o sem antes falar no sonho de fazer a cirurgia para mudan�a de sexo. Quer se tornar mulher para sempre. Sabe que o SUS realiza a opera��o, mas tem que esperar pelo menos seis anos. Elas se despedem, acenam e partem juntas para a Rua da Bahia, onde deixaram a mochila com o desodorante e os cremes para corpo e cabelo. At� mais, meninas, at� o dia em que cada um possa ser o que quiser sem intoler�ncia, sem as muralhas do �dio, da viol�ncia e do preconceito.

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