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Estado de Minas TERCEIRO SINAL

Pe�a 'Eu te amo, ditadura' fez sucesso na BH dos anos 1990

Para o autor S�rgio Abritta, a remontagem da pe�a em 2022 talvez fosse alvo da cultura do cancelamento por parte de quem n�o respeita a democracia


01/04/2022 04:00 - atualizado 31/03/2022 23:13

Paulo Rezende, Helena Soares, Cristiane Fernandes e Fernando Gomes, atores da peça Eu te amo, ditadura, perfilados no palco, sorriem em agradecimento à plateia
Paulo Rezende, Helena Soares, Cristiane Fernandes e Fernando Gomes formavam o jovem elenco de "Eu te amo, ditadura" (foto: Acervo pessoal)

A ironia de um t�tulo


S�rgio Abritta
Diretor e dramaturgo

De todas as minhas pe�as, certamente “Eu te amo, ditadura”, encenada em 1993, no Teatro Jo�o Ceschiatti, � a que me traz melhores lembran�as. Quando comecei a escrever o texto, n�o tinha completado 30 anos e as mem�rias das reuni�es e namoros nos corredores da Fafich ainda eram muito recentes. Levei tr�s anos para escrev�-la – de 1989 a 1992 – e, quando tudo parecia pronto, veio o movimento dos caras-pintadas.

Tive, ent�o, que escrever mais uma cena, porque n�o podia deixar de fora aquela explos�o pol�tica da juventude, que, invadindo as pra�as do pa�s, acabou por derrubar o presidente Collor. O t�tulo era uma tentativa de provoca��o �queles que tinham se deixado levar pelo sistema, mas muitas pessoas contr�rias ao regime deixaram de ver o espet�culo por causa dele.

A pe�a contava a vida de quatro estudantes – Bia, S�lvia, Rui e Lu�s, durante a ditadura militar, mais especificamente desde 1976, ano em que eles passam no vestibular, at� 1992, pouco depois da ren�ncia de Collor. Para elaborar o texto, fiz extensa pesquisa em jornais e revistas da �poca, especialmente os alternativos, como Opini�o, Movimento e Em Tempo, publica��es que n�s, estudantes de esquerda, realmente l�amos.

Al�m disso, me encontrei com v�rios amigos e at� com alguns inimigos da �poca do movimento estudantil, para compreender melhor acontecimentos dos quais participei apenas do lado de fora, como o 3º Encontro Nacional do Estudantes, realizado no DA Medicina, em 1977, quando muitos estudantes foram presos e enquadrados na Lei de Seguran�a Nacional.

Ator com o rosto virado para a direita e atriz, de costas para ele, em cena da peça Eu te amo, ditadura
Em cenas da pe�a, imagens de momentos hist�ricos eram projetadas no fundo do palco, como se v� � esquerda (foto: Acervo pessoal)


A famosa foto da sa�da dos estudantes abra�ados da Faculdade de Medicina da UFMG funcionava quase como s�mbolo da pe�a, que usava uma centena de slides para ajudar na contextualiza��o dos fatos. Os acontecimentos pol�ticos passam em profus�o na cena, como o Congresso de Reconstru��o da UNE, em Salvador, a anistia, a campanha pelas diretas, a cria��o do PT, a morte de Tancredo e as elei��es de 1989.

Eu pretendia fazer uma reconfigura��o da mem�ria, de forma fragmentada, misturando coisas, lugares e tempos heterog�neos, mas todos ligados � ditadura militar, para pensar um pouco como um regime desp�tico pode acabar por definir nossas vidas, individual e coletivamente.

O arco dram�tico era delineado pelas mudan�as dr�sticas que as personagens sofriam. Essas transforma��es faziam com que a pe�a �s vezes fosse muito bem-humorada. A vis�o de Rui sobre sua pr�pria sexualidade, por exemplo, era completamente modificada pelo contato com ideias que ele nem de longe supunha existirem antes de entrar na faculdade, o que causava a imediata empatia do p�blico.

Os atores Fernando Gomes e Paulo Rezende em cena da peça Eu te amo, ditadura
Fernando Gomes e Paulo Rezende em cena (foto: Acervo pessoal)


N�o posso deixar de mencionar a brilhante dire��o de Wilson de Oliveira, que soube captar com perfei��o aquilo que a dramaturgia propunha, fazendo um espet�culo criativo e instigante, bem como as atua��es primorosas de um elenco jovem, composto por Cristiane Fernandes, Helena Soares, Fernando Gomes e Paulo Rezende, que se jogou de cabe�a na encena��o. Para completar, havia o cen�rio provocativo desenhado por Raul Bel�m Machado.

A montagem teve uma repercuss�o t�o grande em Belo Horizonte que acabou sendo levada para S�o Paulo, onde esteve em cartaz, em 1994, nos teatros Cacilda Becker, Paulo Eir� e Jo�o Caetano.

Se reencenada hoje, talvez a pe�a fosse alvo da cultura do cancelamento por parte de pessoas e movimentos que, inacreditavelmente, lutam para destruir a democracia. Ou talvez essas pessoas, com sua vis�o limitada do que � viver em comunidade, lotassem o teatro, incapazes de perceber a ironia de um t�tulo que queria expressar, antes de tudo, �dio visceral ao regime que desrespeitou os direitos fundamentais mais b�sicos, entre os quais a vida e a liberdade.

*�S SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SE��O “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PE�AS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REA��O DO P�BLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.

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