
Hoje, a prosa � com a mineira graduada em Letras e Mestre em Literatura Brasileira, a brilhante Maria da Concei��o Evaristo de Brito, uma das mais importantes vozes da literatura brasileira contempor�nea. Sua obra � um grito pela liberdade e um convite para mergulharmos poeticamente em um Brasil real, de for�a e coragem, um Brasil que ouso afirmar ser feminino.
Ao longo da hist�ria, a escrita tem sido uma ferramenta de poder para influenciar a sociedade. Aqueles que det�m o conhecimento da escrita e o poder econ�mico para subsidi�-la podem criar e influenciar narrativas e discursos que moldam a forma como pensamos sobre o mundo. Infelizmente, nem sempre essas hist�rias s�o contadas de forma concisa e honesta, e muitas vezes s�o distorcidas para atender aos interesses daqueles que det�m o poder. No Brasil, as verdadeiras hist�rias dos povos ind�genas e negros, por exemplo, foram frequentemente deixadas de lado ou contadas de forma err�nea, com a narrativa "oficial" escrita por pessoas brancas privilegiadas, a diversidade cultural, a riqueza e a verdadeira origem desses povos, s�o negadas e sua exist�ncia por vezes apagada.
� importante ressaltar, no entanto, que existem vozes na literatura que v�m na margem oposta deste fato. A brilhante escritora Concei��o Evaristo � um exemplo not�vel de algu�m que usa sua escrita para transmitir mensagens profundas e sens�veis sobre a realidade brasileira. Sua obra tem sido aclamada por sua abordagem cr�tica, sens�vel, retratando especialmente sobre a experi�ncia das mulheres negras e pobres.
Tive o privil�gio de entrevistar Concei��o Evaristo sobre sua trajet�ria liter�ria, sua rela��o e reflex�es com a escrita. � uma honra poder compartilhar essa entrevista com voc�, leitor:
Concei��o, suas palavras ecoam em mulheres em diversas partes do mundo, como voc� sente tendo esta universalidade?
O ecoar de minhas palavras em v�rias partes do mundo me faz crer que a universalidade � poss�vel sem o apagamento das particularidades, pois a minha voz tem como fundamento a experi�ncia e a viv�ncia espec�fica de uma mulher negra.
O que voc� diria para mulheres que querem escrever, que se inspiram em voc�, mas que muitas vezes n�o se sentem encorajadas a compartilhar suas palavras?
Eu diria para as mulheres que querem escrever: que escrevam. Escrevam sem medo, escrevam imbu�das com a certeza de que a escrita nos pertence, escrevam sem pensar no resultado. Escrevam, fa�am disso um exerc�cio cotidiano quem tiver tempo, escrevam sem imaginar o que vai acontecer depois, depois da escrita pronta ou da escrita ainda acontecendo em processo, pense o que pode acontecer, mas antes n�o, antes tem que come�ar a escrever sem censura. Se precisar, escrevam em segredo, fa�am da escrita um momento s� delas.
O que difere a Concei��o de quando escreveu seu primeiro livro “Ponci� Vic�ncio” da dos dias atuais?
Muitas coisas me diferem do momento quando eu escrevi o “Ponci� Vic�ncio” para os dias atuais. “Ponci� Vic�ncio” foi a minha primeira publica��o solo e. da� para c�, eu fui ganhando uma visibilidade, eu fui sendo respeitada como escritora, eu fui sendo cada vez mais chamada para participar de eventos culturais. Ent�o, “Ponci� Vic�ncio” � como meu rito de passagem para meu reconhecimento liter�rio. Ele marca a minha vida liter�ria e abre caminhos para que eu prossiga, para que eu continue e para que o meu p�blico leitor aumente cada vez mais, n�o s� no Brasil, como fora do Brasil. “Ponci� Vic�ncio” j� foi traduzido para o ingl�s, para o franc�s, e est� no prelo para uma publica��o em italiano.
Vejo sua poesia como afetos ancestrais compartilhados em forma de mem�rias po�ticas, como voc� descreve sua escrita?
