
Na v�spera do 7 de Setembro fat�dico em que amea�ou a Rep�blica, Jair Bolsonaro baixou uma
medida provis�ria
para proibir as plataformas de m�dias sociais de censurar publica��es ou fechar contas sem explicitar a motiva��o.
� aquele m�nimo que se exige da Copasa, da Cemig ou Net, quando cortam sua conta de �gua, luz ou internet.
Salvo em casos de nudez, pedofillia e terrorismo, elas ficam proibidas de fazer qualquer censura de "ordem pol�tica, ideol�gica, cient�fica, art�stica ou religiosa".
As pe�as que se movem como sempre nesses momentos, pol�ticos, juristas e analistas
pol�ticos j� tinham comparecido no notici�rio da noite
resumindo o que a escalada de alguns jornais noturnos decretaram:
— Uma medida provis�ria do presidente Bolsonaro cria obst�culos para a��o das redes sociais contra fake news, incita��o � viol�ncia e atos contra a democracia.
O deputado Alessandro Molon, relator do j� aprovado marco civil da internet, ganhou a eternidade de longos minutos nas telas para
defender que a medida fosse devolvida sem discuss�o
, derrubada em a��o no STF ou, em �ltimo caso, no voto.
Muito diferente do dia seguinte e at� quarta-feira, quando passou praticamente escondida em not�cias e notas burocr�ticas o que em outros tempos seria um esc�ndalo internacional.
A mando de um ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, a
Pol�cia Federal prendeu no aeroporto de Bras�lia
, juntamente com seu s�cio brasileiro, o americano Jason Miller, criador de uma nova rede social sem censura, a Gttr.
Quis que desse os nomes das pessoas com as quais teve contato no Brasil, como se fosse leproso nos bons tempos ou infectado de Covid nos tempos atuais, e tentou obrig�-lo a assinar um documento sem informar do que estava sendo acusado.
Sem sequer falar ingl�s, pagando o vexame de serem socorridos por uma funcion�ria do aeroporto, os dois policiais condicionaram a libera��o a assinar um documento em portugu�s e informaram que se tratava de um inqu�rito sigiloso. Foram libertados por um advogado do Consulado americano.
Em entrevista � Fox News e ao canal no Youtube de Steve Bannon, ambos de direita porque o assunto tamb�m n�o interessa � grande imprensa liberal americana, ele disse que temia ser mandado para um esp�cie de "Guant�namo brasileira".
Que o STF seria uma mistura de Departamento de Estado com FBI, com ministros incontrol�veis que intimam e prendem, ao modo Gestapo, a pol�cia secreta de Hitler.
N�o provocou mais do que c�cegas vexat�rias al�m dessas por aqui, num sintoma que explica muito o atual estado de coisas em que a liberdade de express�o perdeu o valor absoluto que j� mobilizou passeatas e tenta��es de guerrilha.
Passou a ser relativizada e teorizada em coment�rios e artigos das mentes mais brilhantes do pa�s, segundo o princ�pio astrol�gico de que "nada � absoluto" e de que opini�es n�o devem atentar contra o pr�prio sistema democr�tico que a garante. Garante, como?
A quest�o acabou confusa, obnubilada e deturpada pela polariza��o esquerda/direita que tudo contamina e a express�o "fake news". A que se passou a recorrer para desqualificar tudo o que incomoda no que � publicado, sendo ou n�o informa��o errada ou desonesta, ataque ret�rico fundamentado ou criminoso.
Ela nasceu das teorias conspirat�rias que derivaram para discursos de �dio e cresceu por conveni�ncia, tanto dos que a usaram para destruir advers�rios nas elei��es quanto para os que precisam de uma desculpa para fazer censura.
� um produto das redes sociais, reverenciadas no in�cio do s�culo como a rendi��o da liberdade de opini�o contra o que seriam a manipula��o, a parcialidade e os interesses inconfess�veis da grande imprensa. Ganhou corpo nas campanhas altamente manipuladas da direita, a partir de Donald Trump em 2016, e chegou ao n�vel de obscurantismo na pandemia.
