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Estado de Minas DA ARQUIBANCADA

O amor plat�nico e atleticano pelo Cruzeiro

"E brindamos a d�diva de sermos pai e filho celestes, para os quais a energia cinzenta � incapaz de incomodar a alegria de estar do lado certo da hist�ria"


01/06/2022 04:00 - atualizado 01/06/2022 11:04

Jajá festeja gol contra o Criciúma
Jaj� vibra com o gol da vit�ria contra o Crici�ma, no Heriberto H�lse (SC), resultado que garantiu ao Cruzeiro a lideran�a isolada da S�rie B (foto: Staff Images/Cruzeiro)


“#alo!” O grito com o nome da ave ressoou alto pelo sal�o, em meio ao conversar baixo e intimista dos casais espalhados pelas mesas do restaurante, na regi�o central de Belo Horizonte. Um som desproporcional para a noite fria e rom�ntica da �ltima sexta-feira. Uns se espantaram, outros ignoraram. Quieto, duas mesas � frente e com uma pilastra a me separar do dono da voz rancorosa, eu degustava um acaraj�. Na TV, com o volume mutado para n�o incomodar a maioria dos presentes, desinteressados no futebol, o exato momento do gol do Crici�ma sobre o Cruzeiro. O carcarejar se repetiu: “#alo!”

O ala esquerdo Marcelo Hermes – com a m�o direita – acabara de empurrar a bola para o fundo das redes do nosso arqueiro. Enquanto o juiz se encaminhava para a lateral do gramado, a fim de conferir o VAR, me virei e, de relance, vi a perna do autor do grito sem prop�sito. O cal�ado era um reluzente sapat�nis. O suficiente para confirmar minha suspeita.

Voltei ao meu bolinho, joguei um pouco mais de pimenta e antes da pr�xima bocada, dei um suspiro. N�o pelo fato de a TV exibir o �rbitro desenhando um quadrado imagin�rio no ar e movimentando os bra�os para sinalizar o gol anulado. Mas sim por d� da mo�a linda, que na noite rom�ntica de sexta-feira, era trocada pela sofr�ncia traum�tica de seu par atleticano, que s� tinha olhos para o jogo do Cruzeiro.

O dia seguinte amanheceu um pouco mais quente. Mais azul. Mais alegre por mais uma vit�ria do Time do Povo Mineiro. Manto sagrado no peito, desci pelas ruas de Belo Horizonte a distribuir “bons dias”. Entrei na casa do meu Velho para uma visita. Ele me recebeu com a tradicional pergunta de um p�s-peleja: “gostou do resultado”? O 1 a 0 sobre o Crici�ma, mesmo com todas as dificuldades, nos agradara pelo disparar na lideran�a da competi��o.

No olhar de meu pai, senti que algo lhe incomodava. Com muito custo, acabou por me confidenciar o motivo. Naquela manh�, durante sua caminhada matinal, um representante da Turma do Sapat�nis se p�s a praticar o esporte preferido dos torcedores do time do bairro de Lourdes: falar do Cruzeiro. “Mas o Ronaldo quebrou o time que comprou nos Estados Unidos. Mas o clube do Ronaldo na Espanha est� na  segunda divis�o. Mas o Cruzeiro do Ronaldo...”.

Mastiguei um suculento peda�o de torresmo e questionei meu Velho. “Pai, voc� perguntou a ele quantas vezes na hist�ria o clube dele quebrou e foi salvo com dinheiro dos cofres p�blicos, de pol�ticos, de coron�is ou de doa��es dos Bilion�rios do Brasil Mis�ria?”

Sereno, com a sabedoria de quem j� viveu de tudo nessa vida – inclusive, dezenas de t�tulos no Mineir�o com o seu Cruzeiro –, meu pai, educadamente, sorriu, me ofereceu outro naco de torresmo e respondeu: “Eu n�o! Sou cruzeirense, n�o vou me preocupar com time dos outros, n�?” E brindamos a d�diva de sermos pai e filho celestes, para os quais a energia cinzenta das nuvens brancas e pretas � incapaz de incomodar a alegria de estar do lado certo da hist�ria.

Assim, por mais uma semana, a pequenez da Turma do Sapat�nis e sua obsess�o – de origem traum�tica – seguiram sendo respondidas pela Na��o Azul como se conquist�ssemos seis t�tulos; marc�ssemos seis gols ou distribu�ssemos seis beijos molhados numa sexta-feira rom�ntica de jogo do Cruzeiro.


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