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Estado de Minas ELEONORA CRUZ

Golda, Angela, Zelda e a toxicidade das rela��es de g�nero

Estudos indicam que cerca de 60% das mulheres n�o relatam atos de viol�ncia vividos e somente 10% delas os denunciam


12/09/2023 06:00
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Zelda Fitzgerald (reprodução)
Zelda Fitzgerald (foto: Reprodu��o )
Em 1948, morre Zelda Fitzgerald, autora de “Essa valsa � minha”, por�m mais conhecida por ter sido esposa do famoso escritor norte-americano F. Scott Fitzgerald. Nesse mesmo ano, Golda Meir assume o cargo de embaixadora de Israel na Uni�o Sovi�tica. Em 1973, j� primeira-ministra de Israel, Golda enfrenta seu maior desafio, a Guerra do Yom Kippur. A socialite Angela Diniz, tr�s anos depois, morre assassinada, no Brasil, por seu rec�m-companheiro. Viver � frente do seu tempo e em contextos de viol�ncia �ntima parece ser o denominador comum na vida dessas tr�s mulheres.

Golda Meir contrariou decis�o das Na��es Unidas, enfrentou o secret�rio norte-americano Kissinger, respondeu pelo massacre da Guerra do Yom Kippur, mas, apesar de tanta press�o, saiu vitoriosa. Em “Golda, a mulher de uma na��o”, a primeira-ministra narra, em epis�dio logo no in�cio do filme, o desrespeito dos ministros de Estado ao n�o se levantarem no momento em que ela adentra a sala para reuni�es estrat�gicas sobre aquela guerra. Golda foi considerada a “dama de ferro dos israelenses”, uma mulher muito � frente do seu tempo.

Vale a pena conhecer um pouco de Golda pelo olhar do diretor Guy Nattiv, nascido em Israel em 1973, o ano daquela guerra. O filme consegue transmitir a tens�o vivida por Golda no que ela mesma considerou os 20 dias mais marcantes de sua vida. Um misto de coragem, racionalidade, frieza e intelig�ncia, tudo regado a muita tens�o e, como pano de fundo, marcado pela escolha por uma vida p�blica acima da sa�de e da vida privada.

Em contextos bem diferentes, voltadas para o glamour da vida privada, as socialites Zelda Fitzgerald e Angela Diniz eram mulheres com alma livre. Experimentaram festas regadas a muita droga e �lcool, em meio a tensas rela��es conjugais e extraconjugais.

Zelda viveu � sombra do famoso Scott, mas, quando diagnosticada com esquizofrenia, passou por v�rios per�odos de interna��es em sanat�rios. Em uma dessas interna��es, escreveu “Essa valsa � minha” - livro que me encantou aos 20 anos de idade.  Zelda reclamou direito de parte das obras liter�rias do seu ex-marido, Scott, chegando a acus�-lo de roubar p�ginas de seu di�rio e transcrev�-las literalmente para um de seus livros - “Este lado do para�so” – ou mesmo de us�-lo como fonte de inspira��o para outras obras.

Angela Diniz era mineira, casou-se cedo, aos 17 anos, com um homem da alta sociedade mineira, 14 anos mais velha do que ela. Tiveram tr�s filhos e, ap�s dez anos de casados, Angela pede a separa��o e acaba por perder a guarda dos filhos. Muda-se para o Rio de Janeiro, passa a fazer parte da alta sociedade carioca e a transitar no circuito Rio-S�o Paulo. Envolve-se com homens violentos, Ibrahin Sued e, posteriormente, Doca Street, aquele respons�vel por lhe tirar a vida com quatro tiros, sendo tr�s no rosto e um na nuca.

“Angela” tamb�m � filme rec�m-lan�ado para o cinema. Segue roteiro bem mais leve do que parece ter sido a vida daquela mulher, preservando o que o podcast “Praia dos Ossos” relatou com muito mais fidedignidade. Independentemente das motiva��es que levaram ao seu assassinato, assim como o de milhares de mulheres, o fato � que o feminic�dio continua crescendo no Brasil. Segundo os dados do 17o. Anu�rio de Seguran�a P�blica, lan�ado em julho �ltimo, os casos de feminic�dio subiram de 1.300 para 1.400 entre os anos de 2021 e 2022.