Passou a ter o apoio de uma sociedade atemorizada, em que n�o se distinguem cidad�os comuns de l�deres influentes nos meios de opini�o. As plataformas propriet�rias, j� totalit�rias, ganharam salvo conduto para bloquear, por ind�cios de fake news, posts ou contas, at� de presidentes da Rep�blica. Na vers�o mais desonesta, reduzir a prolifera��o de publica��es de que n�o gostam.
Para isso passaram a contar at� com a alegre cumplicidade de grandes ve�culos de comunica��o, com os quais elas inclusive reataram rela��es, rompidas desde que passaram a se achar deusas e a reduzir a propaga��o dos conte�dos jornal�sticos, na ilus�o de que substitu�ram a m�dia tradicional.
Leia meu artigo:
Facebook d� uma virada de volta ao jornalismo profissional
Em torno de ambos, surgiram as ag�ncias de checagem, fora e dentro dos grandes ve�culos de comunica��o, de den�ncia do que seriam fake news e discursos de �dio. Saudadas como, enfim, uma forma eficiente de controle do descontrole.
Problema � que, como nada � absoluto, como dizem os novos censores da liberdade controlada, tudo degringolou para cercear direito de opini�o, proteger interesses t�o inconfess�veis quanto os da imprensa antiga ou cair no rid�culo.
A badalada
Sleeping Giants
nasceu de dois jovens universit�rios interessados em salvar o mundo alertando anunciantes contra o que seria propagadores de fake news. Mas acabou causando preju�zos injustos a sites e canais s�rios de jornalistas idem, com base no que seriam diverg�ncias de opini�o n�o pun�veis, como provam as primeiras rea��es judiciais contra seus m�todos.
O vetusto
O Estado de S�o Paulo
embarcou no caso de condenar influenciadores que contestaram o fato de a OMS ter inclu�do na comitiva de inspe��o ao laborat�rio de Wuhan, na China, um cientista (Peter Daszak) que havia recebido bolsa para realizar pesquisas dentro do pr�prio laborat�rio, num evidente conflito de interesses.
Paula Schmitt, jornalista e escritora premiada, com mestrado e carreira internacional no jornalismo, comentou o conflito no seu Twitter e foi admoestada pelo coordenador da ag�ncia de checagem do jornal, o Estad�o Verifica, que admite contribuir com suas verifica��es para que o Facebook reduza o alcance da circula��o de informa��es que ele julga enganosas.
Jornalista que presidiu a respeitada Associa��o Brasileira de Jornalistas Investigativos, Daniel Bramatti a acusou de estar levantando suspeitas sobre o que, na opini�o dele e no determinismo obscurantista atual, n�o deveria ser suspeitado. Ignorou que se tratava de um conflito s�rio de interesses:
— N�o tem independ�ncia porque algu�m levantou uma teoria conspirat�ria contra ele? Olha os valores envolvidos! O cara � uma sumidade nessa �rea e vai ser exclu�do de uma investiga��o dessa import�ncia por causa de suposi��es baseadas em valores falsos?
O Instagram cancelou o post de um gato de bigodinho que o dono, o influenciador de direita cat�lica, Bernardo K�ster, dera o nome de Hitler, e uma live em que ele rezava o ter�o com seus seguidores. O Youtube o suspendeu por uma semana por ter informado, como se sabe, que os talib�s tomaram Cabul depois da sa�da das tropas americanas.
O bus�lis � que n�o se faz censura sem ser seletivo, sem erro e sem cair nos pr�prios erros e idiossincrasias do censor. Ainda mais quando esse censor programa algoritmos para automatizar a censura para sua multid�o de inscritos.
