
A morada do dem�nio, em verdade, atende por outros nomes: ang�stia, inseguran�a, incerteza, frustra��o e, talvez, resumindo tudo, “vazio existencial”, este sim um explosivo combust�vel para tudo o que n�o presta. Dinheiro, sa�de, tranquilidade… O que mais queremos, juntos, n�o resiste ao poder destruidor desta condi��o, uma esp�cie de falta de prop�sito vital que mina qualquer puls�o de vida.
Quanto mais idade, maior a chance deste vazio preencher o dia a dia. Paradoxal, n�o � mesmo? O vazio tomando conta de algo. Mas � assim mesmo. Idosos, com muita frequ�ncia, experimentam viver os �ltimos anos isolados, ainda que n�o s�s, em um mundo pr�prio, fechado, onde mem�rias e reflex�es tendem a deprimir o humor e trazer � tona a ant�tese da vida, que � a puls�o de morte.
PERTEN�O LOGO EXISTO
As redes sociais chegaram tamb�m para mudar essa l�gica. Para o bem e para o mal. O isolamento f�sico at� pode ter permanecido, mas o mundo virtual acabou aproximando os n�ufragos emocionais. Ilhas solit�rias uniram-se em arquip�lagos atrav�s do WhatsApp, Telegram, Facebook e formaram um ecossistema pr�prio, paralelo ao real - e � realidade -, que saltou para as ruas, avenidas e portas de quart�is Brasil afora.
O vazio existencial, a falta de prop�sito e o isolamento f�sico serviram como muletas para que para milhares de pessoas acima de 50 anos se reencontrassem com a energia vital perdida, e redescobrissem o sentimento de pertencimento e a raz�o de ser, de existir, ainda que sabidamente falsa (para quem escapou da armadilha, claro). Alienados do mundo real, passaram a viver em uma comunidade que lhes devolveu o sentido.
Os filhos criados, os netos ausentes, a aposentadoria, a falta de trabalho regular, o abandono existencial do mundo dos jovens, as condi��es m�nimas de vida satisfeitas (casa, comida etc.) moveram essas pessoas rumo � narrativa f�cil das teorias da conspira��o, criadas e disseminadas por extremistas em todo o mundo, representados no Brasil por Jair Bolsonaro, seus filhos e milh�es de seguidores sedentos por amparo.
QUERO MINHA M�E
Uma das for�as mais destruidoras que conhecemos � o desamparo, condi��o primitiva que todos os seres humanos j� experimentaram, em maior ou menor grau de dor e intensidade, durante a primeira inf�ncia. Se mal vivido e n�o reparado � frente, o desamparo atuar� com uma �ncora emocional devastadora. A busca por amparo (resgate do colo paterno e/ou do seio materno) pela aceita��o de quem nos cerca � real e poderosa.
Capturados pelo obtuso, simpl�rio e f�cil prop�sito bolsonarista (combate aos comunistas, � Globolixo, � China, aos globalistas etc.), enclausurados em uma rede pr�pria de informa��o (desinforma��o pura), alienados � realidade e compartilhando valores comuns (Deus, p�tria e fam�lia), “velhinhos” desamparados se viram protagonistas da vida mais uma vez. E o melhor: em companhia de (novos) afetos.
S� BOLSONARO � O CULPADO?
N�o h� d�vidas de que Jair Bolsonaro � o grande respons�vel por essa trag�dia. Mas n�o podemos isentar de culpa as pr�prias v�timas, j� que crescidos, alfabetizados e minimamente aptos cognitivamente. A fome se encontrou com a vontade de comer! Essas pessoas n�o s�o muito diferentes do que � o patriarca do cl� das rachadinhas e das mans�es milion�rias compradas com panetones e dinheiro vivo.
Por certa empatia, tenho alguma compaix�o por essa turma. Ao mesmo tempo, n�o tenho paci�ncia nem desejo de resgatar-lhes do fundo do po�o. Ao contr�rio. Durante todo esse tempo, nutri profundo desgosto e desprezo diante de tamanhas estupidez e selvageria. Deles, confesso, quero dist�ncia. Se um dia voltarei a aceitar o conv�vio, n�o sei. Hoje, n�o. At� porque imagino que a rec�proca seja relativamente verdadeira.
Fico pensando no drama das fam�lias desfeitas. Penso tamb�m em quem est� “�rf�o” de pais e m�es, presos em Bras�lia. Ali�s, imagino o sofrimento f�sico de pessoas de idade, dormindo no ch�o, comendo mal, enfim, experimentando um tipo de vida que jamais conheceram. A hist�ria humana conta muitas trag�dias � partir da captura das massas (escravid�o, nazismo, comunismo…). Em infinitos menores grau e import�ncia, estamos vivenciando algo similar. Que pena. Que triste. Tomara que sirva de li��o.