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Estado de Minas RAMIRO BATISTA

Com nossos pequenos tr�s poderes, v�m grandes irresponsabilidades

Ao apequenar o cargo de presidente como nenhum outro antecessor, Bolsonaro arrasta o Congresso e a Suprema Corte, que nunca estiveram t�o degradados


28/12/2021 06:00

Imagem ilustrativa
Bolsonaro chega ao final de seu terceiro ano de mandato desidratado (foto: The Economist, abril de 2020)
A grande frase que define o Homem Aranha e virou axioma pol�tico — "Com grandes poderes v�m grandes responsabilidades" — deve ter sido criada pelo dilema do her�i adolescente mais preocupado em se entender com a namorada do que em salvar o mundo. 

Em resolver seus problemas emocionais, que tomam boa parte de suas preocupa��es, enquanto tem que evitar que mais um pr�dio seja destru�do ou um avi�o derrubado por seus antagonistas, ao pre�o de mais vidas inocentes.

Mal ou bem, ele vai resolvendo as duas coisas, empurrado para a prioridade de salvar a vizinhan�a ao inv�s de si pr�prio, apesar do fogo cerrado e injusto da imprensa encarnada pelo Clarim Di�rio, do odiento JJJ.


Mas um bom devaneio em meio �s desilus�es que temperam as festas de fim de ano. Qual seja, o de que o presidente da Rep�blica, de esp�rito sangu�neo t�o adolescente quanto, virou a frase de ponta cabe�a. E ajudou a destruir mais um pouco o pa�s que deveria salvar por priorizar o namoro com seus interesses pessoais e paroquiais.

Nenhum presidente tinha diminu�do tanto o cargo quanto ele. Por ignorar de prop�sito aquele m�nimo de dignidade que os mesmo os piores ocupantes da cadeira entenderam como a liturgia do cargo, ilustrada pela frase famosa: "� mulher de C�sar n�o basta ser honesta, deve parecer honesta".

Tomou posse levando o filho barbudo marmanjo na carona do Rolls Roice pomposo e fechou o ano dan�ando funk machista numa lancha. Entre uma coisa e outra, tirou e mandou tirar m�scaras, fez piada de cunho sexual em cerim�nias oficiais e cometeu o ato pornogr�fico expl�cito de condecorar a pr�pria mulher com as tr�s principais medalhas da nacionalidade, em apenas seis meses.

As Ordens do M�rito Rio Branco, Oswaldo Cruz e da Defesa, destinadas a personalidades de not�ria contribui��o � Ci�ncia, � Educa��o e � Cultura, foram conferidas por um capricho de adolescente para agradar a namorada enquanto o pr�dio do pa�s desabava l� fora.

S�o s�mbolos de desenho animado reveladores de uma identidade pr�-adolescente que, em termos macros, se traduziu na afronta a regras sociais m�nimas de respeito aos outros poderes e institui��es da sociedade, a jornalistas e a minorias, a celebridades, advers�rios e at� aos mortos.

Concentrou-se no c�rculo familiar e no que este o influenciou como prioridade: derrubar desafetos no entorno palaciano, demonizar aliados no Congresso, plantar teorias da conspira��o, espalhar inf�mias e privilegiar os apoiadores eleitorais — empres�rios, evang�licos, militares. 

At� o seu governo, contabilizava-se alguns deslizes presidenciais raros pela dificuldade natural humana de conter a vaidade ou a press�o familiar pelo uso das regalias moment�neas do poder. Ou pela tenta��o de favorecer guetos que chegam a Bras�lia com o governante.

Uma carona a penetras no avi�o presidencial, o mergulho dos filhos na piscina da resid�ncia oficial, o recorte de uma estrela de flores vermelhas nos jardins tombados pelo patrim�nio hist�rico. Mesmo Lula, quem mais tinha cedido a circunst�ncias desse tipo, teve o pudor de n�o condecorar a mulher, premiada num ato do vice Jos� Alencar.

Os favorecimentos paroquiais aos grupos em d�vida de campanha, inerentes aos governos como os vil�es nos quadrinhos, eram pelo menos disfar�ados ou dilu�dos nas pol�ticas de Estado. 

Ao empres�rio ou sindicalista amigo eram facilitados acessos, empr�stimos, subs�dios ou redu��o de multas e d�vidas, mas sempre dentro de pol�ticas comuns dos bancos p�blicos, dos �rg�os de fiscalizac�o ou de nova legisla��o.

N�o h� registro do desplante de desmontar �rg�os de controle e, mais do que isso, assumir publicamente com nome e endere�o que o fez para proteger, mais do que setores, apoiadores eleitorais conhecidos. 

Menos ainda ostentar tratamento diferenciado, despudorado, a categorias do afeto presidencial como a dos policiais em rela��o ao conjunto do funcionalismo p�blico. Na contram�o dos esfor�os de racionaliza��o das contas previdenci�rias e or�ament�rias.

� uma cadeia de pequenos poderes em favor de pequenos grandes favores que deturpa toda a l�gica do princ�pio de impessoalidade, legalidade, moralidade, transpar�ncia e efici�ncia da administra��o p�blica. Priorit�rios e obrigat�rios para quem assume o principal posto da Rep�blica, depois de jurar defend�-la com base na Constitui��o assentada no interesse universal acima de quaisquer outros, pessoais sobretudo. 

