
Dentre as quest�es de g�nero, a representatividade pol�tica deveria estar no topo das prioridades das sociedades. No s�culo XIX, na esteira das revolu��es burguesas, iniciou-se a discuss�o sobre o sufr�gio universal como direito � representatividade democr�tica. No entanto, o direito ao voto feminino s� foi concretizado no s�culo XX, a partir do movimento das sufragistas, na Europa e nas Am�ricas. O que dizer da representatividade parlamentar em pleno ano de elei��es no Brasil?
A hist�ria da luta das mulheres por igualdade de direitos na vida pol�tica s� reverberou internacionalmente, em 1975, com a I Confer�ncia Mundial sobre as Mulheres. Naquele momento, declarou-se o direito � participa��o plena das mulheres na vida pol�tica, econ�mica, social e cultural. Mas foi somente vinte anos depois, em 1995, na IV Confer�ncia Mundial sobre a Mulher, em Pequim, que o tema “Mulheres no Poder e na lideran�a” comp�s as 12 principais preocupa��es da confer�ncia.
A representa��o de g�nero diz muito sobre vis�o, valores, escolhas, continuidade e, sobretudo, jogo de for�a entre as rela��es de poder nas esferas da vida pol�tica e social. Embora as confer�ncias internacionais e in�meras mobiliza��es regionais sinalizem crescente movimento em busca de igualdade de direitos, as ra�zes das desigualdades de g�nero mant�m-se presentes no inconsciente de grande maioria dos homens e at� das pr�prias mulheres.
Apesar do percentual de homens e mulheres que votam ser muito pr�ximo, apenas 24% das cadeiras parlamentares s�o ocupadas por mulheres, entre 75 pa�ses que englobam 80% da popula��o mundial. Esses dados s�o do relat�rio “Enfrentando as normas sociais -Um divisor de �guas para as desigualdades de g�nero” - em tradu��o livre -, de 2020. O relat�rio apresenta o �ndice de Normas Sociais de G�nero, m�trica que busca medir qu�o preconceituosa � a sociedade. Dentre as suas 4 dimens�es, encontra-se a pol�tica.
Em 2022, o Brasil tem a oportunidade de refor�ar suas institui��es democr�ticas e expandir sua representa��o feminina parlamentar. Para avan�ar precisa, antes de mais nada, romper com seus preconceitos intra e interg�neros. Dentre as pr�prias mulheres eleitoras, 37,7% acreditavam serem os homens melhores pol�ticos que as mulheres, segundo o �ndice de Normas Sociais de G�nero. Esse preconceito era ainda maior no universo masculino: 49,7% acreditavam que os homens eram melhores l�deres pol�ticos que as mulheres.
Embora as mulheres representem 52,5% do eleitorado brasileiro, sua representatividade parlamentar � bem inferior � m�dia mundial: em 2018, ano da �ltima elei��o para compor a C�mara dos deputados, das 513 cadeiras, apenas 77 foram ocupadas por mulheres, ou seja, 15% do total. No Senado, essa representa��o foi praticamente igual � da C�mara (14,8%).
Compara��es internacionais levantadas pela Uni�o Inter-Parlamentar mostram que, em 2018, o Brasil ocupava a 133ª posi��o mundial de representa��o feminina no parlamento, em um total de 193 pa�ses. As disparidades de g�nero encontram forte eco nas disparidades de recursos financeiros para campanhas. Em 2018, os candidatos homens brancos chegaram a receber, do Fundo Especial e Fundo Partid�rio, 225% a mais que as candidatas mulheres brancas; em rela��o �s candidatas negras, essa diferen�a foi de 1.050%.
Por tr�s desses n�meros alarmantes e muito recentes tem uma trajet�ria de busca por espa�o p�blico com origens na segunda d�cada do s�culo XX. “A Constru��o da Voz Feminina na Cidadania”, publicado pelo Supremo Tribunal Eleitoral, traz a trajet�ria das primeiras mulheres brasileiras por direito � participa��o na vida parlamentar. Mulheres de diversos cantos do pa�s, desde grandes centros a locais pobres e sem acesso � informa��o.
Em 1910, Leolinda Daltro, baiana, professora e indigenista, criou o Partido Republicano Feminino, candidatou-se a deputada federal, na elei��o de 1933, mas n�o foi eleita. Em 1927, no estado do Rio Grande do Norte, mais precisamente no munic�pio de Lajes, Alzira Soriano de Souza tornou-se a primeira prefeita do pa�s. Em 1933, Edwiges de S� Pereira, poetisa e professora, que ocupava, desde 1920, cadeira na Academia Pernambucana de Letras, candidatou-se, mas tamb�m n�o foi eleita.
Carlota Pereira de Queiroz, m�dica e candidata, foi a �nica mulher eleita, em 1933, tornando-se deputada federal por S�o Paulo. Atuou nas �reas de Educa��o e Sa�de e, em 1942, ingressou para a Academia Nacional de Medicina. A tamb�m m�dica Alzira Reis Vieira Ferreira, do norte de Minas Gerais, mais especificamente da cidade de Te�filo Otoni, em 1928, criou o curso de Humanidades naquele munic�pio. Candidatou-se, mas tamb�m n�o conseguiu se eleger. Almerinda Farias Gama, embora tamb�m n�o tenha conseguido se eleger, � considerada pioneira da representatividade negra e feminina no Brasil.
Nas elei��es de 2018, as maiores representa��es pol�ticas femininas, em termos percentuais, concentravam-se nas regi�es Norte e Centro-oeste do pa�s – regi�es representadas pelas “mulheres do agro”. A for�a e o poder do “parlamentar homem branco”, nas regi�es mais desenvolvidas, t�m garantido a perpetua��o do modelo pouco representativo das mulheres, cujas pautas, via de regra, voltavam-se para quest�es sociais e de sa�de, fundamentais para um pa�s rico em desigualdades de oportunidades.
T�o lenta quanto a garantia de direitos e espa�os � a evolu��o do ser humano e sua capacidade de romper preconceitos. A preserva��o de diversas formas de conservadorismo e conven��es � garantia do oportunismo fazendo morada na limitada mente humana, cuja preocupa��o para com o(a) outro(a) n�o � desprovida de algum interesse pol�tico menor, pois se fosse maior, a vida seria mais justa e igualit�ria. Mulheres e minorias precisam acordar para o fato de que suas batalhas s�o intensas e que a representatividade parlamentar n�o � apenas mais uma, mas sim das mais importantes.