(Atualmente, 11 influenciadores bolsonaristas est�o com seus canais ou sites proibidos de receber por seus an�ncios veiculados pelo Google porque o idiossincr�tico ministro do TSE, Luiz Felipe Salom�o, decidiu que eles, que n�o s�o candidatos a nada, podem publicar o que quiserem, desde que n�o ganhem dinheiro com isso.)
Por isso o velho liberalismo que empurrou o mundo nos �ltimos 250 anos, abra�ado pela imprensa do Ocidente, sempre lutou com todas as suas armas contra ela.
Partindo n�o necessariamente dos marcos civilizat�rios de que nenhum homem pode controlar outro homem, sen�o em virtude de lei, mas do princ�pio b�sico de que ela � in�til, incontrol�vel e quase sempre suscita efeito contr�rio: esquenta o que deveria ser esfriado.
Velha reticente em corrigir seus erros na propor��o da ofensa de suas manchetes, ela deveria saber que hoje � mais incontrol�vel do que nunca. Como nunca foi, em elei��es e tempos de tecnologias mais tacanhas.
Nesse fim de semana, causou novos calafrios em bons liberais dessa m�dia uma fake news bem montada que atribu�a ao respeitado advogado Modesto Carvalhosa o apoio, impens�vel, a uma interven��o militar comandada por Bolsonaro.
Tamb�m improp�rios justos, mas como controlar isso? Como evitar que algu�m em Cabrob� ou em Manga dispare um meme desses e obtenha repercuss�o antes de que possa ser censurado? Um meme com os mesmos termos e os mesmos recursos fazendo discurso contr�rio, partindo de Crato ou de Luzi�nia, seria controlado como?
O principal argumento liberal contra ela, por�m, � que n�o h� a quem atribu�-la. Nem a nenhum cidad�o e muito menos ao Estado. A grande imprensa viveu no Brasil o trauma kafkaniano de ter um censor desinformado decidindo o que era not�cia dentro de suas reda��es, no regime militar.
Por isso a Constitui��o americana, baliza ocidental da democracia em seus 13 artigos e 27 emendas de pouca conversa, � enxuta em estabelecer na primeira delas, entre outras coisas, que "o Congresso n�o legislar� sobre liberdade de express�o".
Ponto. N�o tem regulamenta��o como quer Lula, n�o tem Medida Provis�ria como prop�e Bolsonaro. N�o se legisla e n�o se atribui a ningu�m o poder de estabelecer sobre ela. E ponto de novo.
Se j� era temer�vel dar esse poder a um cidad�o ou a um Estado, imagine aos algoritmos das plataformas, capaz de confundir um gato de bigode com um ditador e seu propriet�rio com um apologista do holocausto.
A quest�o de ataques de �dio, � honra das pessoas e �s institui��es, que de fato existem, � de responsabilidade das leis ordin�rias que definem o que � ou n�o crime. Assim como as tenta��es totalit�rias das plataformas, que n�o podem decidir sozinhas o que � l�cito discutir no espa�o p�blico.
Sujeitos todos �s suas respectivas puni��es, como imp�s Alexandre de Moraes de forma incorreta no in�cio e mais adequada agora, embora j� tenha passado da hora de se
mandar seu inqu�rito enviesado
para o lugar certo, a
Procuradoria Geral da Rep�blica
.
� a lei que mete medo a quem transgride e opina al�m dos limites. Vale para os influenciadores e vale para as plataformas. Se devessem ser censuradas por algu�m com poder de censura fora da Constitui��o — nunca � tarde para aprender —, os Estados Unidos, a p�tria da democracia, j� o teriam feito.
Outra longa discuss�o derivada da� � que a Justi�a daqui n�o responde com a mesma rapidez de l�, onde os invasores do Capit�lio por influ�ncia de Trump j� est�o quase todos presos, menos de nove meses depois do ataque.
Infelizmente, por aqui, periferia do quarto mundo em equidade judicial, ainda precisamos de vez em quando de um Alexandre de Moraes para fazer a justi�a por linhas tortas.
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