
Medo e sincera motiva��o pol�tica n�o dialogam no s�culo XXI, apesar de terem se mostrado estreitos ap�s a Segunda Guerra Mundial. Fa�o coro � reflex�o de Safatle ao escrever que "o discurso contra 'pautas identit�rias', que se consolidou em 2013, � apenas uma maneira de n�o entender o verdadeiro problema. (...) Elas s�o as verdadeiras pautas "universalistas", pois nos lembram de que a naturaliza��o de marcadores de viol�ncia contra ra�a, g�nero, religi�o, orienta��o sexual, colonialidade impedem qualquer advento de um universalismo real".
� no ambiente explosivo de 2013 e, posteriormente, contido, cada vez mais, por meio de pautas moralistas em meio a no��es "brutas" de seguran�a, que a maioria dos jovens brasileiros, sem escuta e sem conex�o, segue no vazio da falta de pol�ticas educacionais, laborais e sociais que os considerem sujeitos de uma constru��o social.
Portanto, � imprescind�vel inserir o jovem brasileiro no contexto pol�tico deflagrado a partir de 2013, em meio a greves espont�neas que, em certa medida, j� aludiam � precariza��o das rela��es de trabalho, � relativiza��o da pobreza – sim, a popula��o brasileira havia sa�do da mis�ria absoluta – e se sobrepunham � mobiliza��o do medo. Nada tendo sido feito, o medo ainda reside no eixo central, e a pol�tica segue na desfa�atez da recupera��o da democracia, da alegria e do di�logo.
Pura ilus�o! O medo tomou conta, a inseguran�a � nutrida pela queda de bra�o entre as for�as de seguran�a e o Estado em ambiente democr�tico fragilizado, e o Brasil segue longe de ser uma "p�tria educadora" – lema do segundo e interrompido mandato de Dilma Rousseff. N�o por acaso, o lema do segundo mandato foi definido ap�s os movimentos iniciados em julho de 2013, indicando que a precariedade das condi��es do mercado de trabalho para jovens brasileiros tinha ra�zes na base de sua forma��o educacional.
Em 2021, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais An�sio Teixeira (Inep), 88% dos jovens matriculados no ensino m�dio estavam em escolas p�blicas – percentual esse praticamente inalterado em toda d�cada anterior. Para os primeiros anos de vida escolar, esses percentuais s�o menores: 72% das crian�as estavam matriculadas na rede p�blica de ensino infantil, enquanto 82% e 85% nos ensinos fundamentais I e II.
Os dados do Inep indicam tamb�m que, mesmo antes do julho de 2013, a rede p�blica de ensino � a grande formadora da m�o de obra jovem que chega ao mercado de trabalho ou, em sua minoria, ao ensino superior – n�o entrarei na discuss�o das pol�ticas dos primeiros mandatos do governo Lula, voltadas para a inser��o dos jovens mais pobres nas universidades p�blicas e privadas. Portanto, continua sendo a rede p�blica a grande educadora do povo brasileiro.
"Combate � evas�o no Ensino M�dio", estudo publicado em maio corrente pela Federa��o das Ind�strias do Rio de Janeiro (Firjan), em parceria com o Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), discute poss�veis raz�es e evid�ncias sobre a evas�o no ensino m�dio brasileiro, al�m de trazer sugest�es de experi�ncias diversas acerca de aspectos e a��es motivacionais e situacionais que podem manter o jovem na escola e assegurar ganhos sociais e laborais futuros.
Destaco tr�s pontos levantados pelo estudo que dialogam com a explos�o das greves e manifesta��es de dez anos atr�s. O primeiro diz respeito ao resultado do Suplemento de Educa��o, de 2019, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios Cont�nua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). Para 38% dos jovens entre 15 e 19 anos de idade que evadiram da escola, o principal motivo foi a falta de interesse em estudar; em seguida, 23% alegaram necessidade de trabalhar e 11%, gravidez.
O segundo aspecto � uma estimativa do economista e coautor do estudo, Ricardo Paes de Barros, sobre o custo da evas�o para a sociedade brasileira. Segundo Paes de Barros, os alunos que evadem passam 10% a menos de sua vida produtiva ocupados e ganham 25% a menos que aqueles que concluem o ensino m�dio. Em termos monet�rios, a evas�o gera uma perda de R$ 220 bilh�es por ano para a sociedade, o que equivale a 81% do gasto total das esferas municipal, estadual e federal com educa��o b�sica. Em suma, somos uma m�quina de rasgar dinheiro e gerar custos sociais impag�veis ao n�o educarmos nossas crian�as e jovens.
Para al�m das perdas socioecon�micas e toda sorte de externalidades dali decorrentes, os dados de 2019 ainda indicam que, dentre aqueles jovens situados nos estratos de renda mais elevados (os 25% mais ricos), 92,6% conclu�ram o ensino m�dio, ao passo que somente 58,8% daqueles situados nos estratos mais baixos (os 25% mais pobres) o conclu�ram. Adicionalmente, na perspectiva de cor/ra�a, a conclus�o prevaleceu entre jovens brancos, com 79,1%, ante 61,4% representados pelos pretos.
Complementando o relat�rio Firjan-Pnud, em maio corrente, o World Economic Forum (WEF) lan�ou sua pesquisa bienal sobre o futuro do emprego, tra�ando cen�rio para os anos de 2023 a 2027, com base em enquetes com 803 empresas de 27 grupos de ind�strias que, conjuntamente, empregam 11,3 milh�es de trabalhadores em 45 economias de todas as regi�es do mundo. Os resultados indicam que as maiores perdas devem se situar em fun��es administrativas e naquelas tradicionais de seguran�a, f�bricas e com�rcio – ambientes em que a tecnologia destr�i cada vez mais postos de trabalho.
O compilado estat�stico da pesquisa do WEF prev� redu��o l�quida de 14 milh�es de postos de trabalho, entre 2023 e 2027, como consequ�ncia do impulsionamento de investimentos voltados para transi��o ecol�gica das empresas, normas ambientais, sociais e de governan�a (famosa ESG) e pelas cadeias de abastecimento. Como os jovens brasileiros se tornar�o atores nesse cen�rio de mudan�as tecnol�gicas e desafios de inser��o se apenas 41,4% dos que concluem o ensino fundamental t�m aprendizagem adequada em portugu�s, e 24,4% em matem�tica?
As perspectivas para a grande maioria dos jovens s�o de desalento em uma sociedade que, em julho de 2013, j� dava sinais de desintegra��o, e, nas palavras de Safatle, configurava-se como "uma sociedade que n�o era capaz de assegurar nada mais que o aprofundamento de din�micas de espolia��o e sofrimento social".