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Estado de Minas mais LEVE

Livres de monstros imagin�rios

Resta admirar o gesto do filho, que j� come�ou a mudar o mundo. Sim, temos muito o que aprender com nossas crian�as


02/05/2021 04:00 - atualizado 29/04/2021 10:42




Quem disse que os adultos � que ensinam �s crian�as? Veja o que aconteceu comigo dia desses. “Bora, mam�e!”, convida o ca�ula, chamando-me para brincar. “S� se for agora”, respondo, sentindo-me imediatamente desatualizada no modo de falar.

Deveria ter dito “beleza”. ‘Bel�’ pareceria for�ado. Mas o autojulgamento dura pouco tempo. O menino j� est� descendo a escada para o quintal. Corro atr�s.

Na falta dos colegas da aula on-line, vai a m�e mesmo. Joga para o alto a idade, a dor na planta do p� e os muitos quilos de obriga��es. ‘Sem problemas’, diria ela. ‘T� de boa’, diria ele. Nada � mais importante (e gostoso) do que brincar com os filhos. Chega de tentar racionalizar a situa��o. � hora de agir com o cora��o.
 
O menino j� est� l� do outro lado, fugindo de um inimigo imagin�rio ou, melhor dizendo, inventado. Ela descobre que um terr�vel monstro verde habita em nosso jardim. O bicho tem at� nome: Pietro Verde Musgo. Ele se revela em todos os objetos esverdeados encontrados ao redor.

Pode assumir a forma do balde de lavar roupa, do implac�vel regador grande ou da insuspeita bola de pl�stico, meio murcha, esquecida embaixo do p� de jabuticaba.

Uma das piores manifesta��es de Pietro Verde Musgo �, sem d�vida alguma, a gigantesca mangueira de molhar as plantas. Sorrateira, a enorme sucuri se disfar�a entre as folhagens. Pode ser acordada a qualquer momento, caso algu�m abra a torneira. Socorro! N�s dois sa�mos correndo, aos gritos.

Durante a corrida, passa pela minha mente a necessidade de explicar depois para a vizinha o motivo do berreiro – deveria substituir o termo por ‘barraco’? Deixa pra l�. Ap�s mais de um ano de quarentena, ela j� deve estar acostumada com a criatividade alheia.

Quase trope�o no excesso de pensamentos. Sou salva pelo pequeno, antes de tropicar na corda-cobra. Com a sua ajuda, consigo saltar sobre o avatar (agora, mandei bem!). N�o h� tempo para comemora��es. Logo somos surpreendidos pelo balde da �rea da lavanderia.

Antes que a m�e possa cair dura, o filho descobre uma maneira de escapar do infeliz. Puxa a toalha do varal, que rapidamente se transforma no manto da invisibilidade. Cansada de tanto correr, a m�e ganha alguns minutos de sossego, debaixo da cabana felpuda. Pausa para suspiro. Precisava mesmo ser a toalha branca?

Fazer o qu�? Protegidos pela capa m�gica, nossos her�is fogem novamente, mas desta vez caminhando, gra�as a Deus! Na ponta dos p�s, a dupla consegue despistar Pietro Verde Musgo. Ele nem desconfia daqueles dois estranhos seres, andando desgovernados pelo seu territ�rio, sem enxergar nada. S� a cabe�a est� coberta pela toalha, mas quem liga? Nosso disfarce � perfeito.

Meio morta, a m�e aproveita a calmaria para elaborar um poss�vel desfecho para a brincadeira. ‘Filho, que tal a gente sentar na rede e descascar umas laranjas?’, pensa em sugerir ao pequeno, mas considera a oferta insuficiente. Lamenta n�o ter sobrado uma gota de sorvete no freezer, argumento que costuma ser infal�vel.

Seu c�rebro j� n�o funciona mais depois de tanto esfor�o f�sico. Num ato insano de luta pela sobreviv�ncia, a m�e prop�e um plano para exterminar Pietro Verde Musgo. “Sim, n�s vamos conseguir acabar com ele!”, ela tenta entusiasmar o filho. “Podemos trabalhar em equipe!”, completa, tentando inserir um componente pedag�gico na divers�o. Como s�o bobas as m�es!

Felizmente, o filho concorda que � necess�rio tomar provid�ncia a respeito de Pietro. A situa��o passou dos li- mites. No auge do desespero, a m�e apela para o desentupidor de pia, que a partir de agora ser� usado como arma. E vai atr�s da fera, pronta para a bata- lha. J� est� preparada para atirar o pau no gato, mas o filho segura o seu bra�o.

“N�o fa�a isso, mam�e. Tenho uma ideia melhor”, diz. Decidido, ergue a bola verde na altura da cabe�a, esquece todos os medos e encara a fera. Olha bem no olho de Pietro Verde Musgo e ordena, com voz de comando: “Voc� precisa parar com isso. Anda, volte a ser do bem. A-go-ra!”

A m�e fica sem rea��o diante da atitude do menino, in�dita para a gera��o beligerante dela. “� isso a�!”, apoia o filho, encantada. Tem vontade de abra��-lo forte, mas n�o pode sair do perso- nagem. Resta admirar o gesto do filho, que j� come�ou a mudar o mundo. Sim, temos muito o que aprender com nossas crian�as.

Ep�logo: Pietro � derrotado. M�e e filho balan�am na rede, de pernas para o ar, com a bacia de laranjas no colo. Est�o no baga�o, mas livres de monstros. Leves como nunca.

Saiba mais sobre xamanismo no canal
Ch� Com Leveza (https://youtu.be/-Rr0i8i8_KM)
*Sandra Kiefer assina esta coluna quinzenalmente

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