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Estado de Minas ENTRE LINHAS

A antropologia explica a resili�ncia de Bolsonaro

Mesmo o desgaste provocado pelo caso das joias ainda n�o abalou o prest�gio popular de Bolsonaro como seus advers�rios esperavam


06/09/2023 04:00 - atualizado 06/09/2023 08:41
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Bolsonaro capturou o apoio dos evangélicos ao se opor às pautas identitárias da esquerda
Bolsonaro capturou o apoio dos evang�licos ao se opor �s pautas identit�rias da esquerda (foto: ALEXANDRE GUZANSHE/EM/D.A.PRESS)

Bolsonaro capturou o apoio dos evang�licos ao se opor �s pautas identit�rias da esquerda, que s�o vistas como um amea�a � preserva��o da fam�lia unicelular patriarcalTe�logo cat�lico maldito, Leonardo Boff � um cr�tico dos fundamentalismos. Segundo ele, todos os sistemas culturais, cient�ficos, pol�ticos, econ�micos e art�sticos que se apresentam como portadores exclusivos da verdade e da solu��o �nica para os problemas s�o fundamentalistas. Ex-frade franciscano, considerado um dos fundadores da chamada Teologia da Liberta��o, suas cr�ticas aos dogmas religiosos o levaram ao confronto com Roma. Nascido em Santa Catarina, seu nome de batismo � Gen�zio Darci Boff.

Os conceitos de Boff no livro “Igreja, carisma e poder” provocaram forte rea��o da Congrega��o para a Doutrina da F�, ent�o dirigida por Joseph Ratzinger, que viria a ser o papa Bento XVI. Condenado ao “sil�ncio obsequioso”, Boff foi proibido de difundir suas ideais renovadoras sobre a rela��o da Igreja Cat�lica com o povo, por colocar “em perigo a s� doutrina da f�”.

� �poca, os padres cat�licos que adotaram a Teologia da Liberta��o criaram as chamadas comunidades eclesiais de base, que estimulavam a popula��o cat�lica das periferias e grot�es a lutarem por seus direitos. Com a puni��o de Boff, os que defendiam suas ideais passaram a ser isolados pela pr�pria hierarquia da Igreja, o que acabou contribuindo para afastar do catolicismo grande parcela da popula��o pobre do nosso pa�s.

O anticlericalismo da esquerda brasileira, que estava sendo amortecido pelas comunidades eclesiais de base, voltou-se contra a Igreja Cat�lica, que havia desempenhado um importante papel na luta contra o regime militar. Ao mesmo tempo, os setores mais conservadores do clero ampliaram a sua influ�ncia. Essa vis�o anticlerical da esquerda � dogm�tica e incapaz de compreender a import�ncia da religi�o na vida da sociedade.

Desde sempre, os mitos e ritos religiosos existem como forma de representa��o da nossa humanidade. Em diversos momentos foram fatores de profunda divis�o, com guerras sangrentas, como aconteceu entre cat�licos e protestantes e, hoje, ainda acontece entre mu�ulmanos sunitas, xiitas e fundamentalistas. No s�culo passado, por isso mesmo, os antrop�logos franceses passaram a dedicar muita aten��o �s religi�es.

A antropologia das religi�es parte da ideia de que a humanidade e sua cultura s�o realidades complexas e precisam ser estudadas com base em paradigmas mais cient�ficos, para serem compreendidas e respeitadas, como pensamento simb�lico. N�o s�o manifesta��es apenas psicol�gicas, preenchem necessidades e revelam aspira��es leg�timas.

O antrop�logo franc�s L�vi-Strauss, que lecionou na Universidade de S�o Paulo, realizou uma not�vel pesquisa sobre as estruturas de parentesco, ao estudar a vida dos �ndios nhambiquaras, caingangues e bororos, que ainda hoje � uma refer�ncia. Sua distin��o entre a ordem vivida, cuja base � a realidade objetiva, e a ordem concebida, que � a representa��o dessa mesma realidade, � consagrada.

Evang�licos


� pac�fico que a estrutura dos sistemas de representa��es e pr�ticas religiosas tendem a assumir a fun��o de instrumento de imposi��o e legitima��o. O campo religioso n�o somente cumpre fun��es estritamente religiosas, mas se vincula a demandas propriamente ideol�gicas. � a� que os evang�licos levam vantagem. Desde quando os irm�os John e Charles Wesley, cl�rigos anglicanos, inspirados em Martinho Lutero, impactados pela extrema pobreza e as terr�veis condi��es de sa�de e de trabalho da Revolu��o Industrial, conclu�ram que a religi�o deveria adotar uma mensagem de “santidade social”, publicamente engajada nas quest�es sociais.

Os “evangelistas” passaram a levar a mensagem crist� aos mercados, campos e casas. Acreditaram no poder da transforma��o pessoal e social do cristianismo, combateram o tr�fico de escravos, defenderam a educa��o gratuita e ajudaram a organizar os sindicatos ingleses. Seus seguidores passaram a se chamar metodistas. Com o tempo, essa forma de atua��o se tornou uma caracter�stica da atua��o das diversas igrejas e denomina��es evang�licas, sejam as mais tradicionais ou as pentecostais, que ocuparam o espa�o vazio deixado pela desmobiliza��o das comunidades eclesiais de base da Igreja Cat�lica no Brasil.

Bolsonaro capturou o apoio da maioria dos evang�licos ao se opor sistematicamente �s pautas identit�rias da esquerda, que s�o vistas como um amea�a � preserva��o da fam�lia unicelular patriarcal. Esse apoio foi consolidado por sua alian�a com a bancada evang�lica no Congresso, um n� que o presidente Luiz In�cio Lula da Silva ainda tenta desatar. Esse apoio evang�lico explica em grande parte a resili�ncia eleitoral do ex-presidente da Rep�blica. Tem um vi�s antropol�gico, que a ci�ncia pol�tica n�o explica.

A nova rela��o entre religi�o e pol�tica no Brasil est� muito cristalizada. A perda dos direitos pol�ticos por oito anos e o isolamento a que Bolsonaro est� sendo submetido no Congresso, ap�s a tentativa de golpe de 8 de janeiro, n�o est�o tendo o impacto que se imaginava na sua base eleitoral. Bolsonaro ainda mant�m grande capacidade de transferir votos nas elei��es municipais.

Mesmo o desgaste provocado pelo caso das joias que recebeu de presente da Ar�bia Saudita, e resolveu passar nos cobres, em vez de destinar ao patrim�nio da Uni�o, ainda n�o abalou o prest�gio popular de Bolsonaro como seus advers�rios esperavam. De igual maneira, a desmobiliza��o dos radicais de extrema-direita, cujos l�deres est�o sendo investigados e punidos por causa das invas�es do Pal�cio do Planalto, do Congresso e do Supremo tribunal Federal (STF), tamb�m n�o desbaratou o bolsonarismo, que continua muito ativo nas redes sociais.
 
 


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