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Estado de Minas M�DIA E PODER

Bolsonaro � culpado, mas �ndole palanqueira do PT tamb�m atrapalha

Tese de "falsa simetria" entre extremos cobra responsabiliza��o clara de Bolsonaro pela viol�ncia pol�tica, mas oculta responsabilidades hist�ricas do petismo


19/07/2022 06:52

Imagem de câmera de segurança mostra Guaranho atirando ainda do lado de fora do salão de festas contra Marcelo Arruda
Imagem de c�mera de seguran�a mostra Guaranho atirando ainda do lado de fora do sal�o de festas contra Marcelo Arruda (foto: Reprodu��o/Dailymotion/C�mera de seguran�a)


Pesquisa da Quaest divulgada pelo blog de Leonardo Sakamoto indicou que 53% de eleitores de Lula ficariam infelizes ou muito infelizes se seus filhos ou filhas se casassem com um bolsonarista e apenas 38% de eleitores de Bolsonaro ficariam idem ibidem se seus filhos ou filhas se casassem com um lulista.

Uma outra sobre polariza��o afetiva, do professor da USP Pablo Ortellado, analisou 48 mil perfis de redes sociais para chegar � conclus�o semelhante, a de que a pessoa de esquerda � mais intolerante em rela��o � de direita.

E um artigo cient�fico do professor da universidade Emory de Atlanta, Thomas Costello, desenvolveu um �ndice de Autoritarismo da Esquerda para se contrapor ao conjunto de estudos da esquerda universit�ria que desde os anos 50 vinha consolidando a tese de que a intoler�ncia � exclusiva da direita.

Minha experi�ncia � mais b�sica e alimenta uma velha intoler�ncia contra desonestidade intelectual, que d�i mais num pai do que uma filha chegar em casa com um dos dois, como vai-se saber nas mal tra�adas linhas a seguir.

Eu ainda era jovem nos primeiros dos 35 anos que passei dentro de uma casa legislativa quando me surpreendi com a ideia de que os deputados da direita n�o brigavam entre si. Eram votados em munic�pios e grot�es diferentes cujo dom�nio os outros respeitavam, num pacto n�o escrito de cavalheiros.

N�o brigavam com quem quer que fosse. Como tinham uma atua��o basicamente clientelista, de atender demandas de prefeitos, vereadores, empres�rios e at� mesmo as  individuais de eleitores, junto ao governo, cuidavam por n�o "melindrar" ningu�m, segundo uma express�o da �poca. N�o "criar arestas", outra.

Foi por a� tamb�m que notei a enorme diferen�a com os primeiros parlamentares de esquerda que come�avam a brotar como cogumelos nos parlamentos, no in�cio da retomada da redemocratiza��o, nos estertores da ditadura militar, in�cio dos 80. Brigavam entre si e contra todos.

Como se tratavam de candidaturas urbanas, vindas de grandes cidades, disputavam voto na mesma regi�o geogr�fica e era comum que se estranhassem e se tra�ssem. Como nasciam e cresciam em movimentos pol�ticos, em geral grevistas, contra a ditadura militar e depois governos e a elite econ�mica, s� n�o brigavam com o eleitor.

Enquanto os de direita atuavam como despachantes de luxo carregando prefeitos e vereadores pelos pal�cios do governo, seu modus operandi era se reunir e fazer assembleias. Reivindicar algum direito et�reo coletivo (liberdade, democracia, direitos humanos ou sal�rios e planos de carreira do funcionalismo) e bater retoricamente em quem de direito no topo da pir�mide.

Com o tempo, a coisa derivou para o assemble�smo — uma piada dava conta de que o PT se reunia para decidir at� quem ia bater um prego —, a agressividade tornada pauta de um combate cotidiano �s elites e um talento para se fazer de v�tima "do sistema". Provocava, em greves e passeatas, e faturava a rea��o em contr�rio.

Transportada para o poder, a partir da posse de Lula em 2003, a pr�tica virou esp�cie de pol�tica de estado. Foi o primeiro governo de que se tem not�cia de que governava como se estivesse num palanque, sem entender muito bem de que lado estava. Numa esquizofrenia, atacava as elites que em tese lhes atrapalhava governar mas com as quais almo�ava, jantava e dormia.

Essa base de forma��o delineou o perfil do parlamentar t�pico de esquerda que viria a protagonizar o notici�rio pelas d�cadas seguintes, como Jos� Geno�no, Jandira Feghali, Benedita da Silva, Lindbergh Farias, Maria do Ros�rio, Jean Willys ou Gleisi Hoffman. 

Um tipo de palanqueiro full-time incapaz de pegar um microfone para desenvolver um argumento sem atacar algum culpado da elite pelas causas. Um megafone ambulante de uma plateia permanente a ser esquentada contra os poderosos.  

Mais que isso, totalmente inabilitado emocionalmente para contemporizar mesmo quando urgente diante de um desastre provocado por declara��es ruins de Lula ou de trag�dias como a do bolsonarista tresloucado que matou um petista inocente em Foz do Igua�u.

At� 2013, pelo menos, eles transitavam com tranquilidade contra uma elite que se divertia com os ataques enquanto se beneficiava dos governos que dirigiam de cima do palanque. Mas quando, a partir da�, surgiu e se consolidou uma milit�ncia de direita com os mesmos m�todos, a coisa encroou e desandou para a polariza��o de extremos que deu no que deu.
Por conhecer bem a g�nese dessa �ndole palanqueira, heran�a inconsciente de uma viol�ncia revolucion�ria que vem desde a revolu��o francesa, passando pelos pared�es e assassinatos em massa do comunismo at� chegar ao MST,  me arranha a sensibilidade ler gente s�ria falando em “falsa simetria”.

