Tenho recebido n�mero expressivo de cartas abertas, o que me parece a nova modalidade de manifesta��o da elite intelectual e art�stica brasileira. N�o sei se � pr�tica atual em outros lugares do mundo, pois o que venho assistindo s�o manifesta��es vultosas nas ruas, em diversos pa�ses, mesmo em plena pandemia. Argumentar que o brasileiro n�o vai �s ruas porque tem medo de aglomera��o, n�o me parece cr�vel pois, se assim o fosse, nossos n�veis de cont�gio e mortes por COVID-19 estariam dando sinais contundentes de arrefecimento.
Seguindo a linha das cartas (manifesto), depois de uma semana desanimadora com os resultados do Or�amento de 2021 e da perspectiva da situa��o clim�tica brasileira, decidi escrever uma carta aberta aos formuladores de pol�ticas p�blicas, que aqui segue:
Prezados(as) formuladores (as) de pol�ticas p�blicas,
Em uma mesma semana, o pa�s vivenciou dois eventos de extrema import�ncia: a aprova��o do Or�amento de 2021 e a Confer�ncia do Clima. Sobre o primeiro, gostaria de destacar a preocupa��o, certamente da comunidade acad�mica e cient�fica, que diz respeito aos cortes em minist�rios que direta ou indiretamente cuidam do desenvolvimento cient�fico, tecnol�gico e sustent�vel do pa�s.
De acordo com a Lei no. 14.144 de 22 de abril de 2021, sancionada pelo Presidente da Rep�blica, os minist�rios da Ci�ncia e Tecnologia e das Minas e Energia ter�o 0,20% e 0,21%, respectivamente, dos recursos estimados no or�amento previsto para 2021; os minist�rios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional, outros 0,44% e 0,50%, respectivamente. Por fim, o Minist�rio do Meio Ambiente contar� com 0,05%. Somados, os cinco minist�rios ter�o, conjuntamente, 1,4% do or�amento total da Uni�o – estimado em R$ 4,181 trilh�es.
N�o preciso entrar em maiores detalhes para dizer-lhes que, com esses percentuais e valores, o pa�s n�o ser� capaz de fazer nenhum avan�o mais expressivo em suas pol�ticas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), como, por exemplo, na destina��o de recursos para continua��o do desenvolvimento de vacinas, com algumas em andamento nas universidades p�blicas, mas carentes de recursos para avan�arem.
Tamb�m adiar�, por no m�nimo mais um ano, a realiza��o do Censo Demogr�fico, instrumento fundamental para defini��o dos recursos do Fundo de Participa��o dos Munic�pios (FPM) e gera��o de estat�sticas socioecon�micas para subsidiar pol�ticas p�blicas.
Tamb�m adiar�, por no m�nimo mais um ano, a realiza��o do Censo Demogr�fico, instrumento fundamental para defini��o dos recursos do Fundo de Participa��o dos Munic�pios (FPM) e gera��o de estat�sticas socioecon�micas para subsidiar pol�ticas p�blicas.
Para ficarmos em somente mais dois exemplos, o or�amento indica cortes que gerar�o paralisa��o em cerca de 250 mil obras do programa Casa Verde Amarela, al�m da redu��o de recursos para o Minist�rio do Meio Ambiente um dia ap�s a promessa de aumento no controle do desmatamento.
Como escrito pelo economista Andr� Lara Resende em artigo no jornal Valor Econ�mico, de 23/4, a obsess�o em atar as m�os do Estado paralisa o pa�s h� pelo menos tr�s d�cadas. Essa � uma reflex�o atrelada � necessidade ou n�o de se manter a atual pol�tica do teto de gastos. A defesa un�ssona do teto de gastos ocupa o estado desde que Michel Temer assumiu o poder.
De l� para c�, n�o discutimos, em momento algum, planejamento de m�dio e longo prazo, n�o conhecemos os programas estruturadores do governo federal e vivemos em busca de norte para entendermos para onde caminhamos.
Ainda nessa semana, o mundo p�de assistir �s falas de chefes de Estado, representantes de grandes empresas e organismos internacionais em um evento de dois dias, “sediado virtualmente” pelos Estados Unidos - a Confer�ncia do Clima. No dia seguinte ao seu encerramento, o World Economic Forum divulgou um v�deo mostrando os cinco pa�ses que est�o liderando a transi��o de energia no mundo.
�ustria, com 75% de sua oferta de eletricidade totalmente renov�vel e com planos de total descarboniza��o, at� 2030. Su�ca, com mais da metade de sua eletricidade oriunda de recursos renov�veis; em 2021 j� atingiu, com um ano de antecipa��o, sua meta de ado��o de ve�culos el�tricos. Dinamarca, l�der mundial em energia e�lica, det�m a maior parcela relativa de carros el�tricos do mundo e pretende encerrar as vendas de carros a diesel e gasolina at� 2025. E Su�cia, l�der na transi��o da matriz energ�tica pelo quarto ano consecutivo, tem 54% de toda sua energia oriunda de fontes renov�veis.
O filme Radioactive, entre os “top 10” da Netflix na �ltima semana, traz parte da hist�ria inspiradora da vida da cientista Marie Curie, ganhadora de dois pr�mios Nobel, um de f�sica e outra de qu�mica. Sua vida � um exemplo de resili�ncia: perda prematura dos pais, enfrentamento de hostil ambiente acad�mico e cient�fico e de doses elevadas de boicote e desconfian�a em rela��o � sua capacidade. Gra�as ao trabalho cient�fico de Marie Curie que hoje temos, dentre alguns de seus descobrimentos, o tratamento de radioterapia contra c�ncer.
Madame Curie, como era chamada por seus assistentes, � exemplo de resili�ncia, obstina��o, personalidade, persist�ncia, amor � vida e ao bem comum. Ofereceu seus pr�stimos na primeira guerra mundial, foi para o front tratar pacientes, sempre doou parte de seus recursos para o incentivo � pesquisa e morreu v�tima de seus pr�prios experimentos. Que nossa luta seja por mais Marie Curies e por menos vetos � ci�ncia e ao desenvolvimento sustent�vel do nosso pa�s.