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Estado de Minas POL�TICA

Olavo de Carvalho de saias e � esquerda, Rita Von Hunty � estupenda

Como ele, drag queen tamb�m tem uma erudi��o intimidante e uma doutrina��o did�tica, quase motivacional, que ajuda esquerda a recuperar seu espa�o na internet


21/05/2022 09:56 - atualizado 21/05/2022 10:16

Rita Von Hurty
'A drag queen que come�ou com um canal de veganismo e explodiu com v�deos sensacionais de educa��o pol�tica, aos seus moldes e da esquerda' (foto: Reprodu��o/Insta)

J� escrevi aqui sobre o surgimento e o avan�o da milit�ncia de direita no Brasil, o papel  de Olavo de Carvalho nisso e as dificuldades incontorn�veis da esquerda para recuperar terreno na internet, onde, como nas ruas, j� teve o monop�lio.

N�o vi aparecer ningu�m relevante, suficientemente impactante nas redes sociais para mudar o quadro, at� o fen�meno Rita Von Hunty, a drag queen que come�ou com um canal de veganismo e explodiu com v�deos sensacionais de educa��o pol�tica, aos seus moldes e da esquerda.


Por sorte ou azar da sorte, acabou ganhando alta repercuss�o fora da bolha dela, � direita, ao ser massacrada pela pr�pria esquerda ao postar sua diverg�ncia com o discurso de Lula no lan�amento da candidatura e a alian�a com Geraldo Alckmin, em nome de sua integridade pessoal.

- Fere a minha exist�ncia - disse, numa entrevista reveladora de seu g�nio e de sua integridade, ao canal da revista F�rum.

Um passeio por seu canal de mais de 1 milh�o de seguidores me remeteu ao mesmo poder de impacto que Olavo de Carvalho teve � direita, sem o principal defeito dele, a agressividade.

Pelo contr�rio, nunca parece estar em guerra, embora esteja. Usa de suavidade e sedu��o para entender e desconstruir o argumento do outro, sem desqualific�-lo. Como professora e como seu ap�stolo Paulo Freire - que ali�s eu j� combati aqui -, ela acolhe o outro, reconhecendo o seu conhecimento para desconstru�-lo com integridade e eleg�ncia.

Como o guru da Virg�nia, ela tamb�m tem uma cultura intimidante e n�o fala nada o que n�o possa provar ou exemplificar. � daqueles raros influencers que fazem v�deo diante de uma biblioteca, mas que me passa a sensa��o de que de fato leu mesmo todos aqueles livros.

Cruza alta erudi��o com exemplos mundanos, como Olavo fazia bem, e uma doutrina��o altamente did�tica, de linha quase motivacional, que arrasta internautas e interlocutores.
 

� vis�vel como seus entrevistadores se mostram entre embevecidos, entre admirados e impotentes. Porque, com talento semelhante ao de Olavo para a pol�mica, parece praticamente imposs�vel discordar de suas posi��es.

Sua prega��o, did�tica, dial�tica, paulofreiriana e claramente marxista, �, claro, a da luta de classes, naquela toada de explora��o capitalista do homem pelo homem, dos povos conquistados pelos colonialistas, do preto pelo branco, da mulher pelo patriarcado.

S� que ela moderniza isso. Reelabora os conceitos a partir das modernas pautas da esquerda - diversidade, repara��o hist�rica, dilui��o de fronteiras sexuais - contra o que a milit�ncia, sobretudo na universidade, chama de desequil�brios estruturais provocados por privil�gios cristalizados numa sociedade constru�da pela opress�o bin�ria. 

Onde vai fazer todo o sentido a personagem amb�gua que montou, s�mbolo ela pr�pria da provoca��o � sociedade que quer transformar. Nesse v�deo em que coloco algumas p�lulas dela e que deu base a esse artigo, h� um  trecho memor�vel da entrevista que deu ao canal de Rafinha Bastos, sobre a imposi��o da vis�o europeia de mundo que devastou as diferen�as nos mundos conquistados.

N�o resisto a lembrar que Olavo de Carvalho tamb�m criou/montou a sua persona, histri�nica, para efeitos de incremento de rede social. O que, como tamb�m escrevi, no caso dele, acabou por comprometer o grande pensador independente das grandes obras que havia publicado at� ent�o.

J� a carca�a Rita Von Hunty tem um papel fundamental, indispens�vel, incontorn�vel, no seu claro projeto pol�tico de provoca��o da binariedade do mundo, digamos, utilizando os pr�prios valores - inclusive est�ticos - desse mundo para atrair, seduzir e estranhar.  � um estranhamento que, por si s�, j� faz metade do seu discurso ser entendido.

- A forma � um conte�do s�cio hist�rico decantado - diz a Rafinha, citando Theodor Adorno.

Ela, na verdade Guilherme Terreri Lima Pereira, de 30 anos, come�ou a se montar, como se diz, em 2013, e l� por 2015 a fazer um canal de comida vegana, na ideia que o veganismo tamb�m � uma luta pol�tica contra, entre outras coisas,  a forma predat�ria de produ��o do capitalismo. 

