
Especulo que muito do sucesso da novela Pantanal est� relacionado a certo inconsciente coletivo de voltar a um estado natural primitivo de certa inoc�ncia do contato com a natureza, valores mais est�veis, tradicionais e previs�veis.
O reencontro com o que seria a natureza real do homem, um conceito do s�culo XVII de que nasceria naturalmente bom e seria corrompido pelo meio, � medida que fosse se integrando ao progresso urbano.
� bem significativo que o melhor da novela se passe nas cenas do pantanal matogrossense, de um monte de gente simples, honrada, de valores tradicionais at�vicos, de falas e gestos rudimentares, em meio � exuber�ncia da natureza.
Em contraponto �s dos envolvidos em entreveros no n�cleo da zona sul carioca: uma cambada de gente ambiciosa, de moral vol�vel, que se s� se desprega dali para ir l� invadir o mundo inocente. Um tanto quanto alimentados de estranhamento, preconceito ou desejo de tamb�m ser inocente.
Numa das cenas, uma dupla de mulheres contaminadas pela neurose do uso do celular para postar bobagens em redes sociais, com a ajuda de um cozinheiro hist�rico, se contrap�e � conversa � luz de lamparina de duas meninas vivendo na Idade Pedra, numa tapera �s margens de lagos exuberantes.
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Na mais simb�lica, a menina principal, Juma Marru�, � arrancada desse santu�rio de pureza para a selva da cidade grande pelo garoto civilizado que se apaixona por ela e por seu meio de vida. Tem o olhar forasteiro deslumbrado dos primeiros descobridores de �ndios pelados.
Ele tem a pretens�o de inoc�ncia dela, refugiar-se naquele o�sis idealizado, mas � tamb�m ref�m do mundo branco cruel de onde vem e para onde precisa voltar, com ela a tiracolo. Para sofrer o diabo nas m�os dos maus, brancos, colonizadores, vulgares.
Benedito Rui Barbosa escreveu a novela, primeiro sucesso da Rede Manchete que assustou a Globo, no final dos anos 80, no auge da teoria P�s-Colonial, que me ocorre no momento em que explode o problema da Serra do Curral e o desejo de nossos ambientalistas de guerrear com os predadores para retornarem ao mundo id�lico de onde viemos.
A teoria come�ava a se firmar nas universidades e no debate p�blico, na onda do niilismo p�s-modernista desencantado do p�s-guerra que diluiu todas as grandes religi�es e institui��es ocidentais — o cristianismo, o marxismo, o liberalismo, a fam�lia, a religi�o e a Ci�ncia.
Combatia o eurocentrismo e redimensionava o papel do colonizado, a ponto de dar status de conhecimento cient�fico a suas falas e cren�as. De tal forma influente, que desandaria nos anos seguintes na derrubada de monumentos e a onda de repara��o hist�rica que cobra de uma crian�a nascida hoje na Pedreira Prado Lopes os abusos cometidos por senhores escravos do s�culo XVII.
Estabeleceu o conceito de fronteiras dilu�veis que viria a influenciar fortemente a Teoria Queer e a Teoria Cr�tica da Ra�a e desaguar, nos anos seguintes e at� hoje, no identitarismo contra qualquer concep��o bin�ria da sociedade (homem/mulher, ele/ela), com impactos na fala, no pensamento e nas escolhas.
Era uma rea��o e revisita tardia �s teorias das miss�es civilizat�rias que deram base cient�fica para a catequiza��o e o aculturamento dos povos conquistados. Que seriam selvagens incultos precisando do banho civilizat�rio dos brancos ocidentais. Passar sobre tr�s s�culos para fazer a revanche em nome de nossos antepassados.
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At� chegar na ideia de colonizados desprotegidos em nosso habitat intocado em torno da Serra do Curral. Que devemos ser restaurados contra a opress�o do branco predador da Tamisa e do aparato pol�tico e judici�rio que o protege.
Donde especulo que, qualquer que fosse o peda�o de montanha que o Copam viesse a aprovar para minera��o teria a mesma rea��o. O batalh�o de ambientalistas, t�cnicos, ONGs ambientais e os pol�ticos que os alimentam ou deles se alimentam iriam descobrir e defender esp�cies de fauna e flora, rios, ares e colonizados amea�ados no entorno.
Eu tamb�m gostaria que os empres�rios da Tamisa e a trupe que os defende fossem minerar no raio que os parta, mesmo que estejam dentro da lei, como sugerem a decis�o do Copam e a primeira decis�o judicial a respeito, do Tribunal de Justi�a. Mas vejo que n�o seria diferente em qualquer outro lugar.
Melhor que os ambientalistas, t�cnicos e ONGs ambientais os ajudassem a descobrir onde. Investiria seus recursos intelectuais, seu tempo e sua energia para pesquisar e descobrir �reas desimpedidas em que a minera��o no estado fosse poss�vel. J� que o s�culo XVII j� passou e a vida tem que andar.
Da mesma forma que tenho muitas sugest�es a dar sobre �reas em que deveriam atuar, mais pr�ximas e urgentes. Como a da constru��o civil, que continua amea�ando mais que tudo a qualidade de vida nas cidades, degradando o solo e sufocando todas as redes de saneamento, enquanto brigamos por alguma esp�cie de �rvore no Cerrado.
Como as teorias P�s-Colonial, Queer e da Ra�a, que desandaram para um monte de deturpa��es totalit�rias pelos excessos da mobiliza��o pol�tica, tenho boa bronca com qualquer a��o que desande para um ponto em que a campanha pol�tica sufoca a busca da verdade. E acabe m�ope para urg�ncias que est�o debaixo do nariz.
No auge de outra crise de grandes propor��es como essa, a da retirada das capivaras da Lagoa da Pampulha, em 2016, quando parecia haver mais ambientalistas que capivaras diante dos holofotes, estimei neste artigo que o ecossistema de fato desequilibrado era o do sistema de decis�o, com tanta gente ansiosa por dar pitaco.
— Por tr�s de tanta campanha e tanta reuni�o com tanta gente desde que as capivaras ganharam o notici�rio, um monte de animais pol�ticos devoravam-se uns aos outros num democratismo de cobra comendo o pr�prio rabo enquanto o roedor passeava com sua pelagem luzidia cheia de carrapatos sob o sol da orla da Pampulha.
Com todo respeito com quem est� na luta, continuo pensando mais ou menos igual. Me divirto com a briga, mas gostaria de um pouco mais de objetivo e menos proselitismo.
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