Muito al�m das hist�rias de pessoas reconhecidas socialmente, o mundo invis�vel das desigualdades entre g�neros e da viol�ncia expl�cita ou n�o contra as mulheres mant�m-se bem vivo e sem sinais de mudan�a. Pol�ticas de igualdade de g�nero em cargos p�blicos ainda n�o sa�ram do papel enquanto mulheres em cargos de lideran�a ainda s�o fortemente boicotadas. Na semana passada, assistimos � humilhante exonera��o de Ana Moser do Minist�rio dos Esportes para dar lugar � acomoda��o pol�tica fisiol�gica que continua viva e imperativa.

Mas, com ou sem fisiologismo, com ou sem garantias de liberdade e de direitos, nem os pa�ses mais desenvolvidos t�m avan�ado em suas agendas de igualdade de g�nero. O mundo est� longe de alcan�ar a meta de igualdade de g�nero inclu�da nas Metas do Desenvovimento Sustent�vel, como evidencia o rec�m-lan�ado relat�rio “The paths to equal – Twin indices on women’s empowerment and gender equality”, produzido conjuntamente pela Entidade para Igualdade de G�nero e Empoderamento das Mulheres e o Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento.

O relat�rio estima que ao menos uma em cada tr�s mulheres com 15 anos ou mais sofreu alguma experi�ncia �ntima de viol�ncia vinda do parceiro e/ou viol�ncia sexual de n�o parceiro. Isso representa 736 milh�es de mulheres. E, nos �ltimos 12 meses, 245 milh�es de mulheres casadas e jovens com 15 anos ou mais foram submetidas � viol�ncia f�sica ou sexual por parte do parceiro. � importante destacar que estudos indicam que cerca de 60% das mulheres n�o relatam atos de viol�ncia vividos e somente 10% delas os denunciam.

Al�m da viol�ncia f�sica, h� o que poder�amos chamar de viol�ncia de acesso. Mesmo nos pa�ses com elevado grau de desenvolvimento, o relat�rio conjunto indica que, embora com menores lacunas entre g�nero, tais pa�ses n�o s�o capazes de empoderar as mulheres. Dentre os 114 pa�ses analisados, menos de 1% das mulheres e jovens vivem em pa�ses com alto empoderamento feminino e alcan�am pequena lacuna entre g�neros. Nenhum dos 114 pa�ses atingiu completa paridade e empoderamento de g�nero.

O relat�rio aponta que, globalmente, as mulheres s�o empoderadas para alcan�ar, em m�dia, 60% de seu potencial, enquanto os homens, quase 90%. Esses percentuais se mant�m h� tr�s d�cadas. O retrato disso se d�, dentre outros fatores, na igualdade de acesso ao mercado de trabalho: pouco mais de 60% das mulheres na idade ativa entre 25 e 54 anos de idade est�o na for�a de trabalho ante 90% dos homens nessa mesma faixa et�ria.

Imaginar que, em pleno final do s�culo XX, uma mulher n�o recebia o mesmo tratamento que qualquer outro homem em igual posi��o e que o feminic�dio doloso, no Brasil, aceitava a tese de leg�tima defesa, evidencia que � ainda tarefa herc�lea criar filhas que acreditem na possibilidade de serem livres e seguirem seus desejos e escolhas. Desconhe�o uma m�e que n�o se preocupe com a (potencial) viol�ncia contra sua(s) filha(s).

Chegamos no s�culo XXI e vivenciamos a tr�gica pandemia da Covid-19 que agravou, ainda mais, a viol�ncia dom�stica contra mulheres e crian�as, em todo o mundo. N�o diria que se tratou de um retrocesso, mas sim da aus�ncia de avan�os e garantias escancarados por essa pandemia. Angelas, Zeldas, Goldas, Marias, Antonias e toda sorte de mulheres livres interiormente, seguem expostas �s viol�ncias di�rias das t�xicas rela��es entre g�neros, �ntimas ou n�o, em forma de aprisionamentos exteriores.

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