Mais grave, por�m, � que ao diminuir o tamanho do cargo para seus interesses mais imediatos, perdeu condi��es pol�ticas de influenciar e se contrapor como contrapeso de mesma pot�ncia e acabou reduzindo tamb�m a estatura dos outros.

Historicamente, o Executivo funcionou como um contrapeso como deve ser, contra as tenta��es de hegemonia dos outros dois. Primeiro, por imposi��o ditatorial alimentada na cren�a da vileza do poder civil. E depois, nos governos democr�ticos, pela negocia��o que desandou para a coopta��o e, desta, para a corrup��o propriamente dita.

Mas at� Bolsonaro e apesar das prerrogativas em queda, o Pal�cio do Planalto ainda funcionava como o anteparo de certos limites que n�o podiam ser ultrapassados. Aquele m�nimo de compostura a partir do qual todo mundo sai perdendo.

Alimentado por conversas e negocia��es, em que cada um dos poderes faz ver ao outro os seus excessos que podem se refletir na  desgra�a dos tr�s. N�o vamos vender a m�e para distribuir emendas, senhor deputado. N�o vamos soltar todo mundo ou acatar toda a liminar contra o Executivo s� porque o presidente � antip�tico, senhor ministro.

N�o se tem registro na hist�ria de per�odo em que Congresso e a Suprema Corte estivessem t�o avacalhados. Calados e subservientes, sim, pela for�a das baionetas das ditaduras de Vargas e dos militares, mas nunca t�o ostensivamente militantes para defender e ampliar seus tent�culos por corporativismo, vaidade ou sub interesses. 

O STF teve um ano vergonhoso de anula��o de tudo o que a sociedade aprovou na Lava Jato, em intromiss�o quase cotidiana na economia interna dos outros poderes, em arbitrariedades de pris�o sem flagrante no processo das fakenews, em liminares em cachoeira para contestar o Executivo.

Num ativismo de que o presidente Lu�s Fux n�o teve vergonha de ostentar no seu discurso de final de ano:

— N�o � demais lembrar, todavia, que esta Suprema Corte seguir� sempre atenta �s necessidades do Brasil neste pr�ximo ano, estando pronta para agir e para reagir quando preciso for, sempre respeitando e fazendo respeitar as leis e a Constitui��o.

Do outro lado da pra�a, o Senado derrubou propostas do Executivo sem ler e a C�mara desceu mais um pouco. S� aprovou o que quis, desidratou propostas, inviabilizou reformas, esvaziou projetos moralizadores e ampliou seu poder na distribui��o de verbas por indica��o dos pr�prios deputados.

A ponto de transformar seu presidente Arthur Lira num tipo de imperador que recebe deputados, despacha e autoriza destina��o de verbas em volume maior do que autorizado pelos minist�rios, numa invers�o absoluta de responsabilidades.

Bolsonaro chega ao final de seu terceiro ano de mandato t�o desidratado, que qualquer proposta emitida pelo Pal�cio � combatida pelo Congresso, desmontada por provoca��o ao STF e desmoralizada pela imprensa, antes de uma reflex�o racional sobre seus m�ritos.

Um exemplo retumbante deste ano foi a MP de regulamenta��o contra os abusos de censura das plataformas de m�dias digitais, que a escalada do Jornal Nacional abateu tonitruante, ecoando o ritual de press�o que come�a nos pol�ticos e acaba no Supremo. Devolvida num efeito midi�tico pelo presidente Rodrigo Pacheco, est� hoje na boca e nas pretens�es de todo o mundo pol�tico, a come�ar de Lula.

Outra que fechou o ano, menos retumbante porque j� faz parte da paisagem, foi a de adiar at� melhor estudo a vacina��o de crian�as na faixa de 5 a 11 anos. A decis�o do governo desencadeou o mesmo ritual j� mon�tono, tedioso e um tanto irracional de contesta��o sem entrar no m�rito, em obedi�ncia cega �s platitudes dos especialistas. "Os benef�cios s�o maiores do que os ricos."

Tenho poucas d�vidas de que, se Bolsonaro propusesse o contr�rio, que a vacina��o na faixa et�ria deveria ser urgente, a rea��o do ecossistema pol�tico-judici�rio-midi�tico seria o contr�rio: "vamos devagar". N�o fosse Bolsonaro, a rea��o em cadeia seria outra. O mundo pol�tico estar� feliz por conversar com boa vontade sobre propostas semelhantes de Lula, sobre redes sociais ou sobre vacinas. 

Est� relacionado a autoridade. N�o por ser Lula, como n�o seria por ser um Fernando Henrique Cardoso. Mas por ostentarem ambos a postura que cultivaram nesse ecossistema. Em que � preciso se respeitar para ser respeitado.

O cen�rio hoje � de farra, com tr�s poderes an�es, cheio de an�es se acotovelando para disputar com o grande an�o do Pal�cio a primazia dos pequenos poderes. Que, ao contr�rio do princ�pio de Peter Parker, s� traz irresponsabilidades. 

> Textos anteriores da coluna aqui.

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