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Estado de Minas DIREITO SIMPLES ASSIM

A indica��o de Zanin e a teoria da "mulher de C�sar"

Presidente Lula indica Zanin para o STF e levanta uma discuss�o necess�ria


07/06/2023 06:00 - atualizado 07/06/2023 10:11
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Desenho em formato tipo aquarela da fachada do prédio da suprema corte dos Estados Unidos, com pé direito alto e oito colunas diante de uma escadaria
As Cortes Constitucionais precisam ser melhor entendidas para serem melhor criticadas (foto: Pixabay)

 

A teoria da “mulher de C�sar” n�o � na verdade uma teoria, mas uma m�xima atribu�da aos Romanos que partia da premissa de que a mulher de C�sar, mais do que ser honesta, precisava parecer ser honesta. Por Deus e por todos os orix�s, tenham a premissa sem anacronismos, pois a discuss�o aqui n�o � de g�nero e remonta h� alguns mil�nios, de modo que o ponto � o seguinte: ser honesto e parecer ser honesto s�o duas coisas distintas.

 

A l�gica da mulher de C�sar se d� porque, como voc� bem se lembra das empolgantes aulas de hist�ria da 8ª s�rie, o decl�nio do Imp�rio Romano, per�odo denominado de Desagrega��o, iniciado mais ou menos no s�c. II/III a.c. e que se arrastou at� 476 d.c., foi marcado por crise econ�mica, corrup��o, sucessivos golpes e assassinatos.

 

Imagina-se que, neste contexto, desconfia-se at� da pr�pria sombra. Logo, a transmiss�o de confian�a, muito al�m da confian�a em si, � elementar nesta perspectiva. Isso aconteceu h� mil�nios, mas � interessante de entender a origem para entender a l�gica que eu quero trazer. 

 

Ent�o vem comigo que no caminho eu vou explicando...

 

Esta semana o Presidente indicou o seu advogado particular para a vaga do STF e suscitou in�meras cr�ticas de um lado e defesas por outro. Para variar, vou tentar mostrar que a coisa � muito mais complexa do que isso antes de dar o meu pitaco.

 

A primeira coisa a entender � que o Supremo Tribunal Federal, como Corte Constitucional, tem car�ter pol�tico e jur�dico, ao contr�rio de todo o resto do Poder Judici�rio (que � exclusivamente jur�dico). E n�o � uma prerrogativa do STF! Todas as cortes constitucionais do mundo ocidental (e, portanto, com origem comum) t�m natureza pol�tica, visto que atuam de forma decisional nas pautas mais fundamentais do pa�s.

 

Maior prova disso s�o os EUA, onde se fundou boa parte da no��o de constitucionalismo que temos atualmente. Voc� acha que consegue adivinhar a origem da cria��o do conceito de supremacia da Constitui��o e controle de constitucionalidade que funda a maior parte da centralidade das cortes constitucionais?

 

Sim... por causa de uma briga pol�tica! � o famoso caso Marbury versus Madison. N�o d� para entrar em detalhes porque a intriga � longa, mas era o resultado de uma briga pol�tico-partid�ria e de disputa de poder por um ent�o representante da Suprema Corte que tinha acabado de deixar o alto escal�o do governo (Executivo) para ocupar uma das mais altas cadeiras do judici�rio ianque.

 

Soa familiar para voc�??? Pois �... devia. S� que esse caso aconteceu em 1803! Sim, h� exatos 220 anos! E � assim at� hoje.

 

A vaga que o Donald Trump preencheu na Suprema Corte foi curios�ssima, porque a ju�za da Suprema Corte Ruth Ginsburg era democrata e disse que n�o se aposentaria enquanto o Trump fosse presidente para evitar que ele a substitu�sse por um republicano. S� que ela morreu antes e o Trump indicou a ju�za Amy Barret, que tem exatamente o perfil que a falecida ju�za n�o queria.