Da� viria a embrenhar pela educa��o pol�tica propriamente dita, literal, juntando a sua experi�ncia de educador e ator, professor de Literatura e estudante de artes c�nicas, montado nessa persona que � o retrato, a alavanca, a muleta de sua guerra cultural por uma das obsess�es da esquerda, contra a imposi��o de um modo bin�rio de vida. 

Bem decantados no tempo e no espa�o, a forma e o discurso de Rita Von Hunty s�o t�o bons que foi a primeira vez que algu�m da esquerda me convenceu de suas raz�es, utilizando as novas pautas do identitarismo, de que em muitos casos divirjo, como uma nova alavanca para explicar as desigualdades inerentes ao capitalismo. 

Mas, por�m, contudo, entretanto, todavia, embora eu me sinta muito convencido do diagn�stico das disparidades que ela elabora, eu n�o consigo vislumbrar algum sentido na sua proposta de solu��o.

Embora me conven�a de que de fato a forma como constru�mos nossa sociedade cristalizou privil�gios que s� agravam a posi��o dos mais fracos, n�o vejo outra forma de buscar san�-las sen�o pelo pragmatismo que � inerente � minha forma e a da direita liberal de pensar.

Porque a concep��o de mundo da esquerda, de uma solu��o fora do capitalismo, s� pode desaguar no fortalecimento do Estado, que � a pior das solu��es. Quando n�o vira opressor, porque ainda n�o descobriram uma forma de for�ar a igualdade sem a restri��o de liberdades.

Rita condena a fal�cia da meritocracia, por exemplo, do cada um por si e Deus por todos do capitalismo, mas qual seria a solu��o? O pedreiro, o porteiro ou o entregador de pizza s� teria como futuro dentro de sua classe, at� chegar a um ponto desej�vel de valoriza��o garantida pelo Estado?

Quer dizer, a meta do pedreiro, do porteiro ou do entregador de pizza � ter consci�ncia de classe e continuar lutando dentro dela para ser valorizado, e n�o considerar a hip�tese de um dia sair dela? � permanecer lutando dentro at� ter import�ncia? E da� at� a morte? 

� muito Paulo Freire a ideia de valorizar o sujeito no seu habitat com as suas experi�ncias, a sua hist�ria de vida, as suas cren�as e at� o seu vocabul�rio, que pode redundar, entretanto, numa nucleariza��o da sociedade, quase um sistema de castas com o que o identitarismo, ali�s, namora.

O que se depreende � que seu projeto para a sociedade � a luta pol�tica em si, contra um opressor que est� em cima, a elite cristalizada ou o Estado. � a pol�tica como uma causa cont�nua, a eterno longo prazo, como uma raz�o de vida.

No seu passo mais concreto, passa por educa��o como seus v�deos, publica��o de livros, palestras, tomada de poder dentro do sistema, na universidade, nos meios de comunica��o, na ind�stria do entretenimento, na constru��o de tamb�m uma hegemonia cultural, de esquerda, para se contrapor � da direita, que ela denuncia. Mas sem resultados objetivos, a m�dio e longo prazo para quem est� embaixo.

At� onde se sabe, essa esquerda identit�ria se despregou exatamente do pobre, do pedreiro, do porteiro e do entregador de pizza. Trocou a luta por melhores condi��es de vida por melhores sensa��es de vida, digamos assim. (J� h� alguma autocr�tica a respeito.)

Pessoas como eu, acreditam em solu��es mais plaus�veis, produto da pr�pria movimenta��o da sociedade, dentro do capitalismo, em busca da sobreviv�ncia, porque � assim que o mundo anda desde que o homem saiu das cavernas.

� a briga darwinista dos mais adaptados. Nos moldes de hoje e como j� se provou em todos os regimes que deram certo, � o desenvolvimento que produz oportunidades e incorpora os mais fracos. Nunca o Estado.

� �bvio que o modo de vida capitalista que criamos � um grande produtor de infelicidade, de ambi��es deteriorantes e a meritocracia por mesmo n�o resgatar os mais miser�veis, que dependem de alguma salvaguarda do Estado.

Mas tamb�m ainda n�o vi resultado pr�tico na luta pol�tica da esquerda na economia, desde as greves tocadas por Lula nos anos 1980 e nem nas muitas que acompanhei nos setores de educa��o e de sa�de, ao longo de uma vida. 

Lamento, mas ainda estou naquela de que, como a democracia, o capitalismo � o pior regime que existe, mas ainda n�o apareceu melhor. O contr�rio �: ou fazer a revolu��o e implantar um regime socialista, ou � o Estado pagar, dar as condi��es de igualdade, ou, como Rita prega, continuar lutando, lutando, sempre, utopicamente. Lamento, mas discordo que seja poss�vel ou pr�tico.

Dito isso, � preciso dizer que n�o fiquei nem um pouco, pelo contr�rio, decepcionado com o impressionante material de Rita Von Hunty, seu talento e sua generosidade para acolher a opini�o dos diferentes, process�-la e tentar mud�-la.

Com um respeito pelo outro lado raro na internet, que tentei reproduzir aqui neste artigo.


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