
�tienne de la Bo�tie escreveu Discurso sobre a servid�o volunt�ria, em pleno s�culo XVI, e teve como fonte de inspira��o o conflito entre o povo franc�s e o rei. O ser humano est� sempre a criar v�nculos de depend�ncia, expressados, em sua ess�ncia, em armadilhas de servid�o. A busca pela liberdade nas sociedades contempor�neas obriga os indiv�duos a criarem amarras constantes. Os tecidos sociais e os arranjos econ�micos constroem-se sob verdadeiras teias e amarras que induzem os indiv�duos � ilus�o de viverem a liberdade.
A pandemia da COVID-19 tem servido, cada vez mais, para escancarar nossas depend�ncias e buscas por “salva��o”. Tirando o efeito subjetivo que faz do ser humano eterno dependente de la�os, tem sido depositado nas lideran�as a esperan�a de sobreviv�ncia. Como preconiza Bo�tie, � pela postura do homem na sociedade que se define essa mesma sociedade.
No Brasil, temos vivido a pior fase da pandemia, at� o momento, e o mesmo legislativo, que no ano passado aprovou um aux�lio emergencial de R$ 600 mensais para pessoas vulner�veis aos efeitos da pandemia, enterrou, no �ltimo dia 25/3, a principal pesquisa do pa�s capaz de subsidiar governos e pesquisadores na elabora��o de pol�ticas p�blicas: o Censo Demogr�fico do Brasil.
O censo � realizado decenalmente e possibilita conhecermos a estrutura et�ria da popula��o brasileira, bem como suas caracter�sticas socioecon�micas – educa��o, sa�de, condi��es de moradia, arranjos familiares etc. A partir da nova contagem populacional, realizam-se proje��es populacionais que se prestam a diversos fins.
Para se ter dimens�o mais clara da relev�ncia dessa pesquisa, � a partir do Censo Demogr�fico que o pa�s calcula o �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), m�trica universal constru�da pelas Na��es Unidas que permite comparar os est�gios de desenvolvimento socioecon�mico entre as economias mundiais. O Censo tamb�m � a melhor ferramenta para se desenhar politicas para mercado de trabalho, saneamento, habita��o, educa��o, g�nero, ra�a, cor, dentre outras.
No �ltimo 22/3, considerado Dia da �gua, foram realizados webinars, lives, relat�rios e grandes mobiliza��es em defesa do uso adequado desse bem e de quest�es clim�ticas de sustentabilidade. No Brasil, concernentes ao uso da �gua, encontram-se aspectos sanit�rios como a qualidade e a abrang�ncia da oferta desses servi�os no pa�s, sintetizados em quatro indicadores definidos no Plano Nacional de Saneamento B�sico.
Desde 2010, em que tivemos as �ltimas estat�sticas mais completas sobre saneamento, oriundas do �ltimo Censo Demogr�fico, os dados dispon�veis at� ent�o s�o do Sistema Nacional de Informa��es Sanit�rias - Snis, que coleta informa��es autodeclaradas dos prestadores de servi�os; tivemos tamb�m, em 2019, exemplar tem�tico realizada junto � Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios – Pnad, que como o pr�prio nome diz, refere-se a dados amostrais.
O descaso dos representantes p�blicos com estat�sticas e planejamento custar� caro ao Brasil. A pandemia est� a� entrando em nossas casas e a sociedade continua se colocando em papel de servid�o volunt�ria. Segue aguardando que seus representantes sejam capazes de lhes garantir liberdade, direitos de vida digna, condi��es sanit�rias m�nimas, emprego, atendimento � educa��o de crian�as e jovens e pol�ticas sociais que reduzam as disparidades sociais.
Voltando � arte que, no fundo, parece-me o maior nutriente para olhar o mundo e ter esperan�a, deixo aqui um breve relato de uma experi�ncia que vivi nos idos de 2000. Fui consultora, durante alguns anos, do casal Paulo C�sar Saraceni e Ana Maria Nascimento Silva. Paulo, cineasta e criador, juntamente com Glauber Rocha, do chamado Cinema Novo, e Ana Maria, sua esposa, atriz e produtora, me propiciaram inesquec�vel conviv�ncia, para muito al�m do trabalho. Paulo foi colega de Bernardo Bertolucci no Centro Experimental de Cinema de Roma, tornaram-se amigos e trabalharam juntos em alguns momentos de suas vidas.
Paulo e Ana me narraram, em ocasi�es diversas, como Bertolucci ficava “intrigado” com o fato de Europa e Estados Unidos gastarem mais de um ano no planejamento e in�cio da produ��o de um filme enquanto, no Brasil, em alguns meses fazia-se tudo isso, no modo “junto e misturado”.
De Paulo, guardo o �nico exemplar que ele mesmo tinha de seu livro (Por dentro do cinema novo: minha imagem), de Ana Maria, a estonteante beleza e irrever�ncia, e, de Bertolucci, que n�o conheci, a triste e real percep��o de que o Brasil n�o consegue entender a import�ncia e urg�ncia de se ter planejamento. Tudo isso poss�vel, at� os dias de hoje, por sermos uma sociedade submetida cegamente � servid�o volunt�ria descrita em Bo�tie.