
No tempo em que fazia sucesso a sacada de Andy Warhol de que um dia o sucesso duraria 15 minutos, l� pelos anos 70, o ent�o badalado ator Warren Beatty disse mais ou menos que a vida n�o tinha sentido fora das c�meras.
Mais ou menos o que viria acontecer nos feeds das redes sociais, onde a vida � sempre bela e o grau de neurose chegou a ponto de problema mundial de sa�de p�blica, denunciado por uma ex-funcion�ria do Facebook (Frances Haugen) ao Congresso americano.
Em outubro, ela mostrou documentos aos senadores para provar como a plataforma tentacular de Mark Zuckerberg manipulou e evitou alterar seus algoritmos para evitar, al�m da guerra de bolhas, a depend�ncia sujeita a transtornos mentais, sobretudo em adolescentes.
Como Donald Trump, que tuitava 24 horas ao inv�s de cuidar de suas obriga��es presidenciais, e Jair Bolsonaro, de idade mental semelhante, que, como se sabe, ainda se esconde no closet de madrugada para tuitar sem incomodar a esposa.
Na �ltima semana, ele deu mostras de estar no limite do transtorno nos pronunciamentos meio bipolares - um tanto descabelado num deles - em que imprecou de novo contra as urnas eletr�nicas e pela primeira vez contra os pr�prios fi�is que ostentam faixas golpistas.
A din�mica est� se contornando cada vez mais semelhante � dos dependentes do v�cio, ref�ns da necessidade de postar algo pol�mico quando sentem que est�o perdendo o controle da narrativa ou multiplicar os posts quando percebem o bom resultado.
� uma doen�a que se retroalimenta, se agrava e afeta pessoas de todas as idades. Eu mesmo j� tive meus momentos, em que � percept�vel a ang�stia que adv�m da falta de cliques e a euforia quando eles v�m na cascata e alimenta novas intera��es para gerar outros tantos.
J� se escreveu muito sobre o ciclo da car�ncia e da satisfa��o dopam�nica desse processo de auto afirma��o: a necessidade de publicar algo - e r�pido - que satisfaz precariamente nos primeiros cliques e precisa de mais publica��es e mais cliques para saci�-la.
O indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira a quente, logo ap�s a vota��o de suas condena��es no STF, quando todo o bom senso recomendava pelo menos aguardar a decis�o final ap�s os prazos de recursos, acendeu meu alerta para seu estado de depend�ncia.
Na �ltima semana, o elemento detonador foi a not�cia de que estacionou nas pesquisas, em que vinha subindo desde janeiro e mais um pouco ap�s a sa�da de Sergio Moro da disputa.
Entre os dois e at� os pronunciamentos e um quase abra�o euf�rico no seu principal algoz, Alexandre de Moraes, ele entrou num processo bipolar e meio em parafuso de mentir e desmentir suas declara��es ("Fachin est� vendo fantasma"), avan�ar e recuar, com todas as caracter�sticas do transtorno.
Problema maior para o tipo de paciente nesse grau de depend�ncia � que perde as refer�ncias do quanto pode estar ficando pat�tico. Como todo catador de cliques que acaba publicando coisas rid�culas, sem o perceber.
Hoje, est�o nesse n�vel as amea�as de golpe que j� fizeram mais sucesso na grande imprensa que adora provocar. E ainda n�o parece ter percebido que est� apenas assustando o eleitor fora da sua bolha. J� foi o tempo em que revelava certa intui��o consequente para criar fatos.
Ciro e Greg�rio
Ciro Gomes, j� meio bipolar por natureza, capaz de falar hoje o contr�rio do que disse ontem e bajular o advers�rio antes de bater, parece estar entrando no mesmo processo. Depois de Bolsonaro, � quem mais leva a s�rio as redes sociais.
Desde que se lan�ou informalmente a candidato e contratou a consultoria de Jo�o Santanna, investe obsessivamente em lives e v�deos para conquistar p�blicos, sobretudo jovens, num canal cujos t�tulos de mau gosto j� parecem caso de transtorno: Ciro Games e React do Cir�o.
Chegou a um ponto preocupante no debate que promoveu nesta semana com o humorista Gregorio Duvivier, onde deixou bem patente uma personalidade transtornada, vagando entre a bajula��o, a pancadaria, a falsa humildade e a prepot�ncia.
Ele havia feito o desafio para o encontro, depois da �ltima edi��o do programa Gregory News (HBO) em que o humorista pedia a seus eleitores que votassem em Lula, para resolver a elei��o no primeiro turno contra Bolsonaro.