 

Olha s� que coisa... n�o � que a Suprema Corte dos EUA vive em meio a intrigas pol�ticas! E s� para constar, o nosso STF � uma c�pia literal do modelo, dado que foi feita por Rui Barbosa, que era um declarado apaixonado pelo sistema jur�dico dos EUA. Ent�o agora que voc� entendeu que essas confus�es e intrigas n�o s�o exclusividade tupiniquim, como gostam alguns de tratar, d� para entrar no tema que me interessa. 

 

E o que me interessa n�o � o aspecto pol�tico que, como vimos, � inerente. Para ser indicado para qualquer corte constitucional precisa ter relacionamento pol�tico e proximidade com o presidente da vez. Logo, no STF n�o seria diferente. Da� eu gostaria que a proximidade entre o Presidente e o indicado Zanin n�o fosse um crit�rio de cr�tica, porque mostra desconhecimento da pr�pria hist�ria do STF e das cortes constitucionais em geral.

 

Par�ntesis 1: Gilmar Mendes era AGU do FHC, antes das crian�as nascerem, mas era. Toffoli era AGU de Lula 1; Alexandre de Moraes era Ministro da Justi�a de Temer; Andr� Mendon�a era AGU e Ministro da Justi�a de Bolsonaro. O ex-ministro Marco Aur�lio Melo era primo de Collor que o indicou para o STF. J� deu n�...

 

Voltando: Se a rela��o pol�tica pr�xima com o chefe do Executivo n�o deve ser uma pauta, qual deve ser a pauta ent�o? Duas coisas: a educa��o pol�tica para o aspecto pol�tico da justi�a e a cr�tica sobre os crit�rios usados por quem tem poder pol�tico para compor essas cortes. Vou de tr�s para frente, come�ando com os crit�rios de escolha pelo chefe do Executivo.

 

O STF deveria ser um reduto de not�veis, entendendo-se “not�vel” por algu�m que realmente tenha um reconhecimento razoavelmente amplo entre os seus de que se trata de uma pessoa destacada na profiss�o. A Constitui��o �, propositalmente, vaga ao afirmar que o indicado deve ter “not�vel saber jur�dico”, sem especificar como medir a no��o de not�vel saber.

 

Neste ponto, precisamos recuperar o fato de que nossas disposi��es constitucionais n�o s�o originais, mas “copiadas” de modos tipicamente eurocentristas de pensar e fazer o direito. E aqui pecamos, pois n�o temos os costumes constitucionais t�o amplamente cultivados em outras terras. Costumes s�o pr�ticas n�o escritas que tem quase o mesmo peso de normas expressas. �s vezes t�m mais!

 

N�o consigo pensar em algu�m com not�vel saber sem uma vida dedicada a uma tem�tica. O STF � a Corte Constitucional do Brasil e, por isso, n�o consigo entender not�vel saber sem entender que a pessoa deve ser not�vel em constitucionalismo, Direito Constitucional e temas desta envergadura, que s�o raros, mas centrais para a vida e estabilidade do pa�s.

 

Para exemplificar o que eu quero dizer, uso alguns Ministros do pr�prio Supremo. Gilmar Mendes, goste voc� ou n�o dele, fez mestrado em controle de constitucionalidade em 1987 pela Universidade de Bras�lia, tem outro mestrado em controle de constitucionalidade pela Universidade de M�nster, na Alemanha, em 1989, e doutorado em Direito Constitucional comparado pela mesma Universidade de M�nster, Alemanha, em 1996, aprovado com o predicado Magna cum laudae. � autor da �nica obra de Direito Constitucional premiada com o Pr�mio Jabuti e possui in�meras outras obras de Direito Constitucional, publicadas a partir de 1988.

 

No campo profissional, Gilmar Mendes foi aprovado para o cargo de juiz federal em 1983, para procurador da Rep�blica, em 1984 (em primeiro lugar, cargo este que exerceu at� 1988), aprovado para assessor do Senado em Direito Constitucional (4º lugar), professor assistente da Universidade de Bras�lia (1º lugar), em 1995. 

