
“Em primeiro lugar as montanhas “, j� dizia Fernand Braudel ao retratar o Mediterr�neo e enfatizar a liberdade das montanhas submetidas � menor intromiss�o externa uma vez que a vida das cidades nas baixadas, no momento hist�rico retratado, n�o penetrava facilmente na vida dos que viviam nos topos.
Essas protuber�ncias da superf�cie terrestre ocupam uma parcela territorial pouco expressiva do globo quando comparadas �s largas extens�es dominadas pelos planaltos e plan�cies, que geralmente as circundam. Entretanto, tais terrenos elevados desempenham um constante papel de interesses para o Estado. Interesses esses os mais diversos - tur�sticos, geoestrat�gicos, econ�micos etc., devido �s suas carater�sticas geol�gicas e geogr�ficas.
De forma simplificada, as montanhas s�o, essencialmente, uma resposta ao movimento das placas tect�nicas quando se sobrep�em, erguendo-se, imponentes por faixas, mais ou menos longas, de cadeias montanhosas.
Se nos mapas aparecem em desenhos facilmente identificados, quando observadas no terreno, as sutilezas se desvanecem. As montanhas abrigam os mais desconcertantes cen�rios. O que antes parecia apenas rugosidades da Terra perdem essa obviedade ao serem analisadas mais detalhadamente, sobretudo quando envolvem os interesses de Estados diversos.
As montanhas abrigam m�ltiplos cen�rios e, por isso, o fasc�nio que exercem. S�o s�mbolos do Divino ao se destacarem nas principais religi�es como �reas de manifesta��o de Deus: Mois�s, no Juda�smo, recebeu as T�buas da Lei no Monte Sinai; no Cristianismo, v�rios epis�dios da vida de Jesus Cristo ocorreram nas montanhas; no Isl�, o Profeta Maom� teve suas primeiras revela��es em uma caverna nas montanhas.
As montanhas foram �reas de ref�gios para rebeldes e her�ticos, principalmente no mundo medieval, mas ainda servem de abrigos para grupos terroristas da Chech�nia e nas montanhas ao norte do Afeganist�o, por exemplo. Elas s�o fronteiras, ditas “naturais”, entre diversos pa�ses: os Andes separam Chile e Argentina, a regi�o caucasiana separa a R�ssia da Ge�rgia e do Azerbaij�o.
Os ambientes montanhosos abrigam reservas minerais fartas e cobi�adas al�m de concentrarem as cabeceiras dos principais rios das bacias hidrogr�ficas do mundo, como nos himalaias tibetanos e na regi�o da Anat�lia, na Turquia, que produzem energia, irrigam campos, geram tens�es e muitas divisas oriundas do turismo.
As montanhas, por�m, t�m suas limita��es: s�o dif�ceis de cultivar, sujeitas a ravinamentos e deslizamentos frequentes, avalanches e inunda��es torrenciais nos altiplanos. Mas, como j� foi dito, uma montanha sem fendas � como um homem sem falhas. N�o interessa.
A geopol�tica de muitos pa�ses � diretamente afetada por suas caracter�sticas f�sicas. Os relevos planos favorecem o invasor, isso explica, em parte, o interesse da R�ssia na Ucr�nia e na Bielorr�ssia, vizinhos estrat�gicos para maior controle da extensa planura ocidental russa. As montanhas, por sua vez, s�o uma maior seguran�a aos poss�veis alvos de agress�o.
A decis�o de um ataque ao Ir� pelos EUA ter� que considerar aspectos da geografia mais hostil da antiga P�rsia, onde montanhas e desertos se mesclam, diferentemente do que ocorreu na invas�o iraquiana durante a Guerra do Golfo, 30 anos atr�s, quando a plan�cie mesopot�mica favorecia o avan�o das for�as ali envolvidas e o sucesso das opera��es a�reas realizadas.
O vigor das formas de relevo montanhosas pode gerar constrangimentos dif�ceis de serem ultrapassados e os ataques a�reos, isoladamente, podem n�o solucionar, ou seja, o equil�brio das for�as de guerras � modificado por essa geografia. Geralmente, guerras contra povos das montanhas devem ser travadas no solo, se os envolvidos buscam solu��es mais r�pidas.
Talvez isso explique o enfrentamento, quase medieval, entre o ex�rcito chin�s e indiano no topo himalaio, em meados de 2020, que, durante sete horas, a 4200 metros de altitude se enfrentaram numa noite escura como breu, com pedras, paus cravejados, barras de ferro e lutas corporais (ao amanhecer havia algumas dezenas de mortos e feridos). Afinal, � a montanha que estabelece o ritmo no telhado do mundo.