Eu vejo ou eu descrevo a minha escrita a partir do que o p�blico leitor me devolve, e o p�blico leitor sempre me devolve como sendo uma escrita po�tica, uma escrita sens�vel, � o p�blico leitor que se sente tocado, que se sente convocado pela minha escrita, que me devolve tamb�m de forma afetuosa, de forma muito emocionada os sentimentos que a minha escrita provoca. E � uma escrita marcada, sem sombra de d�vida – e fa�o quest�o de afirmar – pela minha experi�ncia, pela minha subjetividade de mulher negra na sociedade brasileira, mulher negra que vem dos estratos populares. E eu gosto muito de assuntar a vida, o sumo da minha escrita � a vida. Trabalhar na escrita uma vida, em que h� momentos que voc� celebra a vida, momentos que voc� chora a vida, momentos que voc� amaldi�oa a vida. Ent�o, todos esses sentimentos, eu procuro colocar, todas essas experi�ncias, ou todos estes estados de alma, eu procuro transportar para as minhas personagens, e algumas dessas personagens podem ter marcas de minha mem�ria pessoal, elas podem se confundir com a minha hist�ria pessoal, mas h� uma dose de ficcionaliza��o muito grande. � bom ficcionalizar, � bom fabular a vida, a gente est� sempre fabulando a vida, fabulando novos acontecimentos, fabulando uma condi��o de vida que se difere muito da condi��o de vida �s vezes experimentada pela pessoa, n�? Ent�o, esta escrita que o autor ou autora, no caso autora, deixa vazar a sua subjetividade, deixa vazar os causos, as suas tristeza, os seus dramas humanos, � como deixar vazar tamb�m a potencialidade. � uma escrita que seduz, porque � uma escrita que fala das pessoas, que fala com as pessoas. E em momento algum tamb�m esque�o que estou trabalhando com a literatura, que eu estou trabalhando com a linguagem, ent�o, eu gosto de cuidar da linguagem da minha escrita, de assuntar, de escolher que palavra ficaria melhor aqui, qual n�o ficaria, eu gosto de situa��es insinuadas, � muito bom voc� escrever, narrar um fato e deixar em aberto, para quem ler completar este fato, ou fazer a sua interpreta��o, ou ficar em d�vida do que aquela personagem quis dizer, eu gosto tamb�m do n�o dito, do insinuado, daquilo que voc� l� pelo sil�ncio, �s vezes pela mudez da personagem.
Eu tenho visto a juventude negra rompendo as barreiras e ocupando os espa�os, se posicionando, como voc� v� esta juventude de hoje, mas sobretudo, a juventude de favela?
Apesar dos pesares, apesar da mortandade de jovens, e a grande maioria jovens negros tamb�m morando nas periferias das cidades grandes, ou morando nas favelas, apesar deste genoc�dio que acontece com a juventude negra, eu acredito muito tamb�m na pot�ncia da vida. H� um lado da vida, h� situa��es da vida, em que a vida cria uma impot�ncia, mas o pr�prio espirito de sobreviv�ncia do ser humano tamb�m � capaz de criar uma pot�ncia para assegurar suas vida. Ent�o, se por um lado tem jovens morrendo – e muito –, por outro lado, tamb�m h� uma juventude negra que est� nas universidades, fazendo suas gradua��es, os seus cursos de mestrado, doutorado, pesquisando. H� uma juventude negra na arte, jovens cineastas homens e mulheres, na academia. N�s tamb�m vamos encontrar esta juventude negra que est� ocupando espa�o na pol�tica, tamb�m n�s vamos encontrar jovens negros, principalmente as mulheres. Ent�o, n�o h� morte que barre este dinamismo. Se alguns perdem, outros encontram os caminhos, ent�o eu acho que a gente n�o pode olhar a favela somente como um lugar de sofrimento, como lugar de tormenta mesmo, mas olhar a favela em sua pot�ncia, e olhando a favela em sua pot�ncia, n�s vamos ver que h� jovens que est�o agarrando a vida com unhas e dentes e indo adiante, indo adiante.
Para voc�, qual o lugar social que a poesia ocupa?
Eu acredito que o lugar social que a poesia ocupa � um lugar de poder dizer da humanidade das pessoas, � o lugar de dizer da po�tica que cada pessoa traz em si, � o lugar de dizer da contempla��o do mundo, de onde a pessoa contempla o mundo, traduz esse mundo, e quando eu falo da poesia, eu n�o estou pensando s� na poesia, aquela poesia escrita nos livros, ou a poesia dita, ou escrita por aqueles que s�o considerados grandes poetas, n�o estou falando da poesia daquilo que me comove, como comove outras pessoas, e quem disse que essa como��o � s� minha, porque eu sou uma pessoa letrada como se diz, n�o, essa como��o tamb�m, eu acredito que ela � tamb�m de uma pessoa que talvez n�o saiba escrever a letra A. A poesia, para mim, tamb�m est� nessa manifesta��o que n�o precisa de ser, necessariamente, uma manifesta��o escrita. Pode ser uma manifesta��o falada: a poesia est� numa letra de samba, ela est� numa letra de hip hop, ela est� numa letra de reggae. N�s vemos, por exemplo, a periferia de S�o Paulo, o movimento po�tico que existe ali, a juventude, principalmente a juventude se encontra para ler e falar poesia, isso tudo por iniciativa pr�pria, sem muitas vezes, a maioria at� nunca publicou, mas est� l� com seus textos, com suas falas, com as suas performances. Ent�o, a poesia pode ser um lugar de liberta��o das pessoas, pode ser tamb�m um lugar did�tico, um lugar de ensinamento, um lugar de cria��o de consci�ncia, e de inser��o do sujeito com uma responsabilidade nos seus lugares de pertencimento, fam�lia, escola, grupo social, a poesia oferece todas estas e mais outras possibilidades.
Concei��o, gostaria de propor, que poeticamente descreva a FAVELA do Brasil:
Favela
Barracos
montam sentinela
na noite.
Balas de sangue
derretem corpos
no ar.
Becos b�bados
sinuosos labir�nticos
velam o tempo escasso
de viver.
Poemas da Recorda��o e outros 2017 Movimentos, Editora Male
Ent�o, meu caro leitor, depois desse papo com Concei��o, o convido a despertar a poesia interna e descobrir novas formas de existir poeticamente. At� breve!