Ao modo Ciro de ser, misturando falso elogio com chute abaixo da cintura, ele fez um v�deo furibundo (react), com acusa��es de fake news e alus�es a uso de outras subst�ncias, ao compar�-lo a Zelensky:
- No conforto do ar condicionado e do uisquinho com gelo, fora outros aditivos, tem gente que acha que basta ser baixinho e comediante para virar estadista ou salvador da p�tria, ou, melhor, conselheiro m�r da Rep�blica.
Tudo indica que esperava usar o interlocutor, n�o s� para atrair o p�blico do apresentador notoriamente lulista, mas como palanque para seu discurso de que � uma op��o melhor para derrotar Bolsonaro.
Num dos raros bons momentos no programa de quase hora e meia, repetiu a sua tese de que � a sanha da esquerda na aposta de polariza��o com o lulopetismo que est� facilitando a vida de Bolsonaro. N�o a tese "lis�rgica" de que ele, uma op��o mais honesta, est� atrapalhando.
S� que, diante da pajelan�a bajulat�ria inicial, ao inv�s de embarcar na do candidato, Greg�rio resolveu cobr�-lo pelos disparates do v�deo reativo anterior ("gostaria que voc� tivesse sido cuidadoso no seu react como est� sendo agora") e a coisa desandou.
No papel de mediador, interrogador e debatedor explosivo ao mesmo tempo, Ciro n�o deixou que um s� racioc�nio do humorista fosse completado. Estava nitidamente, por intui��o e debilidade emocional, empenhado em abafar o que lhe era desconfort�vel e indiscut�vel.
Que, sim, tinha carregado mesmo a m�o no tal react ("voc� briga com a sombra, Ciro") e estava mentindo agora para neg�-lo.
No pior momento que achava estar acertando, alegou ter agido por rea��o instintiva para se defender. Mas Greg�rio lembrou, quando p�de diante da gritaria, que o texto da agress�o havia sido escrito e em pelo menos cinco dias suficientes para reflex�o.
O que era ent�o para desmontar a tese do humorista acabou formando uma tese involunt�ria contra si mesmo. Apesar de ter conseguido expor seu ponto de vista, acabou se mostrando por inteiro e da pior forma poss�vel.
Como qualquer obcecado de rede social que, na obsess�o do clique, acaba perdendo o senso do rid�culo.
Lula e seu fot�grafo
Aprendiz de rede social, Lula est� tateando o caminho, de forma ainda contorn�vel pelos padr�es da rede, mas namorando � dist�ncia com o transtorno.
Foi respons�vel por mais de 70% das intera��es pol�ticas da rede (consultoria Arquimedes) pelo casamento com Janja que acabou servindo, querendo ou n�o, como fato pol�tico relevante: o conto de fadas paz e amor em contraponto ao presidente belicoso que cria uma crise por dia.
Interessante como controlou a narrativa com sutileza mal percebida por seus cr�ticos. Tomou todos os celulares dos convidados na portaria e monopolizou as imagens a serem divulgadas no seu fot�grafo de tiracolo, Ricardo Stuckert.
Com isso, evitou a propaga��o de qualquer pose desaconselh�vel (amarrotado, b�bado, alegre, triste ou com Dilma Rousseff, por exemplo) e fez chegar as que quis, como e quando quis, a quem quis. Monica Bergamo, da Folha de S. Paulo, uma colunista sempre generosa com ele, receberia o �lbum completo, ou quase, claro.
Sintom�tico tamb�m que tenha perdido o medo de ostentar riqueza, na festa em buffet e bairro chiques. Nada exagerado para seu n�vel de renda, como o aluguel da mans�o de R$ 20 mil em que passa a morar, na capital.
Parece longe o tempo em que ocultava patrim�nio, morando de favor em apartamentos e s�tios de amigos, e dizia que uma casa de praia n�o cabia em sua biografia. Est� se submetendo � realpol�tik das redes, em que n�o adianta ser hip�crita. Melhor assim.
Doria e seus inimigos
Ainda sobre o transtorno obsessivo por cliques (TOC?), vai ficar para os anais da sacanagem eleitoral a rasteira obscena passada pelo PSDB de Bras�lia em Jo�o Doria, torrado por ter feito tudo certo, na hora certa, mas afrontado os c�digos de lealdade da minoria que manda.
Uma turma que n�o gasta mais que um minuto do dia com rede social, mas todos os outros em articula��es 1.0. Onde prevalecem as alian�as, os compromissos pessoais e a distribui��o de verbas do fundo eleitoral, que n�o dependem de mais do que uns cliques em planilha excel.
� um grande sinal de alerta e aprendizado para quem achou (Bolsonaro), anda achando (Ciro) ou come�a a achar (Lula) que rede social � tudo em pol�tica.
Aqui, artigos anteriores da coluna.