
O filme Oppenheimer toca naquilo que eu chamaria da aus�ncia do humano entre n�s, da discuss�o �tica, da reflex�o transcendental, da percep��o da natureza como sujeito, da integralidade ou n�o da vida humana com esse cosmos ainda indecifr�vel. Em intervalo de uma semana, assisti a "Oppenheimer" e � palestra "Muta��es", de Vladimir Safatle, na Biblioteca P�blica Estadual de Minas Gerais. Entre o filme e a palestra, ganhei f�lego lendo o "A Nova Economia da Amaz�nia" (NEA), pois a vida magicamente nos recobre de esperan�a.
Embora a lideran�a de Oppenheimer tenha proporcionado o desenvolvimento da primeira bomba at�mica (de ur�nio), sua atribui��o mais adequada deve-se a Einstein que, ao enviar carta ao Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, provocou a origem do projeto (Manhattan) que desenvolveu sua fabrica��o. Conhecido como pacifista, Einstein n�o se envolveu no projeto, mas cometeu o que, na psican�lise, chamamos de "ato falho" ao enviar a carta ao presidente.
A bomba at�mica de ur�nio foi lan�ada em Hiroshima e ainda tinha nome: "Little boy". N�o satisfeitos, os Estados Unidos, tr�s dias depois, lan�am a bomba nuclear de plut�nio, denominada "Fat man", na cidade de Nagasaki. Da carta de Einstein aos nomes das bombas, uma sucess�o de atos simb�licos remetem � distopia humana. Afinal, requintes de crueldade humana aparecem na fala, seja ela escrita ou dita, ou nos nossos "escapes", muito embora, como dito por Safatle, "nos falta uma l�ngua para falarmos de um mundo que queremos".
Mas Svetlana Aleksi�vitch sabe bem dessa aus�ncia de espa�o para a linguagem e tem por dom e objetivo extrair a fala sobre o mundo que vemos e desejamos. Seus livros s�o, via de regra, jornalismo liter�rio da alma. Em "Vozes de Tchern�bil", h� relatos de homens recrutados para trabalharem na usina, de fam�lias obrigadas a abandonarem, �s pressas, casas, lavouras, formas diversas de sustento, pertences etc. para reviverem situa��o de guerra quarenta anos ap�s a Segunda Guerra Mundial.
Pior ainda, "Vozes de Tchern�bil" cont�m n�mero expressivo de relatos de soldados rec�m-retornados do Afeganist�o e submetidos a trabalhos na remo��o radioativa da usina. Sa�ram de uma guerra para assinar suas senten�as de morte em seu pa�s natal. Como dito por Safatle, "a guerra � um campo de aperfei�oamento t�cnico", e a bomba at�mica � arma de amedrontamento e expropria��o, verdadeira aberra��o da necessidade de onipot�ncia humana sobre o dom�nio da natureza e da vida.
Cada vez mais, a integraliza��o da natureza ao horizonte do que reconhecemos como sujeito faz-se necess�ria para que a vida deixe de ser tratada como um sistema de coisas. Safatle, ainda em "Muta��es", nos diz que o bioma natural, tratado como entrave ao progresso, precisa ser visto como parte integrante e
determinante da vida em expans�o.
A liberdade est� na expans�o, n�o no medo. Mas � do medo que partem, cada vez mais, as rela��es sociais, os dom�nios e at� mesmo os afetos. "Vozes de Tchern�bil" perguntam "onde est� o meu pa�s?". Aquelas v�timas querem se reconhecer, terem suas identidades, em seu tempo e espa�o, integradas com o ecossistema. Muito se fala da natureza pelas vozes das v�timas de Tchern�bil, da p�tria como no��o de acolhimento e prote��o, de identidade e expans�o.
Mas, em tempos de aliena��o e filmes de Barbie emancipada, ainda nos resta muito simbolismo arcaico para nos iludirmos e acreditarmos que as sociedades podem avan�ar, que os ecossistemas podem se recompor e que a natureza ser� tamb�m sujeito do misterioso macrocosmos.
"Oppenheimer" �, na minha opini�o, o filme da vez! N�o � toa, em um mundo t�o alienado, em que a fuga da vida real � o caminho mais r�pido e perfeito, Barbie � lan�ado na mesma �poca e bate recordes de bilheteria. Muito mais do que atos falhos movidos de viol�ncia, o mundo tem se recusado a ver novos caminhos e novas possibilidades.
No entanto, nossos escapes tamb�m sinalizam que sempre h� puls�o de vida. Leitura t�cnica dif�cil e quase que exclusivamente para economistas, o relat�rio rec�m-lan�ado do "World Resources Institute" (WIR Brasil), intitulado "A Nova Economia da Amaz�nia", mostra caminhos alternativos para gera��o de uma economia de baixo carbono e que deve impulsionar a regi�o da Amaz�nia e sua cadeia produtiva nacional e internacional.
"A Nova Economia da Amaz�nia" (NEA) combina diferentes t�cnicas e pesquisadores e traz luz ao crescimento sustent�vel. Indica necessidade adicional, em rela��o � atual, de se investir R$ 2,56 trilh�es, at� 2050, para se alcan�ar uma economia realmente sustent�vel e alto impacto na cadeia produtiva para al�m da �rea da Amaz�nia. Desse total, R$ 659 bilh�es devem ser empregados no uso estrat�gico do solo, R$ 410 bilh�es nas mudan�as na matriz energ�tica e outros R$ 1,49 trilh�o em infraestruturas induzidas.
As cifras parecem, � primeira vista, altas. Quando comparadas aos desastres que as sociedades ter�o que custear para sobreviverem em um planeta em extin��o, tornam-se baratas. Caro mesmo � nos sustentarmos no medo, em meio � propaga��o de "little boys e fat men" e embalados ao som de trilhas de "Barbie girls".