 

Sabe quando ele foi indicado para o Supremo? Em 2002.

 

A Ministra Carmen L�cia, tem mestrado em Direito Constitucional pela UFMG (1982) e cursou o doutorado da USP em 1983, � professora titular da p�s-gradua��o em n�vel de mestrado e doutorado da PUC-MG e foi coordenadora do n�cleo de Direito Constitucional. Possui obras publicadas sobre igualdade constitucional, constitui��o e controle de constitucionalidade, Administra��o P�blica e princ�pios constitucionais, desde 1990. Al�m de professora universit�ria, era Procuradora do Estado de Minas Gerais, aprovada por concurso. Tamb�m construiu a carreira inteira sobre um tema: Constitui��o.

 

Sabe quando ela foi indicada para o Supremo? Em 2006.

 

O Ministro Lu�s Roberto Barroso � outro exemplo, mas desnecess�rio estender porque acredito que j� me fiz entender. Eles conjugaram o elemento pol�tico com o elemento jur�dico e esse elemento jur�dico tem a caracter�stica de destaque na �rea tem�tica central do STF, que � o estudo da Constitui��o e do Direito Constitucional. E isso muitos anos antes de almejarem uma vaga no STF e ao longo de toda uma carreira.

 

Este devia ser um costume constitucional caro e que n�o pode ser relativizado por qualquer motivo. Alguns buscam defender o Presidente alegando que h� outros ministros com caracter�sticas bem menos qualificadas que o atual indicado.

 

Eu concordo que h� ministros em que se pode questionar, com veem�ncia, que o crit�rio de escolha foi o not�vel saber. N�o d� para esquecer que o Ministro Andr� Mendon�a foi indicado porque � evang�lico, da igreja da ent�o primeira-dama Michele Bolsonaro (isso � um dado p�blico e ratificado in�meras vezes pelo ex-presidente, que o indicou). N�o h� qualquer problema em ser evang�lico! O problema � ser indicado para o STF por ser evang�lico e n�o por ser um not�vel em Constitui��o e Direito Constitucional.

 

Outro caso � o do Ministro Luiz Fux, que pautou toda a sua prodigiosa carreira em processo civil! � doutor em processo civil, livre docente em processo civil, professor de processo civil! Sim... processo civil, inclusive tendo presidido a comiss�o de juristas que encabe�ou o anteprojeto do C�digo de Processo Civil de 2015. Curiosamente, esse destaque o al�ou ao STF em 2018, o que, como j� deu para perceber, n�o faz o menor sentido.  

 

A atual presidente do STF � outra not�vel, desde o vestibular (aprovada em 1º lugar nas duas principais universidades de Direito do RS e conclu�do o curso em 1º lugar, com l�urea acad�mica), mas em Direito do Trabalho! Pautou a sua vida inteira em Direito do Trabalho, aparecendo a palavra Constitui��o no seu curr�culo a partir de 2011, quando foi indicada para o STF.

 

O Ministro Nunes Marques, por sua vez, sequer uma obra publicada possui! O Ministro Andr� Mendon�a publicou sua disserta��o e a palavra Constitui��o simplesmente n�o aparece no seu curr�culo.

 

Veja-se que o ponto aqui n�o � gostar ou desgostar de um Ministro ou outro (at� porque isso � muito subjetivo), mas observar que, h� um bom tempo, o crit�rio de notabilidade para ingresso na Corte est� descompassado, o que � altamente prejudicial para o pa�s. Al�m do mais, deixa-se de prestigiar aqueles que de fato se dedicam a produzir conhecimento constitucional, t�o caro, t�o raro e t�o necess�rio.