Como na �ltima semana, ainda no rescaldo da trag�dia de Foz do Igua�u, em artigos de pelo menos cinco articulistas que respeito muito em diferentes ve�culos de comunica��o igualmente respeit�veis. Deram asas � tese que serve para ocultar a parcela de culpa do lulopetismo no clima de crispa��o que vimos produzindo h� pelo menos uns 20 anos, desde que o petista mais perto passou a nos chamar de fascistas.

At� a semana passada e a trag�dia, ela vinha sobrevivendo na terra sem lei da esgotosfera e n�o havia chegado �s reda��es, �s quais acusa de dar tratamento injustamente igual � diferen�a brutal dos m�todos atuais dos dois lados. Criar falsa equival�ncia no que n�o seria compar�vel: a personalidade b�lica de Bolsonaro, para dizer o m�nimo, � de Lula. Equalizar o que n�o � equaliz�vel, como escreveu um deles.

Como escrevi aqui, acrescentaram o neologismo "doisladismo", o m�todo jornal�stico de ouvir os dois lados, para acusar os jornalistas dos meios tradicionais de subterf�gio para produzir um equil�brio que n�o existe e favorecer certa prote��o aos disparates incomensuravelmente maiores de Bolsonaro. 

Reinaldo Azevedo, que est� entre os cinco e � amado nessa banda, j� tinha dito h� mais tempo em v�deo, entre seus arroubos de indigna��o, que jornalista que toma Bolsonaro como igual a Lula s� pode ter comido coc�.

Em suas defesas, meio rendidos a esse apelo, esses articulistas chegaram a listar frases e contextos de Bolsonaro que n�o deixam d�vida de fato do grau indiscut�vel muito superior do presidente em agressividade e tenta��es totalit�rias e golpistas que envenenaram e continuam envenenando o ambiente. 

J� publiquei o suficiente aqui para reconhecer, muito antes da semana passada, que sua obsess�o por cliques e controle da narrativa de forma a manter energizada sua tropa na mesma esgotosfera, j� tinha torrado os seus miolos para o m�nimo de preparo indispens�vel ao cargo.

J� estava convencido h� mais tempo de que Lula � ser humano melhor e estou mais certo hoje de que suas escorregadas em defesa de regimes totalit�rios e de diferentes tipos de censura n�o podem ser comparados. Podem ser interpretados no plano da ret�rica, quase especula��o filos�fica sem maiores estragos, do que as agress�es duras, cruas e dirigidas do presidente da Rep�blica mais despreparado que j� tivemos.

Meu inc�modo est� em que, ao registrar as fartas provas da agressividade totalit�ria e comprovadamente desumanas do presidente, eles se atenham a uma compara��o do tempo presente, que � francamente favor�vel a Lula, e desprezem o passado, o que ele e seus militantes fizeram nos ver�es passados.

Estaria faltando certo esfor�o de simetria, um doisladismo mesmo, em suas an�lises. Avaliar, pelo menos em um par�grafo, qual a responsabilidade pret�rita e presente da milit�ncia de esquerda no clima belicoso que se ampliou na semana passada.

Mesmo o elegante Fernando Gabeira, uma flor de isen��o, defendeu que a viol�ncia pol�tica, que cobre h� 40 anos desde o assassinato de Chico Mendes e Dorothy Stang, � a primeira vez que vem de cima. Como se n�o tivessem havido os ver�es passados do governo Lula e sua alian�a com a viol�ncia patrocinada do MST e dos sindicatos. 

H� bom tempo que uma navegada com um m�nimo de isen��o pela timeline do Twitter � suficiente para se enojar do gangsterismo das agress�es de lado a lado, de figuras not�rias da direita e da esquerda, desesperadas por um m�nimo de protagonismo � cata de clique, onde a �ltima inten��o � contribuir para serenar os �nimos.

Confesso que a cada crise, sobretudo naquelas em que o PT � envolvido por uma fala despropositada de Lula ou de algum pr�cer do partido, procuro ouvir a presidente Gleisi Hoffman, e ela nunca me decepciona: � agressividade pura.

Ela � quem mais me remete ao que mais confirma minha opini�o sobre essa �ndole palanqueira de ataque como m�todo para se defender, criar fato ou posar de v�tima.

Articulistas pol�ticos do naipe dos que admiro - e concedem � tese - conhecem bem o m�todo Lula desde o sindicato e depois como pol�tico e presidente da Rep�blica de colocar a pe�ozada, os sindicalistas ou o MST na rua para assustar as elites, negociar sob press�o e posar de conciliador.

Donde quero entender e me compactuar com eles, mas n�o consigo descartar que a viol�ncia pol�tica n�o � produto recente e de um lado s�. Que a esquerda que tento entender h� 40 anos n�o tenha alguma responsabilidade nela.

Meu esfor�o aqui � para que, sem deixar de chamar Bolsonaro �s suas responsabilidades, de fato maior no epis�dio, n�o deixemos de iluminar o outro lado na estrada que nos trouxe at� aqui. � papel de jornalistas, salvo quando est�o empenhados em propaganda.  

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