 

E aqui chego � minha conclus�o: n�o tenho qualquer condi��o de avaliar a “honestidade” da indica��o, pois n�o conhe�o o indicado e a rela��o pol�tica com quem indica, como vimos, n�o � crit�rio para julgamento. Entretanto, posso avaliar que a indica��o em quest�o perde a oportunidade de “parecer ser honesta”.

 

O Presidente perdeu a chance de mostrar que, de fato, tinha a inten��o de agir de forma diferente do seu advers�rio.

 

Par�ntesis 2: � preciso lembrar que o Presidente, com absoluta raz�o (diga-se de passagem), criticou, durante a campanha eleitoral, a indica��o ao STF do Ministro Andr� Mendon�a por Bolsonaro, visto que a indica��o era, visivelmente, uma tentativa de aparelhar o STF com algu�m que era “seu”.

 

Voltando: Ou seja, para mostrar � Roma, era a hora de indicar algu�m alinhado com as pautas da campanha, contribuindo, por exemplo, com a t�o necess�ria diversidade na Corte. Era a hora de colocar a Fl�via Piovesan no STF! � a maior autoridade em constitucionalismo e Direitos Humanos do pa�s. N�o � poss�vel estudar Direitos Humanos sem ler alguma de suas obras, o que a torna, indubitavelmente, not�vel no tema.

 

Com uma s� indica��o, o Presidente aliaria o seu discurso de valoriza��o da elevad�ssima capacita��o de in�meras mulheres no mundo, mas ainda sem o devido reconhecimento; prestigiaria a capacita��o t�cnica, dado que seria imposs�vel questionar a indica��o; e garantiria no STF uma Ministra que, por seu hist�rico, jamais permitiria que abusos constitucionais fossem cometidos contra o Estado ou qualquer dos seus cidad�os.

 

Entretanto, ao inv�s de mostrar essa postura e se engrandecer, aceitou as v�lidas e absolutamente desnecess�rias cr�ticas de que a vaga no STF � o “pagamento pelos servi�os advocat�cios prestados”, reduzindo o valor alt�ssimo que o cargo possui. Aceitou a v�lida cr�tica de que o indicado, por mais competente que seja, n�o � um not�vel e muito menos demonstrou, ao longo da carreira, ser dedicado ao Direito Constitucional e � Constitui��o.

 

E aceitou que um governo de esquerda vai garantir que o STF permane�a essencialmente masculino e branco para, em breve, julgar a quest�o do racismo institucional...

 

Por sua vez, tamb�m perde o indicado a �ltima chance de advogar para o Presidente uma vez mais e reconhecer que o Supremo Tribunal Federal e o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal est� acima de todos n�s e das pr�prias pessoas que os ocupam. Republicanismo � isso: reconhecer que as institui��es s�o maiores que n�s mesmos e saber qual a posi��o poder�amos galgar na vida e nos destinos de um pa�s.

 

Tenho absoluta certeza que o indicado seria um prof�cuo e incontest�vel Ministro do Superior Tribunal de Justi�a, atuando nas c�maras de Direito Penal com vistas a dar luz aos sombrios julgamentos que s�o ali apresentados todos os dias com absurdas viola��es de Direitos Humanos. E ali se escaparia de toda a torrente de (repito) v�lidas cr�ticas que agora dominam a pauta pol�tica do pa�s e, por isso mesmo, afetam a imagem, a credibilidade e governabilidade do seu �ltimo cliente.

 

Com isso, ficamos assim, nesta incans�vel e in�til metodologia de se defender apontando o erro dos outros, como se n�o f�ssemos todos perdedores neste jogo que n�o � de soma zero. Talvez o problema seja exatamente conseguir alcan�ar esse entendimento de que o Estado � maior do que todos n�s e, para os que nele acreditam, � preciso dar o devido peso aos cargos que atribuem aos seus ocupantes o poder de guiar o pa�s.

 

Ou seja, rodamos, rodamos e voltamos ao mesmo ponto sempre: talvez o problema sejamos n�s. Esse � o segundo ponto e n�o precisa de maiores explica��es...


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